Mudança de entendimento sobre 2ª instância é ‘cova da Lava-Jato’, diz procurador

Às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador Januário Paludo, de 53 anos, afirma que se a Corte mudar a posição sobre o cumprimento de pena após condenação em segunda instância “prepara-se a cova da Lava-Jato” e o Brasil voltará a ser o “melhor país onde a prática do crime compensa”.

Responsável pelas investigações do Ministério Público Federal (MPF) sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia, Paludo diz que as provas desmontam o discurso de perseguição de Lula. O procurador lembra que, no início da investigação, em 2016, acreditava na possibilidade de que o envolvimento do petista com o sistema de corrupção era “lenda urbana”. A partir da tomada dos primeiros depoimentos, porém, ele diz “a imagem de estadista, lamentavelmente, se esvaneceu”.

Em entrevista ao GLOBO, Paludo afirma que a Lava-Jato investigou “apenas um terço dos fatos”, defende que a operação é apartidária e acredita que ainda há mais crimes a serem denunciado:

O senhor investigou o ex-presidente Lula nas ações que envolvem o tríplex do Guarujá e a reforma do sítio de Atibaia. O que mais lhe chamou atenção?

A tentativa frustrada de se descolar do poderio econômico das empreiteiras e ocultar o recebimento de benefícios e vantagens indevidas.

A denúncia do tríplex recebeu muitas críticas, e o ex-presidente Lula se diz inocente das acusações e perseguido pelo MPF. Como o senhor responde a isso?

No início das investigações, em 2016, eu ainda acreditava na possibilidade de que o alardeado envolvimento do ex-presidente com o sistema de corrupção era lenda urbana. Com a tomada dos primeiros depoimentos e coleta de provas que fizemos, a imagem de estadista, lamentavelmente, se esvaneceu. Mais de uma década de discurso ético perdida. A prova prática de crimes que uma equipe de procuradores da Lava-Jato colheu e que serviu como base para a acusação, além de ter sido revisada por outra equipe, foi confirmada pelo juiz e por três desembargadores que deram a palavra final sobre a existência dos fatos e de quem foi o autor. O discurso do pobre perseguido político sempre esteve na pauta do ex-presidente, mas não mais se sustenta. Eu também acho engraçado quando nos chamam de “moleques”. Tenho 53 anos, 26 deles dedicados ao Ministério Público e com vasta experiência criminal nas duas maiores operações de crime organizado.

O ex-presidente responde por mais duas ações na Lava-Jato de Curitiba: uma sobre as reformas do sítio de Atibaia e outra que envolve a compra de um prédio para o Instituto Lula, que não foi usado, e um apartamento em São Bernardo do Campo, que ele afirma ter alugado. Ainda há mais a ser investigado sobre a conduta do ex-presidente?

Eu diria que a Lava-Jato investigou e denunciou apenas um terço dos fatos. Sobre as investigações em curso não podemos comentar.

Na sua avaliação, por ter sido presidente, o caso de Lula é capaz de ditar os rumos do que será a Lava-Jato a partir de agora?

Não diria que é o “caso Lula”, mas faço coro aos que teorizam que o sistema corporativo de autoproteção está explosivo e está fazendo coisas inimagináveis para não desmoronar em definitivo. A partir da condenação de expoentes como André Vargas, Eduardo Cunha, Antônio Palocci, Sérgio Cabral e do próprio ex-presidente — a gota d’água —, o pânico dos que queriam permanecer ocultos se estabeleceu porque constataram que a Lava-Jato é apartidária. A primeira grande ofensiva contra a Lava-Jato e ao sistema anticorrupção, que passou a ser construído em bases mais sólidas, foi a derrubada das “10 Medidas Contra a Corrupção” na calada da noite e durante o impacto da morte dos jogadores chapecoenses. Essa vergonha irá para os livros de história. Agora prepara-se a cova da Lava-Jato com a possibilidade do fim da execução da pena em segunda instância.

Há possibilidade de o STF conceder habeas corpus ao ex-presidente para que ele não cumpra a pena após decisão de segunda instância. Como o senhor vê essa decisão?

O ministro Gilmar Mendes foi o voto decisivo em 2016 para possibilitar a execução provisória da pena a partir do julgamento em segunda instância. Naquele julgamento, ele bradava que era vergonhoso e infame o país ter uma jurisprudência retrógrada e que não se alinhava com a dos países ditos civilizados. Agora é o expoente e que quer mudar tudo. Seu voto, se confirmar o que ele está dizendo, nos elevará novamente à posição de “melhor país” onde a prática do crime compensa.

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