Juízes tem auxílio-moradia, mas tem também 60 dias de férias e recesso

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A surpreendente decisão do Supremo Tribunal Federal de conceder liminar para impedir uma eventual prisão de Lula até a próxima sessão da Corte, agendada para 04/04/2018, expõe um outro aspecto do sistema de privilégios e regalias do setor público brasileiro.

O julgamento foi suspenso em função do “adiantado da hora” da sessão de ontem, bem como dos feriados da Semana Santa – que para o Judiciário começam na quarta-feira.

De acordo com o relatório Justiça em Números, havia 79.662.896 processos pendentes de decisão definitiva na Justiça brasileira no final de 2016. A despeito de todos os problemas estruturais de nosso sistema judicial (insegurança jurídica, excesso de recursos, burocracia sufocante), é difícil fechar os olhos para as generosas folgas concedidas aos juízes a cada ano.

De acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacionala famosa Loman, juízes de todo o país têm direito a 60 dias de férias anuais. Além disso, uma lei de 1966 também estabelece um recesso judiciário que vai de 20/12 a 06/01 de cada ano, mais a quarta e a quinta-feira da Semana Santa e as datas comemorativas de 11/08 (Dia do Advogado), 01/11 (Dia de Todos os Santos) e 08/12 (Dia da Justiça) – além dos demais feriados nacionais, obviamente. As informações são da Folha de São Paulo.

Não estamos aqui desmerecendo a responsabilidade e a elevada carga de trabalho dos juízes brasileiros – segundo o levantamento do Conselho Nacional de Justiça, cada magistrado tem em média sob sua guarda 6.696 processos pendentes. A questão é que não faz sentido esperar que a pilha de processos diminua enquanto os membros do Poder Judiciário trabalharem, a cada ano, pelo menos 50 dias a menos do que os demais trabalhadores brasileiros.

Essa distorção com o setor privado, entretanto, não é exclusividade do Poder Judiciário. A Constituição Federal estabelece o recesso das atividades do Legislativo nos períodos de 18 a 31 de julho e de 23/12 a 1º de fevereiro do ano seguinte e o Tribunal de Contas da União também “fecha as portas” de 17 de dezembro a 16 de janeiro.

No campo dos servidores públicos da União, a Lei nº 8.112/1990também é pródiga no tratamento diferenciado para a categoria. Afinal, não há justificativa para o trabalhador do setor público ter direito a 8 dias de faltas em função de seu casamento ou do falecimento de cônjuge, pais, filhos ou irmãos, enquanto no setor privado os benefícios são de apenas 3 dias para casamento e 2 no caso de falecimento de membros da família.

No caso das licenças maternidade e paternidade, enquanto o Poder Executivo estendeu a sua vigência quase automaticamente para mães (por 60 dias) e pais (15 dias a mais) que são servidores públicos, no setor privado exige-se que a empresa adira a um regime tributário especial, o Programa Empresa Cidadã – com resultados bastante tímidos.

Ainda no campo das licenças e afastamentos, a Lei nº 8.112/1990 também assegura licença remunerada para os servidores que decidirem se candidatar – no período entre o registro da candidatura e o décimo dia posterior à eleição – e a possibilidade, sujeita a aprovação da chefia superior, de uma licença de até três meses a cada 5 anos para o servidor se capacitar.

Como podemos ver, a decisão do Supremo de suspender um julgamento crucial para o futuro imediato do país para que os Ministros gozem o feriadão de Páscoa escancara um sistema de privilégios que vai muito além da questão do teto salarial e dos seus penduricalhos.

Enquanto reduzir as distorções salariais e de regime previdenciário entre trabalhadores dos setores público e privado se faz urgente diante do colapso fiscal que se aproxima, eliminar tratamentos diferenciados como os regimes de férias e licenças tem um valor simbólico muito grande num país em que há tanta descrença no Estado e nas instituições.

A propósito, nunca é demais recordar: por quanto tempo ainda teremos que esperar pelo julgamento do auxílio-moradia?

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