Após liminar que permite ‘cura gay’, psicólogos aumentam oferta

Em vigor há quase três meses, a decisão liminar que abriu brechas para o que ficou conhecido como “cura gay” no país propiciou o aumento da atividade dos consultórios de psicólogos adeptos de supostas técnicas de reversão da orientação sexual. A despeito de serem totalmente condenadas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), órgão responsável por normatizar o exercício da profissão, as terapias ofertadas vão na direção de estimular pessoas que se dizem dispostas a tentar abandonar o desejo homossexual para buscar a heterossexualidade.

Ancorados na decisão liminar da Justiça Federal em Brasília, psicólogos estão aumentando a oferta de terapias no sentido da “reorientação sexual”. Profissionais que oferecem esse tipo de atendimento ouvidos pelo GLOBO disseram que a procura nos consultórios aumentou desde 15 de setembro, quando o juiz federal Waldemar de Carvalho decidiu em favor de 23 psicólogos que ingressaram com a ação popular para poder ofertar essas terapias.

A resolução do CFP questionada na Justiça estabelece há quase 19 anos normas para atuação dos psicólogos na esfera da orientação sexual. A liminar concedida não derrubou a resolução, mas obrigou o conselho a dar nova interpretação ao texto. Desde 17 de maio de 1990, há 27 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de classificar a homossexualidade como patologia e a retirou da Classificação Internacional de Doenças (CID). As informações são de O Globo.

Signatários da ação defendem ‘reorientação’

Os profissionais que foram à Justiça rejeitam o rótulo de “cura gay”, mas ofertam a homossexuais caminhos para que alcancem a heterossexualidade por meio de técnicas que seguem basicamente quatro linhas: a possibilidade de acabar com a atração por pessoas do mesmo sexo; o poder de decisão do paciente que não aceita ser homossexual; a ideia de que a homossexualidade é algo adquirido, não inato; e a visão da homossexualidade como um processo comportamental. Os psicólogos relatam, por exemplo, que se baseiam em hipóteses como um abuso sexual na infância e a ausência do pai — com preponderância da presença da mãe — como determinantes para a homossexualidade.

Esse tipo de iniciativa é considerada uma violência à dignidade humana por entidades que decidiram se manifestar no processo em que o CFP recorreu da liminar: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública da União (DPU), Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Já a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) ingressou no processo com argumentos em favor da liminar.

— Essa teoria de “reorientação” incide sobre o comportamento, não sobre o desejo. É uma violência sem tamanho. A intenção de se abandonar uma orientação sexual tem a ver com uma sociedade homofóbica. É antiético por parte dos profissionais oferecer algo nesse sentido. Muitas das pessoas encaminhadas são adolescentes com menos de 18 anos, o que afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — diz o psicólogo Pedro Paulo de Bicalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conselheiro do CFP.

Não é o que pensam os profissionais adeptos da “reorientação”. Segundo o psicólogo Rafael Monteiro, especialista em família e casais e um dos signatários da ação popular que resultou na liminar, a demanda por este tipo de atendimento sempre existiu e, até a decisão judicial, estava reprimida. Ele diz que a terapia que oferece em 11 cidades do interior do Espírito Santo pode levar à interrupção da atração por uma pessoa do mesmo sexo. A técnica consiste em “identificar o problema” e “trabalhar nas questões emocionais envolvidas”, define o psicólogo.

— É uma questão de desejo? Ou é social? Trabalhamos a autoaceitação, para se viver a homossexualidade, ou a estabilidade emocional para se viver uma vida heterossexual dentro do almejado. A terapia pode ou não levar ao resultado esperado — diz.

Decisão está nas mãos de desembargadora

Evangélico, da Assembleia de Deus, o psicólogo Adriano José Lima, também signatário da ação popular na Justiça, diz que seus atendimentos em São Paulo incentivam o autoconhecimento dos pacientes.

— Não é um processo de aconselhamento. Se a pessoa não se sente bem por ter atração por uma pessoa do mesmo sexo, caberá a ela decidir se leva adiante a escolha de ser gay ou não. É ela que vai se reorientar. A terapia acolhe o sofrimento. Estou aqui para acolher e caminhar junto — diz Lima, para quem a fé não influencia seu trabalho. — Tem psicólogo espírita, do candomblé. Eu sou psicólogo e cristão. A psicoterapia é distinta do que acredito como cristão. Busco a neutralidade, embora ela seja utópica.

A liminar de setembro determinou que o CFP não interprete uma resolução do Conselho de 1999 no sentido de “impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual”. O juiz manteve a decisão em 2 de outubro. O CFP recorreu contra a liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região ainda em setembro. A decisão, hoje, está nas mãos da desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Ela volta de férias esta semana. O processo está concluído para decisão desde 16 de novembro. Para Bicalho, a Justiça deveria suspender a liminar o mais rapidamente possível para combater as terapias de “reorientação sexual”:

— Essa liminar produziu equívocos. A resolução se tornou algo estranho: diz que a homossexualidade não é desvio ou doença, mas permitiu-se a “reorientação” sexual. Se a homossexualidade é inata ou não, isso não muda em nada as experiências do sujeito no campo da sexualidade. Esses atendimentos de “reorientação” não podem nem ser chamados de terapia, dada a violência que encerram.

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