Brasileiros tentam criar testes para detectar coronavírus, mas esbarram em custos

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Pesquisadores brasileiros estão desenvolvendo testes capazes de detectar infecções pelo novo coronavírus de forma confiável e relativamente rápida, mas é improvável que o esforço seja suficiente para rastrear novos casos de forma maciça país afora, ao menos no curto prazo.

Os custos elevados e o fato de que os insumos para esse tipo de teste são importados acabam levando à opção por análises mais restritas do ponto de vista populacional, concentradas em pacientes com sintomas mais graves e nos profissionais de saúde que estão cuidando desses doentes, por exemplo.

“Seria ótimo saber o número real de pessoas infectadas, mas é um dado que não interfere diretamente no combate à pandemia”, diz Matheus Martini, que faz pós-doutorado no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes da Unicamp. “Seria mais importante saber se os profissionais de saúde, por exemplo, já foram contaminados e se desenvolveram imunidade ao vírus, o que teria impacto direto sobre o atendimento ao público.”

Martini e seu supervisor José Luiz Módena, junto com outros colegas, estão trabalhando na padronização de um teste que já está em domínio público, desenvolvido por pesquisadores da Alemanha. Tal como os demais testes que estão sendo usados para flagrar a presença do novo coronavírus no organismo, ele se baseia na tecnologia conhecida como RT-PCR (em inglês, sigla de “reação em cadeia de polimerase por transcrição reversa”).

Essa técnica “pesca” fragmentos do material genético do Sars-CoV-2 na amostra e produz muitas cópias dele na reação em cadeia que dá nome ao procedimento, permitindo assim a detecção do vírus. O alvo do grupo da Unicamp é o pedaço do genoma do patógeno que contém a receita para a produção da proteína E (de “envelope”, a capa mais externa do vírus).

“O teste leva cerca de uma hora, sem contar o tempo de preparação”, explicou Martini, conversando com a Folha de dentro do laboratório NB3 (nível de biossegurança considerado elevado) onde estava trabalhando. “Pode ser que a gente fique aqui até umas 20h hoje.” A equipe planeja verificar a eficiência de diferentes tipos de kits comerciais no trabalho e, mais tarde, apresentar uma “receita” validada para uso a hospitais de Campinas e outras cidades.

Diversas razões logísticas e econômicas convergem para explicar o custo e as dificuldades de empregar o teste em larga escala no país. A alta demanda do mercado dos EUA, grandes produtores de insumos para testes e duramente afetados pela pandemia, faz com que o consumo interno americano abarque boa parte dos reagentes usados nos testes.

Já a Coreia do Sul, cuja estratégia bem-sucedida contra a Covid-19 incluiu testar mais de 200 mil pessoas com sua própria versão do método de diagnóstico, tem exportado os testes principalmente para países europeus como a Itália, por ora bem mais afetados pela doença do que o Brasil.

“E agora estamos começando a enfrentar problemas de distribuição com menos voos pelo mundo”, conta Guilherme Ambar, diretor-executivo da Seegene (empresa responsável pelos testes coreanos) no Brasil.

Analisando três genes diferentes do vírus, a tecnologia pode checar até 270 amostras diferentes a cada oito horas por aparelho.

Segundo Ambar, os desafios para que a testagem seja intensificada no país envolvem desde problemas mais simples de paramentação – falta de toucas, protetores de pé, máscaras etc. para coletar as amostras com segurança – quanto o número relativamente pequeno de laboratórios capacitados para lidar com a demanda. “Você precisa de automação, de calibração precisa e de aparelhos dedicados para aquela tarefa. Os laboratórios que fazem testes moleculares hoje testam 20 mil amostras por mês, o que é muito pouco numa situação como a atual.”

Além disso, cada exame custa em média R$ 50 (número que pode ser maior considerando a alta do dólar), lembra Lindomar Pena, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) de Pernambuco. “E os recursos humanos precisam estar bem treinados, não dá para deixar o trabalho nas mãos de um técnico de baixa qualificação.”

Pena e seus colegas estão adaptando o aprendizado que tiveram com a epidemia de zika em busca de melhoras na rapidez e no custo dos diagnósticos da Covid-19 (ambas as doenças são causadas por vírus que têm material genético formado por RNA, a molécula “irmã” do DNA). No caso do vírus da zika, o grupo da Fiocruz já tinha demonstrado a eficácia de um teste que usa a técnica conhecida como RT-Lamp, mais simples e rápida que a RT-PCR porque, entre outras coisas, não exige várias sessões aquecendo e resfriando a amostra.

“Um simples banho-maria resolve”, diz Pena. O custo (R$ 1 por amostra) e o tempo (20 minutos) também são promissores, embora a técnica ainda não esteja automatizada. O grupo está identificando o alvo mais desejável para a RT-Lamp no genoma do coronavírus e planeja apresentar resultados da abordagem após alguns meses de trabalho.

Para que avanços desse tipo aconteçam, porém, será preciso enfrentar os sucessivos cortes de investimento em pesquisa no país (o orçamento federal para a área caiu para menos da metade do que era em 2013), bem como o preço elevado dos insumos. Uma notícia positiva dos últimos dias foi o anúncio de que os impostos sobre as matérias-primas mais importantes para esse tipo de teste devem ser zerados, lembra Rômulo Leão Silva Neris, pesquisador-visitante da Universidade da Califórnia em Davis.

Uma coisa é certa, porém: os testes que envolvem o material genético do vírus, embora complexos e caros, são a única opção para rastrear a doença em tempo real, diz Neris. Identificar anticorpos que comprovem uma reação do organismo ao Sars-CoV-2 não serve porque eles demoram para aparecer.

“Além disso, há o problema da reatividade cruzada: anticorpos que neutralizam esse coronavírus também poderiam estar presentes por causa da infecção anterior por outros coronavírus que já circulam na população”, explica. Já há grupos de cientistas tentando resolver esse problema mundo afora, identificando anticorpos mais específicos.

 

Com informações da Folha SP

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