Brasil reivindica retorno de 40 crianças levadas ilegalmente

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Mais de 17 anos após promulgar a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, o Brasil registra uma mudança inédita no perfil dos casos registrados. Em 2017, pela primeira vez, o número de processos ativos — nos quais o país pede o retorno de menores levados daqui ilegalmente — superou o de passivos — quando outras nações cobram a devolução de crianças trazidas para cá na mesma situação.

São 40 casos ativos e 36 passivos recebidos este ano. Em 2016, eles se igualaram, com 50 de cada tipo. Antes disso, a discrepância era mais acentuada. Em 2007, o Brasil foi demandado por outros países em 34 situações e só demandou em 14.

Criticado internacionalmente pela demora em decidir sobre os pedidos de retorno — o mais longo ainda pendente tem 11 anos e está no Supremo Tribunal Federal (STF) —, o Brasil se torna um grande interessado na convenção devido ao novo perfil de casos, em que o prejudicado está aqui lutando pela devolução do filho. Isso porque a regra, pelo acordo internacional, é que a criança volte ao país de moradia habitual para que o Judiciário local regularize a guarda. As informações são de O Globo.

No entanto, há resistência em fazer essa devolução por parte do Judiciário brasileiro, diz Natália Camba, coordenadora da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), órgão do Ministério da Justiça responsável por processar os casos na esfera administrativa e acompanhá-los quando são judicializados. Os entraves vão de questões culturais à tradição mais protetiva do juiz brasileiro:

— Somos ainda um país machista, que acha que a mulher deve ser a principal cuidadora da criança, e geralmente a mãe é a subtradora (quem leva a criança do país onde vivia). Também há pouco conhecimento de como os outros países cumprem de forma bastante diferente a convenção, além de uma desconfiança em relação ao julgador estrangeiro.

O tempo de resolução dos casos varia. Já houve desfecho em 40 dias. Outros processos se arrastam a ponto de os menores completarem 16 anos, quando a convenção deixa de ser aplicada. Foi o que ocorreu num pedido movido por um argentino para reaver os filhos trazidos ao Brasil. Pela demora, o Estado brasileiro acabou denunciado no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Outro episódio famoso é o do menino Sean Goldman. Embora ele tenha voltado para os Estados Unidos, onde mora com o pai desde 2009, ainda há um recurso pendente na Justiça brasileira contra o retorno, movido pela avó materna do garoto.

O ministro André Veras, chefe da Divisão de Cooperação Internacional do Itamaraty, reconhece as dificuldades, mas afirma que o Brasil vem melhorando no cumprimento da convenção. De acordo com ele, as peculiaridades de determinados casos dificultam uma solução mais rápida. Como exemplos reais, Veras cita a falta de visto de uma mãe, que morava ilegalmente no país e tinha que voltar com o filho ao local a fim de definir a guarda, ou ainda o risco de uma subtradora ser presa pelo sequestro da criança.

— Embora a convenção recomende que essa pessoa, apesar de ter agido errado, não sofra sanções penais, pois o objetivo é solucionar a disputa visando o bem-estar da criança, nem todos os países seguem. Nesse sentido, defendemos mudanças na convenção, que é muito importante, mas pode melhorar — diz Veras.

Segundo ele, outro problema é o número elevado de recursos no Judiciário brasileiro. O ideal, na avaliação do representante do Itamaraty, seria que os casos se encerrassem com a decisão de segunda instância, tal como acontece na maior parte dos países. Um outro fator que leva ao prolongamento dos processos é a alegação de violência doméstica, diz Veras.

Três situações são exceções à regra da devolução imediata da criança: violência doméstica; recusa do menor a retornar desde que tenha maturidade para se expressar; ou se o outro genitor demorou mais de um ano a demandar o Brasil para restituir o filho, que a essa altura já se habituou ao país. Nesses casos, a devolução fica a critério do juiz.

