Adiamento do carnaval por causa da pandemia deixa trabalhadores sem fonte de renda

A aderecista Lilian Cristina no barracão da São Clemente: ela está vendendo doces e salgados para sobreviver

Marlúcia Mendonça de Oliveira, de 53 anos, chorou diante da televisão quando ouviu a notícia de que a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e os presidentes das 12 agremiações do Grupo Especial haviam decidido que não haverá desfiles em fevereiro de 2021, por conta da pandemia da Covid-19. O desespero tem explicação: o carnaval trazia um alívio financeiro durante pelo menos sete meses para ela, que trabalha há seis anos como aderecista no barracão da Grande Rio. No resto do ano, Marlúcia trabalha como ambulante, vendendo águas nas ruas. Agora, essa foi a única opção que restou. O adiamento do evento para uma data que ainda será definida atingiu em cheio quem tirava seu sustento da folia.

— Estava na esperança de que ainda fosse ter (desfiles). Hoje eu pago uma conta e deixo a outra para trás. Tenho um neto especial de três anos que quando eu ia dar entrada com pedido de benefício para ele veio a pandemia e parou tudo.Também não recebo auxílio emergencial do governo, porque meu filho, que está desempregado, mora comigo e a mulher dele trabalha como faxineira e tem carteira assinada. Mas são três adultos e uma criança na casa. É muita despesa —lamentou a moradora da comunidade da Mangueirinha, em Duque de Caxias, que em tempos normais já estaria preparando fantasias para as alas, trabalho pelo qual era remunerada em R$ 700, por quinzena, e ainda tinha direito a alimentação paga pela escola.

Com as quadras fechadas e sem poder realizar eventos, as escolas enfrentam dificuldades financeiras até para honrar compromissos com funcionários. A Mangueira tem feito várias ações na internet para obter recursos para honrar os compromissos com o pessoal do barracão. Uma delas é o sorteio virtual que tem como prêmio principal uma vaga para desfilar como destaque no abre-alas da escola, assim que tiver o desfile. A intenção é arrecadar um total R$ 300 mil, mas quase dois meses depois a venda não passou de 11% dos mil números disponíveis.O presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, diz que a principal preocupação dele nesse momento é com as pessoas que vivem do carnaval.

— Fazer o carnaval a gente quer. Tem que manter a cadeia produtiva. Minha principal preocupação nesse momento é com quem vive disso — afirmou Horta.

Lilian Cristina Chagas de Jesus, de 46 anos, é uma dessas pessoas. Ela trabalha como aderecista há 16 anos, sendo que há 10 presta serviços para a São Clemente. Ela costuma pegar como empreitada a tarefa de confeccionar fantasias para diferentes alas e contrata outras pessoas como ajudante. Esse ano foram 10, já que prestou serviço também para a Cubango. Ela acredita que com um carnaval num modelo reduzido, como propõe algumas escolas, as contratações também vão diminuir.

—É uma tristeza total. Não sei o que fazer. Não tenho outra renda. Sobrevivo do carnaval de seis a sete meses no ano. Depois ainda vivo mais um tempinho desse dinheiro. Não sei como vai ficar — afirmou a aderecista que paga R$ 750 de aluguel no imóvel onde mora no Santo Cristo, sendo que mesmo tendo feito acordo com o proprietário de pagar o quanto pudesse não está conseguindo honrar com as parcelas. Atualmente ela tem se virado com a venda de doces e sagadinhos.

Nova data depende do avanço no combate à Covid-19

A realização do desfile em outra data vai depender ainda da existência de uma vacina para a Covid. Só então a Liga Independentes das Escolas de Samba (Liesa) e as agremiações vão poder definir um calendário. Ao anunciar que não teria o desfile em fevereiro, o presidente da Liga, Jorge Castanheira, defendeu um novo formato para realização do evento em outra data, por acreditar que não haverá tempo suficiente as escolas fazerem um desfile nos moldes atuais e paralelamente planejar o de 2022.

— Vai depender do prazo para ter o desfile dos moldes atuais em 2021. Estamos aguardando para saber se teremos definição da vacina e quando terá a imunização. Não temos segurança para definir uma data — disse Castanheira, após a reunião de quinta-feira.

Para alguns dirigentes ainda é prematuro falar em desfile num novo modelo, sem saber quando será possível de realizá-lo. Uma das alternativas é fazer um desfile menor, com menos componentes e menos alegoria. Mas, para isso será necessário haver um concesso que levaria uma alteração no regulamento do desfile.

— Tem que ser um desfile bonito, que não deixe a desejar, mas com menos componentes e menos alegoria. Mas são 12 escolas, cada uma com uma ideia diferente. Tem que ter consenso. O primeiro passo já foi dado — defendeu Elias Riche, presidente da Mangueira.

Fernando Horta, da Unidos da Tijuca, também defende a necessidade de se manter a qualidade mesmo num desfile em formato menor. Porém, acha que é precipitado discutir mudanças sem informações mais precisas das autoridades sanitárias sobre a vacina. Para Thiago Monteiro, diretor de carnaval da Grande Rio, qualquer que seja o modelo de desfile vai depender não da vontade das escolas, mas de variáveis como a existência da imunização e a evolução da pandemia.

— É impossível hoje afirmar categoricamente o que pode ser feito porque a variável não é nossa – destacou.

Impacto em outros setores da economia no Rio

O adiamento do desfile das escolas de samba preocupa também setores da economia, que são impactadas pelo carnaval;. Um Levantamento do Sindicato dos Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), considerando o recolhimento de ICMS do período, estima que o evento é responsável por um incremento de quase R$ 26 milhões na economia, apenas no município do Rio. No estado, esse montante ultrapassaria R$ 51 milhões.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, o carnaval também é responsável por dar dinamismo adicional ao setor de bares e restaurantes com a criação de cerca de 1.200 agas temporárias. O presidente do SindRio, Fernando Blower disse que , apesar de compreender a necessidade de adiamento, torce para que a Liesa e as autoridades municipais consigam viabilizar a realização dos desfiles fora de época em algum momento, ainda em 2021, para que o setor de turismo consiga buscar melhores resultados.

—O evento representa um impacto enorme sobre a cadeia de turismo, especialmente sobre as atividades de bares e restaurantes,gerando empregos e receita bastante significativa para o setor. E, nesse momento de retomada econômica, o carnaval teria um impacto positivo ainda maior e mais importante para os negócios do segmento — apontou Blower.

O presidente do Sindicato dos Meios de Hospedagem do Rio de Janeiro (Hotéis Rio), Alfredo Lopes, considerou que o adiamento do desfiles foi um golpe duro. Porém, achou a medida necessária e coerente com o momento. O setor atingiu 93% de ocupação hoteleira no carnaval passado.

—A decisão de adiamento dos desfiles das escolas de samba é um golpe duro para a indústria do turismo e para o mundo do samba, mas necessário e coerente nesse momento em que não há uma vacina. Esperamos e torcemos para que a Liesa defina logo uma nova data para este que é o maior evento do calendário da cidade — disse Lopes.

Extra Globo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.