Câmara tem mais de mil projetos que tramitam em regime de urgência

Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante sabatina do jornal Correio Braziliense, em Brasília

Quando o projeto de lei 1.706/89 começou a tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados, há 27 anos, Mikhail Gorbatchev presidia a União Soviética, a seleção brasileira era apenas tricampeã mundial e Neymar estava na barriga de sua mãe.

Isso porque nem todas as propostas em urgência na Câmara são tão urgentes assim: até o dia 12 de junho de 2018, constavam como ativas nesse tipo de tramitação 1.087 proposições, de acordo com levantamento do sistema da Casa obtido pela Folha.

Até hoje, o texto de 1989, que dispõe sobre cooperativas e é considerado prioritário desde 1991, não foi votado.

A listagem inclui projetos de lei e de lei complementar, apensados a outros ou não.

O número de urgências aprovadas no período é muito maior, uma vez que não são levados em conta os projetos com tramitação concluída.  Angela Boldrini – Folha de São Paulo

Entre os textos estão, por exemplo, um de 1991 que proíbe o pagamento com cheques pré-datados e outro de 2003 que permite a entrada de turistas americanos no país sem necessidade de visto.

Para que um projeto de lei ganhe acesso ao regime especial, que permite que seja votado diretamente em plenário, pulando etapas regimentais, é preciso que haja a apresentação de um requerimento apoiado por ao menos 257 deputados —que deve ser aprovado em plenário também pela maioria absoluta dos 513 parlamentares.

A partir daí, o projeto pode entrar na ordem do dia (ou seja, ser colocado na lista de proposições que serão votadas naquela sessão), de acordo com o artigo 155 do regimento da Câmara.

Embora essa forma, apelidada de “urgência urgentíssima” por deputados e servidores, seja a mais comum na Casa, há outras maneiras de um projeto ter sua análise colocada de maneira preferencial.

Uma delas é a constitucional, que determina que o Executivo pode enviar para o Congresso projeto que considera prioritário. Cada Casa Legislativa tem até 45 dias para apreciá-lo. Caso não o faça, o texto passa a trancar a pauta do plenário —ou seja, outras matérias não podem ser analisadas antes da sua votação.

É o caso, por exemplo, do projeto que viabiliza a venda de seis distribuidoras da Eletrobras no Norte e Nordeste, que chegou à Câmara em 4 de junho e deve ser votado até o dia 3 de agosto (o prazo não leva em conta o período de recesso parlamentar em julho).

Polêmico, porém, ele deve enfrentar dificuldade. “Às vezes, o próprio governo retira a urgência constitucional de um projeto”, diz Mozart Vianna, que trabalhou no Legislativo por 40 anos, 24 deles como secretário-geral da Mesa.

Ele explica que, caso o governo queira, pode retirar a urgência para destrancar a pauta. Foi o que aconteceu com projeto que destinava ao Minha Casa, Minha Vida recursos de multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), de 2013.

Prevendo uma derrota, o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) retirou a urgência no início de 2014. Depois disso, o texto nunca chegou a ser votado.

URGENTÍSSIMAS

No caso das urgências aprovadas por requerimento, como as “urgentíssimas”, o texto não tem prazo para ser votado. Por isso o acúmulo de projetos moribundos —que já perderam o “timing” social e político— que continuam constando como prioritários.

De acordo com o primeiro-secretário da Casa, Giacobo (PR-PR), a prerrogativa de pautar os projetos é do presidente da Câmara —atualmente, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Por isso, se ele decidir não colocar um projeto em votação, ele pode acabar sendo esquecido. “É um mecanismo que a Casa, que é presidencialista, tem”, diz.

Para Ivan Valente (PSOL-SP), há 23 anos na Câmara, mudanças políticas podem levar ao acúmulo de projetos em tramitação. “No meio do caminho entre o requerimento e a votação de mérito há uma divergência na base, ou encontra-se uma dificuldade, obstrução.”

Projetos considerados mortos, porém, podem ser ressuscitados, já que podem entrar a qualquer momento na pauta do plenário. Eles servem, por exemplo, como maneira de “burlar” a necessidade de aprovação de um requerimento de urgência polêmico.

O marco regulatório do transporte rodoviário, aprovado na semana passada na Câmara, foi votado como “urgentíssimo”, mas nenhum requerimento nesse sentido foi aprovado neste ano.

Isso se deu porque foi anexado a ele um projeto de 1999 que tratava de mudança de limites de pontos na carteira nacional de habilitação.

Sua urgência havia sido requerida em 2000 —pelos então deputados e líderes partidários Geddel Vieira Lima (MDB) e Aécio Neves (PSDB). Como a prioridade de um texto “contamina” aqueles a que for agregado, o marco furou a fila.

Na pauta desta semana da Casa estão três projetos de interesse do governo em regime especial de tramitação: a cessão onerosa, o Refis do Simples e o cadastro positivo. Este último, que trata da inclusão automática de consumidores em um banco de dados com informações de crédito, tem enfrentado sérias dificuldades para sair da Casa e seguir para análise no Senado Federal. Ele aguarda desde março em urgência para ter sua votação concluída.

ENTENDA A ‘URGÊNCIA URGENTÍSSIMA’ NA CÂMARA

27 ANOS

é há quanto tempo tramita em urgência projeto de 1989 que dispõe sobre cooperativas

1.087

é o número de propostas de lei em regime de urgência na Câmara*

> Como funciona o regime de urgência

O artigo 155 do regimento da Câmara é a base para maioria das tramitações

– Um conjunto de 257 (ou mais) deputados apresenta um requerimento solicitando a urgência

– Requerimento tem de ser aprovado também por 257 deputados ou mais

– Se for aprovado, projeto pode entrar direto na pauta do plenário da Casa

– Isso não significa que será votado, pois muitas vezes perde-se o interesse no projeto ou não há acordo para o mérito da proposta

CASOS RECENTES

Cessão onerosa
Urgência do projeto: 13.jun
Texto-base do PL: 20.jun

Cadastro Positivo 
Urgência do projeto: 27.mar
Texto-base do PL: 9.mai

SUSP
Urgência do projeto: 14.mar
Texto-base do PL: 11.abr

*Levantamento com dados até 12.jun.

Fonte: Câmara dos Deputados

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