Mesmo quando não há alegação das exceções, porém, os processos podem descambar para outro viés, como se a discussão fosse a guarda da criança, o que é vedado na convenção internacional, aponta Thiago Lindolfo Chaves, advogado da União que atua em casos de sequestro internacional.

— Alguns juízes acabam analisando questões fora do escopo do processo, determinam perícia para avaliar como a criança está no Brasil, se está sendo bem tratada — observa Chaves. — Com isso, muito tempo se passa. E a ideia da convenção, que é colocar a criança de novo onde ela tem laços culturais e familiares para que todos os aspectos sejam resolvidos, fica comprometida.

Coordenadora do Departamento de Assuntos Internacionais da Advocacia Geral da União (AGU), Fernanda Menezes Pereira explica que órgão não atua em nome de nenhuma das partes, mas sim para garantir o cumprimento da convenção internacional.

— A convenção passou pelo Executivo, depois o Legislativo ratificou. Ou seja, houve uma decisão do povo brasileiro de que essa é a melhor forma de resolver para que seja menos traumático para a criança.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não quis se posicionar sobre o assunto. Por meio da assessoria de imprensa, alegou que, “atualmente, não temos fonte sobre o tema”.

Para debater com os juízes brasileiros “a aplicação efetiva” da convenção, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal fará o seminário: Subtração Internacional de Crianças: Convenção da Haia de 1980, em 4 de dezembro, em Brasília.

Portugal e EUA acumulam o maior número de casos

Portugal e Estados Unidos são os países com mais casos pendentes de sequestro internacional de crianças, tanto ativos quanto passivos, em relação ao Brasil. Respondem, respectivamente, por 44 e 36 processos em andamento. Juntos, são responsáveis por 36% do total de 217 casos que tramitam atualmente. A proximidade e o fluxo migratório entre os dois países com o Brasil explicam as primeiras posições no ranking de litígios.

Os Estados Unidos são críticos contumazes do Brasil. Alegam, em relatórios internos, que o país descumpre a convenção. André Veras, chefe da Divisão de Cooperação Internacional do Itamaraty, afirma que o país cumpre a convenção e, como todas as nações, tem questões internas que dificultam as ações.

Veras cobra dos demais países, entre eles os Estados Unidos, a adoção de medidas de prevenção ao sequestro internacional de crianças. Ele afirma que, ao contrário do Brasil, que exige nas suas fronteiras autorização do genitor ausente para saída de menores, os Estados Unidos relutam em adotar a medida:

— Se eles controlassem suas fronteiras, teríamos menos casos — afirma Veras.

A desembargadora federal Mônica Sifuentes, representante do Brasil para a Conferência de Haia sobre sequestro internacional de crianças, afirma que os casos repercutem muito, dificultando a aplicação técnica da convenção:

— Às vezes os casos viram uma questão diplomática, de disputa entre os países.

O caso mais famoso no país sobre o assunto, do menino Sean Goldman, é exemplo dessa disputa internacional e também da demora do Brasil nos julgamentos. Em 2004, a mãe de Sean deixou Nova Jersey para passar férias com a família brasileira. Por telefone, comunicou ao marido que não voltaria com a criança.

No mesmo ano, o pai do menino recorreu aos tribunais, usando a convenção, para pedir que a guarda de Sean fosse julgada em Nova Jersey. Em meio ao processo, a mãe do garoto morreu. Sean só voltou aos Estados Unidos cinco anos depois. Embora esteja com o pai há quase nove anos, ainda tramita recurso na Justiça brasileira contra o retorno, movido pela avó materna.

— E se a decisão do retorno tivesse aguardado o trânsito em julgado? O Judiciário não permite o cumprimento das decisões de retorno até que se esgotem todas as instâncias recursais. Isso contraria violentamente a Convenção de Haia — diz o advogado Ricardo Zamariola, que defende o pai do menino.

A defesa da família materna de Sean não quis comentar o caso.

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