Papa Francisco chama de família e parabeniza casal gay que batizou filhos na Igreja Católica

Carta enviada pelo Vaticano com os cumprimentos de Francisco

POR EDSON SARDINHA –   Congresso Em Foco

Depois de fazer declarações criticando a perseguição dentro da Igreja Católica a homossexuais, o Papa Francisco surpreendeu a militância mais uma vez. Em carta ao casal Toni Reis e David Harrad, que vive junto há três décadas, o sumo pontífice reconheceu como família a união entre o ativista brasileiro e o inglês ao parabenizá-los pelo batizado dos três filhos adotivos, de 11, 14 e 16 anos. A mensagem em nome do papa tem data de 10 de julho e foi assinada pelo secretário de Assuntos Gerais do Vaticano, o monsenhor Paolo Borgia. Mas só foi aberta pelo casal na última sexta-feira, quando a família voltou ao Brasil após viagem de férias.

O texto é uma resposta à carta enviada por Toni e David ao religioso, no fim de maio, em que eles relataram a alegria de um casal de pessoas do mesmo sexo em ter conseguido batizar os filhos na Igreja Católica. No envelope também foram anexadas fotos do batizado, realizado em Curitiba em abril.

Toni, o segundo da direita para a esquerda. Ao lado dele, o filho Allyson, o companheiro David, e os filhos Felipe e Jessica, com o padre que realizou a cerimônia

“O Santo Padre viu com apreço a sua carta, com a qual lhe exprimia sentimentos de estima e veneração e formulava votos pelos bons frutos espirituais do Seu ministério de Pastor da Igreja Universal. Ao agradecer, da parte do Sucessor de Pedro, o testemunho de adesão e as palavras de homenagem, posso acrescentar: também o Papa Francisco lhe deseja felicidades, invocando para a sua família a abundância das graças divinas, a fim de viverem constante e fielmente a condição de cristãos, como bons filhos de Deus e da Igreja, ao enviar-lhes uma propiciadora Bênção Apostólica, pedindo que não se esqueçam de rezar por ele”, diz trecho da carta enviada pelo Vaticano.

“Para algumas pessoas ateias ou agnósticas, pode não significar nada. Para nós, significa muito. É um fato, mesmo tendo senso crítico de que a igreja errou muito. Na Idade Média éramos queimados na fogueira. Agora temos um papa mandando ofício. Estamos realizados”, disse Toni, que é militante, educador e colunista do Congresso em Foco.

Segundo Toni, o pedido para ser batizado partiu dos próprios filhos. Mas o casal enfrentou resistência para encontrar um padre que aceitasse dar o sacramento aos adolescentes. O batizado só saiu graças ao apoio do arcebispo de Curitiba, José Antônio Peruzzo. “Ele disse: ‘Não estamos batizando o casal gay, mas as crianças’”, relatou Toni.

Para o militante, a carta é simbólica e mostra que a Igreja está mudando o tratamento dispensado a outros modelos de família, que não o encabeçado por um homem e uma mulher. “Quando abrimos a carta na sexta passada, as crianças se emocionaram. Isso mexe muito com o emocional e a imaginação da gente”, afirmou. Toni, David e os filhos, que estiveram no Vaticano no mês passado, durante as férias, pretendem voltar a Roma para agradecer pessoalmente ao papa pelo gesto de reconhecê-los como uma família.

O reconhecimento é mais uma página virada pelo casal, formado há 27 anos. Nesse período, Toni e David viraram referência na luta pela igualdade de direitos homoafetivos. O inglês viveu no Brasil entre 1991 e 2004 com visto de turista e temporário. A Polícia Federal deu prazo de oito dias para ele deixar o país em 1996.

Em 2005, uma resolução do Conselho Nacional de Imigração permitiu a concessão de visto permanente a companheiros estrangeiros, independentemente de sexo. No ano anterior, o casal havia firmado uma declaração de convivência marital em um cartório de Curitiba. A confirmação do casamento veio em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo. A decisão abriu caminho para a adoção de três crianças – Felipe, hoje com 11 anos, Jéssica, com 14, e Allyson, com 16 anos. Esse foi adotado em 2012, e Jéssica e Felipe, que são irmãos de sangue, entraram para a família em 2014.

Em junho do ano passado, em um voo entre a Armênia e Roma, o Papa Francisco disse que a Igreja devia desculpas aos homossexuais, aos pobres, às mulheres e às crianças. Segundo ele, os homosssexuais, não devem ser discriminados. “Eles devem ser respeitados, acompanhados pastoralmente”, declarou no avião, de acordo com relato de jornalistas que o acompanhavam.

“Acho que a Igreja não deve apenas pedir desculpas … a uma pessoa gay a quem ofendeu, mas também deve pedir desculpas aos pobres, bem como às mulheres que foram exploradas, às crianças que foram exploradas por trabalho (forçado). Deve pedir desculpas por ter abençoado tantas armas”, defendeu. Os comentários dele foram feitos dias após os atentados em uma boate gay, em Orlando, nos Estados Unidos, que deixou quase 50 pessoas mortas.

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