Resistência à cláusula de barreira dá fôlego à criação de partidos

Enquanto a fixação de uma cláusula de barreira para restringir o acesso de partidos a recursos públicos e a tempo de TV é asfixiada na Câmara, a proliferação de legendas ganha fôlego. O Brasil já tem 35 partidos, e nas próximas semanas deverá ser aprovado pela Justiça Eleitoral o 36º, chamado Muda Brasil. A legenda tem o apoio, nos bastidores, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão e principal dirigente do PR, um dos mais emblemáticos representantes do chamado centrão. Há ainda outras 67 legendas em formação, na fase de coleta de assinaturas, o que poderia levar o número para 103, caso todas obtenham o apoio de 486 mil eleitores, como manda a lei.

A cláusula de barreira em discussão na Câmara é mais flexível do que a aprovada no Senado, mas a votação corre risco porque alguns partidos vinculam este debate à análise de outra emenda constitucional, que trata do sistema eleitoral e do fundo público para campanhas. O PP, por exemplo, só aceita votar a cláusula se o sistema para eleição de deputados for alterado, enquanto que PR e PRB querem a manutenção do atual sistema para aceitar a regra que limita os partidos. O PT, por sua vez, gostaria de decidir, primeiro, a criação do fundo público para as campanhas. Só depois aceitaria tratar da barreira aos partidos sem representatividade.

Enquanto não se chega a um acordo, a lista dos partidos em criação não para de crescer. Somente neste ano mais nove legendas informaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que estão coletando assinaturas. Ao todo são 68 legendas em criação, mas destas somente o Muda Brasil já comprovou ter conseguido as assinaturas necessárias e seu registro será julgado nas próximas semanas. As informações são de Catarina Alencastro / Eduardo Bresciani / Maria Lima, O Globo.

Na lista há desde partidos com viés mais ideológicos, como o Raiz, da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), quanto alguns que desejam representar setores específicos, como Partido Militar Brasileiro, Partido das Favelas, Partido do Esporte e Partido Nacional Indígena. Há outros que chamam a atenção pelo pitoresco, como o Partido Nacional Corinthiano. Sem contar as tentativas de reviver nomes famosos no passado, como o das legendas que representaram a ditadura militar, Arena e PDS, e do Prona do ex-deputado Enéas Carneiro, um campeão de votos.

Um partido que está próximo da criação é o Partido Republicano Cristão, liderado pelo deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF). Ligado à Assembleia de Deus, o parlamentar se notabilizou ao ter feito um parecer favorável ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha na Comissão de Constituição e Justiça quando aquele enfrentava um processo de cassação. Fonseca conta que nas próximas semanas alcançará o número de assinaturas necessárias para pedir o registro ao TSE. Ele afirma que o partido será ideológico e afirma que o problema do sistema político não está na criação de legendas.

— Por que se cria partido? Porque os que existem não prestam. Numa democracia, a quantidade não é o problema. O que falta é qualidade dos partidos. O nosso tem uma orientação cristã. É republicano, conservador, cristão. Estamos criando um partido ideológico — diz Fonseca.

Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (Unb), David Fleischer observa que a cláusula em tramitação na Câmara já é frágil porque retiraria apenas os realmente “nanicos” da divisão eleitoral. E ironiza:

— Acaba que vai dividir o fundo partidário entre tantos partidos que, quem sabe, surja aí o interesse de fazer algo.

Emperrada devido a interesses difusos de cada partido, a reforma política entra esta semana num momento crítico. A avaliação de quem participa das negociações é que a cada dia está mais difícil aprovar alguma mudança. Com legendas encasteladas em seus próprios interesses, nenhuma das propostas que estão prontas para serem votadas tem apoio suficiente para a aprovação. Os mais otimistas, como o líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB), estimam em pouco mais de 50% as chances de a Câmara conseguir unir todos os votos necessários para avalizar parte da reforma política. Como os projetos estão divididos em duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), é preciso o apoio de 308 dos 513 deputados em duas votações. E de 49 dos 81 senadores, também em duas votações.

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