Arcebispo diz estar surpreso e que Cabral usa ‘tática de advogado’

Ex-governador disse em depoimento que dom Orani Tempesta teria interesse em esquema de propina

O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, 68, afirma que mantinha uma “relação amigável” com Sérgio Cabral (MDB).

Quando o ex-governador, hoje preso, disse em depoimento que o religioso “devia ter interesse” num suposto esquema de propinas numa organização social ligada Igreja Católica, “deve ter sido uma tática do advogado dele”, diz Dom Orani à Folha nesta sexta (1).

Ele negou envolvimento nas fraudes envolvendo a organização social Pró-Saúde, que tem no conselho diretor membros da Igreja.

Primeiro dia da Jornada Mundial da Juventude

Ao juiz Marcelo Bretas Cabral disse na terça (26): “O dom Orani devia ter interesse nisso, com todo respeito ao dom Orani, mas ele tinha interesse nisso”.  Anna Virginia Balloussier –   Folha de São Paulo

Os executivos da Pró-Saúde firmaram acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal em 2017 e relataram que pagavam propina ao ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes. A entidade administrou vários hospitais do estado a partir de 2013.

O arcebispo refutou à Folha ter tratado da Pró-Saúde com Côrtes e ter como braço direito um dos delatores da operação policial que atingiu a Pró-Saúde, Wagner Portugal, um ex-padre que passou a integrar a organização social em 2012.

O Ministério Público Federal investiga se gastos pessoais de sacerdotes, dom Orani incluso, foram arcados com dinheiro público repassado por meio dos contratos.

Em depoimento à Justiça, Cabral disse que o sr. teria interesse num suposto esquema de propina da organização social ligada à Igreja. O que acha que motivou a fala do ex-governador? Fiquei muito surpreso. Mesmo porque o ex-governador afirmou uma coisa muito, assim, genérica. Acha que “devia ter interesse” e tudo o mais. Como é uma nova oitiva que teve, pediu para ser ouvido novamente, deve ser uma tática do advogado dele para pode falar umas coisas. Agora, digo que nós não tínhamos nenhuma vantagem sobre isso. A grande preocupação da igreja é com tantos trabalhos sociais. Eu mesmo não tinha nenhuma questão de adquirir vantagem nenhuma em relação a isso.

O sr. já foi próximo de Cabral, há várias fotos dos dois juntos. Qual era sua relação com ele? Era uma relação muito amigável. Teve a Jornada [Mundial da Juventude, quando o Papa Francisco passou pelo Rio, em 2013] que envolveu governo municipal, estadual, federal, tivemos que pedir todas as licenças possíveis e imagináveis. Ele sempre me recebia muito bem, muito educado.

O sr. diz ser falsa a alegação de que o ex-padre Wagner Portugal era seu braço direito. E com ele, qual era a relação? Era na questão mais vocacional. Passou a ter uma certa ligação, uma orientação espiritual. Agora, braço direito? Acho que um arcebispo tem muitos braços direitos, que cuidam de vários trabalhos. Colocar como exclusivo alguém, como se fosse meu alter ego, isso não existe. Tem muita gente que atua comigo. Depois, o Wagner nem é da Arquidiocese do Rio. Era uma relação muito mais pessoal.

O sr. o considerava um amigo? Acho que o arcebispo não pode querer distinguir as pessoas como inimigas ou não. Mesmo os inimigos devem ser acolhidos. Claro que, no acolhimento espiritual [de Portugal], tinha que ter uma presença.

O sr. já conversou com o ex-secretário de Saúde Sergio Cortês ou alguém do governo sobre a OS Pró-Saúde? Tive muitas inaugurações, muitas coisas no Rio de Janeiro em que o Sergio Cortes esteve presente. Admirei muito trabalho que ele conseguia fazer na saúde. Deve ter muitas fotos minhas com ele e também. Mas nada a ver com a Pró Saúde.

A Arquidiocese vai tomar alguma posição, vai investigar, diante da delação do ex-padre? Ela foi agora conhecida, estava em segredo de Justiça. Se divulgou para tudo quanto é lado. Agora, acho que não cabe à Arquidiocese… Se nem a organização social tem a ver com a Arquidiocese, tampouco cabe a gente ter esse trabalho [de investigação].

A CNBB tem sido tachada de esquerdista por setores da sociedade e inclusive preocupa o governo, conforme já disse o general Augusto Heleno [ministro do Gabinete de Segurança Institucional], por conta do Sínodo da Amazônia. A visão sobre a Igreja é muito genérica. Uma coisa é a presidência, outra são todos os bispos. Eu conheço dom Sérgio da Rocha [presidente da CNBB], dom Leonardo Steiner [secretário-geral], dom Murilo Krieger [vice-presidente]. São pessoas diferentes, cada um tem uma visão única da igreja, mas em si são bons cristãos, com preocupação de evangelizar. O sínodo nasceu de uma preocupação da Igreja com a evangelização da Amazônia. Ao falar das questões não evangelizadoras, mas sociais da Amazônia, vai interferir em aspectos não dogmáticos: questão indígena, ecologia, geopolítica. Nesse aspecto social é que há algumas contestações do governo federal.

O que o sr. quis dizer com os integrantes da cúpula do CNBB serem “diferentes”? Mais progressistas, como são definidos muitas vezes? Cada um tem uma história diferente. Nenhum de nós é igual ao outro. Mas tem a mesma preocupação de evangelização, isso que eu quis dizer.

O sr. se encontrou com o então candidato Jair Bolsonaro (PSL) na eleição, o que foi visto como apoio. Foi?Recebi aqui os dois candidatos [mostra foto dele com Fernando Haddad, do PT, e Bolsonaro]. Os arcebispos do Rio sempre, quando tem eleições, recebem os que pedem para ser recebidos. Ambos entregaram papel com intenções com valores humanos e cristãos, cada um do seu jeito. A gente tenta se manter equidistante. Ao mesmo tempo, nosso desejo é que aquele que for eleito faça bem ao povo.

Há no Congresso várias pautas conservadoras de interesse da bancada religiosa, tanto católica quanto evangélica. A Igreja as acompanha? Nós temos a nossa posição enquanto pessoas de valores cristãos,  humanos também, de tal maneira que a gente possa respeitar a família, embora saibamos que temos que respeitar a todos que pensam diferente também. E a grande questão do valor da vida, daquele que está por nascer. Todos fomos um dia um embrião. Assim como também a educação.

O Papa Francisco já defendeu que escolas deem educação sexual sem colonização ideológica. O sr. se alinha a esse pensamento? Estou muito ligado ao papa. Claro que o que ele fala ele fala em nome da Igreja. Acho que algumas coisas vêm de acordo com uma certa opressão das pessoas de fora pra dentro e não respeitam o que a pessoa é [sobre a chamada ideologia de gênero].

O Vaticano promoveu, dias atrás, um encontro com bispos e o papa para discutir a questão do abuso de menores por parte de clérigos. Como esse tema está sendo tratado no Rio? Sabemos que a questão do abuso não acontece só dentro da Igreja, acontece em muitos lugares, nas famílias, em escolas. Mas a Igreja quis dar um exemplo, dizer que embora isso seja uma certa mentalidade, queremos que não aconteça nunca. Esse assuntos, quando acontecem, temos a mesma atitude que nos pede o papa. Não tem nada que vá deixar pra depois. A gente é zero condescendência. Se acontecer o padre, é suspenso.

Teve casos locais? No Rio também já teve.

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