Auxílio-moradia para juiz é direito, não privilégio, diz presidente de entidade

Eleito em novembro presidente da Associação Paulista de Magistrados, o juiz Fernando Bartoletti, 53, afirma que o Judiciário passou a ser alvo de ataques em decorrência da Operação Lava Jato.

Segundo Bartoletti, com o andamento das investigações e as primeiras condenações, empresários, políticos e administradores públicos começaram a se mexer, fomentando críticas aos magistrados e projetos no Congresso Nacional com o objetivo de cortar direitos e garantias.

O presidente da Apamagis, entidade que possuiu 3.150 associados, considera, inclusive, que a sequência de reportagens publicadas na imprensa sobre o auxílio-moradia é um reflexo dessa reação. “Temos de fazer a pergunta. A quem interessa fragilizar o Poder Judiciário e desmoralizar magistrados?”

Bartoletti afirma que o auxílio-moradia é um direito, e não um privilégio. “É uma ajuda de custo ao magistrado, que é obrigado a morar na comarca para a qual foi promovido ou transferido.” As informações são de Rogério Gentile –  Folha de São Paulo. Leia abaixo entrevista completa:

Folha – É justo que um juiz que trabalhe na cidade do seu domicílio receba auxílio-moradia?

Fernando Bartoletti – O auxílio-moradia é uma ajuda de custo que tem origem na Lei Orgânica Magistratura, de 1979. É um direito, no sentido de estar previsto em lei, não é um privilégio. O magistrado é obrigado a morar na comarca para o qual foi promovido ou transferido. É uma ajuda de custo para morar, para residir, para pagar suas despesas naquela comarca. Ter um imóvel não obsta o direito. É como o auxílio-transporte. Se você vai de bicicleta, não tem mais direito? Se você levar marmita de casa, não tem mais direito ao auxílio-alimentação? Ter residência própria não implica que você seja imoral por receber o auxílio-moradia.

Esse conceito de ajuda de custo não parece claro nem entre os próprios juízes. Sergio Moro disse que o auxílio é uma forma de compensar a falta de reajuste dos vencimentos. O presidente do Tribunal de Justiça, Manoel Calças, chamou de salário indireto…

Quando o auxílio foi concedido em 2014 [a partir de liminar do ministro do STF Luiz Fux], foi justamente o último ano em que houve a reposição salarial, da inflação, prevista na Constituição para a magistratura. Talvez pelo momento em que foi determinada, houve essa conotação. Mas são coisas diversas. O subsídio e a ajuda de custo. O que acontecia é que desde 1979 não se cumpria a lei ou se cumpria apenas de forma parcial em algumas comarcas, disponibilizando-se alguns imóveis funcionais. Mas o auxílio-moradia é um direito inerente ao cargo.

Até porque se fosse a mesma coisa teria de ser tributado…

Se fosse, tinha de ser tributado. Mas não é. A questão de ser ou não taxado, é outra desinformação que está havendo aí. A artigo 37 da Constituição quando fala do subsídio estabelece um teto para os funcionários públicos. O parágrafo 11 desse artigo é bem claro quando fala que as verbas de natureza indenizatória não são suscetíveis à limitação do teto. São tratadas como verba auxiliar. O auxílio-transporte, o moradia e o alimentação não são sujeitos ao Imposto de Renda porque são verbas indenizatórias e não estão sujeitas ao teto.

É comum ouvir que juiz tem salário de marajá e que trabalha pouco. Até o presidente da OAB, Marcos da Costa, disse que a morosidade da Justiça é culpa do excesso de folgas. É isso mesmo?

É uma declaração que não corresponde à realidade. Quem conhece o Judiciário paulista, e acredito que no resto do Brasil seja assim também, sabe que o juiz trabalha 24 horas, tem plantão sábado e domingo. O que acontece hoje é que dos 400 cargos de juízes substitutos só 25 estão ocupados. Muitos juízes são, então, designados para acumular duas ou três varas. O que falta são juízes nos cargos, não é uma questão de ausência.

O senhor considera que o Judiciário passou a ser alvo de ataques? Por qual motivo?

O Judiciário passou a ser alvo de reportagens motivadas pela Lava Jato, pelo que vem acontecendo na investigação, envolvendo muita gente ao mesmo tempo empresários, políticos e administradores públicos. Essas pessoas começaram a se mexer. Hoje há muitos projetos no Congresso visando o corte de direitos e garantias. E isso coincide com as primeiras condenações da Lava Jato. É um movimento que vem vindo contra o Judiciário. Nós temos de fazer a pergunta: a quem interessa fragilizar o Poder Judiciário e desmoralizar magistrados?

O sr. inclui a questão do auxílio-moradia nessa reação?

As críticas ao auxílio-moradia são uma dessas reações. O mesmo viés agora se vê na discussão sobre a Previdência. As propagandas começam a usar o mesmo argumento de que há um privilegio, quando o que existem são direitos que estão na Constituição e na lei de Previdência. Mas o que se diz para a população é que são privilégios.

O país não precisa reformar a Previdência?

Acredito que o país tem de passar pela reforma, mas isso não quer dizer que possa ser fundada ou justificada levando uma informação equivocada para a população de que aquilo é um privilégio ou um penduricalho. Quem está sob o guarda-chuva da lei tem o direito de receber.

Mas o que associação pensa sobre o que está sendo proposto para a Previdência dos magistrados [idade mínima de 65 anos homens e 62 anos mulheres para aposentadoria integral]?

Estamos sendo muito criticados pela movimentação contra a reforma. Não somos contra o reequilíbrio do sistema previdenciário, mas contra a forma que está sendo desenhada. Se você examinar os números colocados, é discutível dizer que há rombo de R$ 190 bilhões. Um terço desse rombo vem da desoneração da folha, que começou com a Dilma para beneficiar empresas e setores que estavam em dificuldades. O segundo terço da dívida decorre de benefícios sociais que foram empurrados para dentro do guarda-chuva da Previdência. Sem esses dois rombos, certamente o último terço teria como se equilibrar de uma maneira muito mais técnica. Além disso, o projeto virou uma colcha de retalhos por conta das categorias que têm força no Congresso.

O juiz Moro tem sofrido uma pressão indevida dos políticos? Ou faz parte do jogo?

Ser juiz não é tão fácil como todo mundo prega. Não é só pegar o processo, colocá-lo debaixo do braço e julgar. Sofremos pressão durante a carreira. Isso é inerente ao exercício da carreira. É claro que não se pode deixar que se extrapolem os limites da educação e do respeito à autoridade. Mas todo o mundo tem o direito de espernear. Diante da magnitude do caso que o Moro vem tocando, a pressão é muito maior. Mas outros juízes já sofreram e sofrem pressões no dia a dia. O Brasil tem muitos Moros.

RAIO-X

Formação

Bacharel pela Faculdade de Direito da USP

Carreira

Presidente da Apamagis (Associação Paulista dos Magistrados) e titular da 2ª Vara da Fazenda Pública de Piracicaba

Chefiou o gabinete civil da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo até 2017, na gestão do desembargador Paulo Dimas Mascaretti

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