Uma das planilhas esquadrinhadas no laudo descreve a programação inicial de pagar R$ 1 milhão, em 26 de agosto de 2014, por meio de compromisso firmado com “Angorá” –codinome associado aos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e de Minas e Energia, Moreira Franco. A senha para a entrega dos recursos seria “Pássaro”.
Num outro registro, consta que esse pagamento deveria ser feito “na rua Capitão Francisco, 90, Jardim Europa”, onde funciona o escritório de Yunes. “Procurar o sr José Yunes ou a sra. Cida”, diz o texto localizado pela PF.
Uma terceira tabela, intitulada “extrato bancário” e que registra a movimentação de recursos geridos por um dos doleiros da Odebrecht, indica que, em vez de R$ 1 milhão, foram repassados inicialmente R$ 500 mil. Essa movimentação financeira, datada de 1º de setembro de 2014, tem o mesmo código de requisição que consta da programação inicial de pagamento no escritório de Yunes.
O email encontrado no material apresentado pela Odebrecht foi escrito em 30 de setembro de 2014, ou seja, quando, no entendimento da PF, os primeiros R$ 500 mil já teriam sido pagos. Foi enviado por Waterloo –codinome de Fernando Migliaccio, executivo do departamento de propinas da empreiteira– a Vinho, o doleiro Álvaro Novis, que trabalhava para a empreiteira.
No texto, Waterloo diz que a programação de pagamento era de R$ 1 milhão, mas, por “questões de caixa”, só havia autorizado pagar R$ 500 mil. Ele alega que a situação não poderia perdurar, em função do perfil do beneficiário dos recursos. “Dado o nível da pessoa, tanto do ponto de vista político, como do ponto de vista de caráter, não posso ficar com essa exposição”, escreveu.
Na sequência, Waterloo relata intimidações. “Preciso resolver os R$ 500 mil que ele alega não ter recebido. Já ameaçou fazer escândalo em Brasília e o pior é que ele conhece muito do nosso esquema. Ou seja, não dá para vacilar com este sujeito”, alertou.
O texto não deixa claro quem, exatamente, é a pessoa que fez a ameaça. José de Carvalho, um dos delatores da Odebrecht, relatou em depoimento que o deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ) chegou a pressionar a Odebrecht por um repasse na mesma quantia, que teria sido acertado durante o jantar no Jaburu.
Para a PF, os elementos colhidos nas mídias indicam que o email se refere à operação para entregar R$ 1 milhão no escritório de Yunes. Os dados adicionais da investigação, segundo o laudo, poderão corroborar essa ligação.
Waterloo finaliza o email pedindo ajuda do doleiro. “Repito, ele alega que não recebeu. Estou torcendo para ser um equívoco de extrato”.
Em outro depoimento, também obtido pela Folha, a ex-secretária do departamento de propinas da Odebrecht Maria Lúcia Tavares disse que a empreiteira pagou de forma fracionada a suposta propina destinada a Yunes.
Segundo ela, Carvalho lhe informou que a senhora Cida [personagem ainda desconhecido dos investigadores] reclamou com ele que o valor não havia sido entregue. “Mas, posteriormente, identificou que o valor havia sido pago, porém de forma fracionada, por superar R$ 500 mil”, declarou, conforme a transcrição da oitiva, ocorrida em 17 de janeiro.
OUTRO LADO
O advogado de Yunes, José Luís de Oliveira Lima, disse em nota que seu cliente “jamais atuou como intermediário de qualquer pessoa”, desconhece a existência de emails citados na investigação e “não conhece e nunca esteve com Abel de Queiroz”.
“Apesar de a defesa não conhecer o teor desse eventual depoimento [de Abel Queiroz], José Yunes refuta qualquer ilação a seu nome”, acrescentou.
O advogado de Temer, Brian Alves Prado, informou que a defesa “reitera as respostas já há muito tempo dadas sobre esse mesmo enredo, ou seja, nega qualquer envolvimento do presidente com os fatos em apuração”.