Recordo-me da visita que André Malraux, na ocasião ministro da Cultura de De Gaulle, fez ao Brasil. Esteve na USP, na Rua Maria Antônia, onde funcionava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e expôs no “grande auditório” (que comportava não mais que umas cem pessoas) sua visão de Brasília, obra de Juscelino Kubitschek. Malraux estava extasiado, comparava o plano diretor da cidade não a um pássaro (coisa habitual na época), mas a uma cruz. Com sua verve inigualável, dizia em francês o que não estávamos acostumados a ouvir em português: fazia o elogio da obra.
Esse não era, contudo, o sentimento predominante, pois víamos Brasília mais como desperdício, que induzia à inflação, do que como um “sonho”, um símbolo.
A visão dominante era negativa, principalmente no Rio de Janeiro (que perderia a condição de capital da República), em São Paulo e daqui para o sul. O gasto era grande e os recursos, minguados.
Eu compartilhava esse sentimento negativo, e olha que um de meus bisavôs fizera parte, no Império, da “missão Cruls”, que demarcara o território da futura capital do Brasil… Brasília foi construída onde desde aquela época se previa fazer a capital do País.
Não é que Malraux tinha razão? Não que a obra deixasse de ser custosa ou mesmo impulsionadora da inflação. Mas um país também se constrói com projetos, sonhos e, quem sabe, alguns devaneios…
Juscelino fez muitas coisas, algumas más, mas não é por elas que é lembrado. Brasília, sim, ficou como sua marca.
Não o conheci. Vi-o pessoalmente uma vez, sentado, solitário, num banco no aeroporto de “sua” cidade. Aproximei-me e o saudei; pouca conversa, mas muita admiração. Ele já havia sido “cassado”. Passa o tempo e fica na memória das pessoas sua “obra”, Brasília.
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