Um levantamento do Ministério da Saúde revela que, apenas em 2023, o Rio Grande do Norte registrou 591 novos casos de câncer infanto-juvenil. A doença, líder na causa de morte entre crianças e adolescentes, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), preocupa pela necessidade do tratamento ágil, mesmo diante do pouco conhecimento no diagnóstico. Localizada na capital Natal e referência em todo Brasil, a Casa Durval Paiva já acolheu 2.022 crianças e adolescentes diagnosticados com câncer ou doenças hematológicas crônicas, além de assistir indiretamente 10 mil familiares.
Um dos beneficiados nesses 29 anos de história é Pedro Miguel, 10, diagnosticado aos dois anos com a Síndrome Scott Aldrich e, em 2023, com linfoma, uma doença oncológica. Desde o diagnóstico inicial, Pedro enfrenta desafios diários causados pela plaquetopenia, uma condição caracterizada pela baixa quantidade de plaquetas no sangue por conta da síndrome, que compromete a coagulação e aumenta o risco de sangramentos.
As dificuldades também foram sentidas pela mãe, Martilene Nunes da Silva, 40, a partir do dia em que descobriu a doença. “Eu não sabia lidar com isso. Foi um choque, mas com o apoio da Casa, comecei a entender melhor e a me organizar para o tratamento dele”, relembra.
Quando completou 10 anos, a situação de Pedro se agravou diante do surgimento do linfoma, uma complicação que, segundo Martilene Nunes, já era esperada por conta da síndrome. “A médica nos alertou desde o início que, sem um transplante de medula óssea, ele poderia desenvolver um linfoma ou leucemia”, relata. Com a doença oncológica confirmada, o sentimento da mãe não poderia ser diferente do medo, mas o suporte da Casa passou a transformar essa percepção em mais uma batalha a ser vencida.
No local, eles encontraram mais do que apoio para enfrentar as dificuldades e descobriram um lugar onde o amor, a empatia e o lazer se entrelaçam com o compromisso de oferecer qualidade de vida. Esses sentimentos, segundo Rilder Campos, fundador e presidente da Casa, fazem parte dos principais propósitos do espaço, que surgiu diante do enfrentamento do câncer do filho, Fernando Campos, também durante a infância. Apesar de o diagnóstico ter acontecido no RN, a família precisou viajar para a Finlândia e ficar hóspede no Instituto Ronald McDonald para realização do tratamento.
“O avô de Fernando foi nos visitar [na Finlândia], e um dia ele vira para a gente e diz: ‘vamos fazer um negócio desse em Natal’, eu digo ‘bora’, mas pensei que era um impulso da circunstância, da situação. Quando nós chegamos [de volta para Natal] em janeiro de 1995, ele me botou no carro, me trouxe aqui e ele tinha comprado a primeira Casa”, relembra. A ideia da família era poder proporcionar a mesma qualidade de acolhimento que usufruíram no outro país, principalmente para aqueles de baixa renda.
Consolidada com mais de 40 prêmios envolvendo o terceiro setor e crescendo a cada dia, a Casa Durval Paiva possui cerca de 20 mil doadores mensais, entre pessoas físicas e empresas parceiras, que ajudam a espalhar essa história e impactar positivamente na vida de quem precisa. Fernando Campos, filho de Rilder, acredita que o espaço é parte da missão dele na terra. “É uma história da qual eu me orgulho bastante. Tenho muita alegria de contar hoje, de forma vitoriosa, o que surgiu em um momento difícil, doloroso, mas com muita humildade e orientação divina”, afirma.
Para poder contemplar todas as necessidades do enfrentamento da doença, a Casa conta com uma equipe multidisciplinar de 90 funcionários e 50 voluntários. Nela, Pedro Miguel recebe suporte integral, incluindo fisioterapia, atendimento psicológico, medicamentos e alimentação. “Ele passa o dia na Casa durante o tratamento. Eles nos ajudam não apenas com os cuidados médicos, mas também com apoio emocional e atividades educativas”, afirma a mãe Martilene. Com o apoio essencial da Casa Durval Paiva para enfrentarem essa luta, o espaço se tornou mais do que uma instituição. Para Pedro e Martilene é uma segunda casa.
A força de Pedro, mesmo tão jovem, é surpreendente e inspiradora para todos os funcionários e voluntários com quem já esteve, sem desanimar pelas dificuldades que a vida impôs desde o nascimento. Para Martilene, o sorriso do filho, mesmo nos dias mais difíceis, é o que a mantém firme e cada vitória merece ser comemorada.
Apesar da idade, Pedro diz que compreende a condição que ele tem e demonstra resiliência diante das dificuldades. “Eu gosto de ficar aqui porque tenho amigos e brinquedos. Já estou acostumado”, comenta. Martilene explica que a convivência com outras crianças o ajuda a aprender a lidar com a realidade do tratamento. O tempo que passam na Casa também beneficia Martilene, que encontrou na Casa Durval Paiva uma rede de apoio e qualificação profissional. “Enquanto estou aqui, faço cursos de depilação, costura, artesanato e culinária. Isso ajuda tanto minha saúde mental quanto minha vida profissional”, conta.
