Centrão controla cargos em áreas estratégicas para compra de vacinas

Políticos do Centrão controlam departamento do Ministério da Saúde responsável pela importação de vacinas e na secretaria que chancela compra Foto: Agência O Globo/Pablo Jacob

Políticos do Centrão, grupo que integra a base aliada do presidente Jair Bolsonaro, controlam áreas estratégicas para a compra de vacinas no Ministério da Saúde. Um exemplo é o Departamento de Logística (DLOG), responsável por um orçamento bilionário e onde, segundo relato do servidor de carreira Luis Ricardo Miranda, lotado neste setor, ocorreu pressão para a importação em tempo recorde da vacina indiana Covaxin, a mais cara entre todas as contratadas pela pasta.

O chefe do departamento, Roberto Ferreira Dias, é indicado do Centrão, com a atuação do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), citado nas suspeitas que envolvem a contratação da Covaxin que, conforme o GLOBO antecipou no dia 15 deste mês, se transformou em alvo de investigação da CPI da Covid.

O DLOG é um dos departamentos mais importantes da pasta. Dados do ministério mostram que apenas em compras destinadas ao combate à Covid-19, o setor já fechou contratos de R$ 15,7 bilhões. O valor é maior do que orçamentos de ministérios inteiros, como o da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, que tem verbas de R$ 12,3 bilhões para este ano. O departamento é responsável pela importação de insumos estratégicos para a Saúde, como vacina e medicamentos.

Dias foi uma indicação conjunta do deputado Pedro Lupion (DEM-PR) e de Ricardo Barros, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, em janeiro de 2019. Segundo depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor Luis Ricardo, à CPI da Covid na última sexta-feira, o nome de Barros foi citado pelo próprio Bolsonaro quando ouviu em março relatos sobre suspeitas de irregularidades na Saúde.

O atual chefe do DLOG já foi servidor do governo do Paraná e ocupou cargo na gestão de Cida Borghetti, mulher de Barros. Procurado, o líder do governo negou a participação na indicação. Outras fontes que acompanharam a indicação, porém, confirmam que Barros teve peso na escolha.

— Eu não estava alinhado no início do governo — disse Barros ao GLOBO.

Em entrevista ao GLOBO, Luis Ricardo Miranda, chefe de importação do Ministério da Saúde, citou Dias como uma das autoridades que teria pressionado para que ele agilizasse o envio da documentação da Covaxin à Anvisa, mesmo com inconsistências nos recibos e documentação incompleta. Ele relatou ligações e insistência de superiores que não teriam havido em outros processos de aquisição de vacinas, como do Covax Facility, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Outras indicações

Dias não é a única indicação do Centrão no ministério. Em junho de 2020, o farmacêutico Arnaldo de Medeiros foi alçado a secretário de Vigilância em Saúde por indicação do PL, partido comandado por Valdemar Costa Neto, que foi preso no escândalo do mensalão. Procurado pelo GLOBO, Valdemar não respondeu.

A Secretaria de Vigilância em Saúde participa da contratação de vacinas e deu parecer favorável à Covaxin. A contratação do imunizante, intermediada pela empresa brasileira Precisa Medicamentos, só foi efetivada após esse parecer favorável da secretaria.

O líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), tem ainda sua esposa, Deborah Roberto, como diretora de saúde ambiental da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), nomeada em 2019. Ele sustenta que a indicação é técnica.

Em diversos momentos durante a pandemia, o Centrão pressionou para expandir a ingerência sobre o Ministério da Saúde, especialmente em postos que lidam com contratos, segundo o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM).

— Infinitas vezes eles quiseram indicar gente para departamentos que têm muitos contratos, como de apoio administrativo e o DataSUS. Toda vez vinha alguém pedir esses cargos. Eternamente, eles (do Centrão) paqueravam essas cadeiras — disse Mandetta.

Aliados militares

A passagem de Eduardo Pazuello pelo ministério, de maio de 2020 a março de 2021, também alçou a cargos decisórios aliados militares do então ministro. Dois foram citados por Luis Ricardo Miranda como autoridades que teriam pressionado pela compra da Covaxin: o tenente-coronel Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos, e Marcelo Bento Pires, assessor do ministro naquele período.

Pazuello foi pressionado a deixar o cargo por expoentes do Centrão, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, que criticavam sua atuação no combate à pandemia. Em um discurso de despedida, Pazuello afirmou a integrantes da pasta que pressões políticas pesaram para a sua saída. O novo ministro, Marcelo Queiroga, substituiu alguns aliados de Pazuello nas secretarias, mas manteve o secretário de Vigilância indicado pelo PL.

Luis Ricardo Miranda é servidor concursado do ministério desde 2011. Em 2018, assumiu a chefia da divisão de importação da pasta, subordinada ao DLOG. Em setembro de 2020, houve uma ameaça de exonerá-lo do cargo comissionado de chefia, segundo relatou o próprio servidor ao GLOBO. Seu irmão, o deputado Luis Miranda, procurou Pazuello, então ministro, e conseguiu reverter a exoneração.

Procurados, Ministério da Saúde e Planalto não responderam sobre acusação de pressão sobre o servidor para agilizar os processos da Covaxin.

O Globo

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