O projeto traz algumas salvaguardas, mas, na prática, abre brecha para que as pessoas trabalhem por casa e comida
Por Rauqel Landim – Folha de São Paulo
Já defendi neste espaço que a legislação trabalhista brasileira precisa ser modernizada e que é falacioso o discurso de que estão “rasgando” a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Isso não significa, entretanto, que as mudanças devam ser aprovadas a toque de caixa e que não existam riscos de se cometerem excessos prejudiciais aos trabalhadores.
Nesse sentido, as mudanças propostas para a legislação trabalhista do setor rural são um escândalo. Não é exagero dizer que, se aprovada como está, essa reforma trará o setor praticamente para um regime análogo à escravidão.
As novas regras permitiriam, por exemplo, não pagar ao trabalhador rural com salário, mas “com remuneração de qualquer espécie”.
O projeto traz algumas salvaguardas, mas, na prática, abre brecha para que as pessoas trabalhem por casa e comida.
Há também outros absurdos como aprovar jornadas de 18 dias seguidos sem descanso, prolongar contratos temporários sucessivamente sem limite e até exigir que a empresa rural providencie banheiro ou local de alimentação só quando houver mais de 20 trabalhadores.
Por ser altamente polêmica, a questão é alvo de um projeto de lei separado da reforma trabalhista geral, que já foi aprovada na Câmara e seguiu para o Senado.
As regras para o trabalho rural ainda estão sendo avaliadas pelos deputados, mas contam com o apoio do governo.
Os defensores da proposta argumentam que o trabalho rural tem “peculiaridades”. Não faz sentido. Todas as profissões têm características específicas, que exigem tratamento diferenciado para alguns temas.
Um dos méritos da reforma trabalhista geral é exatamente fortalecer os acordos coletivos para permitir que trabalhadores e empregadores cheguem a um bom termo, desde que garantidos direitos constitucionais como salário mínimo, décimo terceiro, férias, FGTS.
Outro esforço importante da reforma geral é reduzir as brechas para a judicialização, que encarece o custo das empresas. Mas também nesse caso é preciso cuidado.
No afã de desestimular que um funcionário de má fé processe o empregador por qualquer motivo, a reforma tem alguns escorregões perigosos.
Um deles é permitir que gestantes e lactantes trabalhem em áreas de baixa ou média insalubridade desde com atestado médico.
Qual é o sentido disso? O que deveríamos estar discutindo é como estimular as empresas a incentivar o aleitamento materno, oferecendo espaço adequado para que as mães tirem e armazenem seu leite.
No caso do trabalhador rural, as mudanças propostas são um erro grave, porque não significam apenas deixar de avançar mas retroceder e comprometer inclusive os direitos humanos.
O Brasil precisa com urgência de uma reforma trabalhista, mas não a qualquer custo.