Entre essas opções, ela explica que se identificou mais com o artesanato, oferecido na Casa dos Ofícios da instituição. “Eu passo a tarde aqui fazendo artesanato. Então, para mim, que estou fora do mercado de trabalho por enquanto, isso ajuda minha saúde mental e minha vida profissional, porque quando Pedro estiver totalmente curado, em nome de Jesus, eu já vou sair daqui sabendo de muita coisa”, conclui esperançosa. O aprendizado agora se tornou um negócio que corresponde a parte do sustento da família, junto com um auxílio governamental.
Projeto evita evasão escolar
Para além de uma doença grave e de risco iminente à vida, o câncer pode se tornar uma grave ameaça psicológica para crianças e adolescentes. Submetidas a um tratamento de saúde ainda na primeira fase da vida, a falta de inclusão escolar se torna um potencial prejuízo no desenvolvimento social e emocional. Pensando não apenas no cuidado com físico, a Casa Durval Paiva estabelece em um dos seus pilares o fomento à educação através da oferta de acolhimento pedagógico, evitando a evasão escolar e mantendo a continuidade dos estudos mesmo diante da doença.
Contemplando desde a educação infantil até o ensino médio, Sandra Fernandes, coordenadora pedagógica da Casa Durval Paiva, explica que uma das primeiras recomendações concedida aos pais quando o paciente se afasta mais de 15 dias de sala de aula é informar à unidade educacional sobre o atestado e solicitar o acompanhamento hospitalar ou domiciliar. “Os pacientes que têm câncer se afastam da escola de forma presencial para dar ênfase ao tratamento, mas aí por causa das classes hospitalares, que é o que a gente tem aqui, eles não perdem o ano letivo”, afirma.
Os atendimentos acontecem com cinco professores concedidos pela Secretaria de Estado da Educação, a partir de um Termo de Cooperação Técnica, com aulas de segunda à sexta, nos turnos manhã e tarde. A Casa possui um espaço semelhante a uma sala escolar comum, mas quando o paciente está em internação na Policlínica da Liga Contra o Câncer e apto para estudar, o docente também vai até o hospital e mantém o cronograma.
“Aonde tiver paciente para ser atendido, a gente vai. Estamos finalizando o ano de 2024 com 177 pacientes nesse acompanhamento escolar geral, sendo que, desse número, 65 estavam afastados da escola”, detalha Sandra. Todo o material curricular, incluindo provas, são repassados normalmente pelas escolas em que o paciente está matriculado.
Uma das pacientes que desfrutou do acolhimento pedagógico foi Aline Barboza, 20, que há 18 anos frequenta a Casa. Portadora de Epidermólise Bolhosa Distrófica (EBD), uma doença genética e hereditária rara sem cura, ela sofre de atrofia nos membros do corpo e fortes dores que impactam diretamente na qualidade de vida. Porém, mesmo diante dessa adversidade, Aline não deixou a educação de lado.
De acordo com a mãe, Célia Costa, a jovem sempre foi muito esperta desde criança. “Com 2 a 3 anos ela já juntava as letras das placas da rua”, relata. Apesar de inicialmente não precisar deixar a escola para o tratamento, Aline sempre aproveitava as atividades extracurriculares durante o contraturno de aula, como passeios e oficinas, e durante as internações mais prolongadas fazia uso das classes hospitalares. “Com o apoio da Psicologia e do Setor Educacional, vi que tudo seria questão de adaptação”, relata a jovem, destacando o papel fundamental da Casa Durval Paiva na formação da confiança e motivação para os estudos.
Após percorrido todo o caminho do ensino básico, Aline atingiu novos objetivos acadêmicos e conseguiu aprovação em duas instituições federais: o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para cursar administração. “Não me rendo ao meu diagnóstico e as limitações que as doenças que possuo me impõem”, conta orgulhosa.
“Com certeza, de uma forma silenciosa, a gente tirou muita gente aqui da prostituição, das drogas, da violência e a gente fez com que elas mudassem perspectivas de vida. Temos paciente que se alfabetizou aqui, ganhou o prêmio da Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de melhor redação sobre Estatuto da Criança e hoje está graduado. Estimulou a mãe a se graduar. Então é a mudança de perspectiva de vida”, afirma Rilder Campos. A assistência prestada também envolve a doação de cestas básicas mensais aos pacientes.
Segundo o Ministério da Saúde, crianças e adolescentes alcançam até 80% de chance de cura diante de um diagnóstico precoce. Os principais casos envolvem Hepatoblastoma, Neuroblastoma, Osteossarcoma, Rabdomiossarcoma, Retinoblastoma, Sarcoma de Ewing, Tumor de Wilms, tumores de células germinativas e tumores do sistema nervoso central.
*Tribuna do NOrte