O mercado financeiro teve mais uma sessão de forte aversão a risco com o temor de investidores ao efeito econômico do coronavírus. Somado a demais eventos que geraram cautela ao investidor em janeiro, como a tensão entre Estados Unidos e Irã, o movimento levou o real ao pior desempenho para janeiro em uma década e a Bolsa brasileira ao pior começo de ano desde 2016, com queda de 1,6% no mês.
Nesta sexta-feira (31), a cotação do dólar comercial teve alta de 0,63%, a R$ 4,287, novo recorde nominal. O turismo subiu 0,9%, a R$ 4,46. O dólar subiu 6,7% no mês, maior alta percentual para o período desde 2010, quando a moda se valorizou 8,6% ante o real.
Do fim de 2019 até o momento, o dólar ficou quase R$ 0,30 mais caro. O real é a divisa que mais se desvalorizou no mês dentre as principais moedas globais.
Em termos reais (corrigidos pela inflação), a moeda americana ainda está longe de sua máxima de 2002. Se for considerado apenas o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE, o pico de R$ 4 naquele ano equivaleria a cerca de R$ 10,80 hoje. Caso também seja levada em conta a inflação americana, o valor corrigido seria cerca de R$ 7,50.
Nesta sexta, a Bolsa brasileira cedeu 1,5%, a 113.760 pontos, menor patamar desde 17 de dezembro. No mês, a queda acumulada é de 1,6%, o pior janeiro desde 2016, quando o Ibovespa caiu 6,8%. Nos últimos três anos, a Bolsa teve fortes altas em janeiro.
Na sessão, o risco-país brasileiro medido pelo CDS (Credit Default Swap) de cinco anos subiu 4,3%, a 102 pontos.
Em janeiro, a Bolsa ainda teve a maior saída de estrangeiros da série histórica da B3. Até terça-feira (28), o saldo entre compras e vendas de ações por não residentes era negativo em R$ 15 bilhões, superando os piores meses de 2008, ano da crise financeira.
Essa saída de investidores eleva a cotação do dólar, já que ele é remetido ao exterior, diminuindo a disponibilidade da moeda no Brasil. Além disso, em momentos de aversão a risco, o investidor doméstico também busca a moeda para se proteger. Com maior procura pelo ativo, o preço sobe.
NOS EUA
Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones caiu 2% nesta sexta, maior queda percentual desde agosto de 2019, mês marcado pela escalada de tensões na guerra comercial entre americanos e chineses. S&P 500 e Nasdaq recuaram 1,7% e 1,6%, respectivamente.
Para economistas, o mercado acionário americano estava muito caro, com Bolsas batendo consecutivos recordes em janeiro, e o coronavírus seria um motivo para que investidores e gestores vendessem ações, embolsando ganhos.
A curva de juros entre o título do Tesouro americano de dez anos e de três meses voltou a se inverter, com investidores alocando recursos no título de longo prazo, considerado mais seguro. Quando a procura por um título do Tesouro aumenta, o preço do papel sobe e o rendimento cai.
No mesmo movimento, o rendimento anual do título americano de 30 anos ficou abaixo de 2% pela primeira vez desde outubro. O rendimento maior de uma aplicação de curto prazo, em detrimento de uma aplicação de longo prazo, é visto como um predecessor de recessão econômica.
O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos declarou nesta sexta que o coronavírus é uma ameaça à saúde pública sem precedentes, com a necessidade de medidas agressivas para a contenção da doença no país.
Segundo o jornal americano The Washington Post, o governo dos Estados Unidos considera aumentar as restrições de viagens à China, país de origem do coronavírus.
As três maiores companhias aéreas dos EUA já suspenderam viagens ao país (sem contar Hong Kong e Macau): United Airlines, Delta Air Lines e American Airlines.
De acordo com o Goldman Sachs, o surto do vírus pode impactar o crescimento americano em 0,4 ponto percentual no primeiro trimestre desse ano.
CHINA
Para a China, economistas do governo local preveem que a paralisação do país para conter o coronavírus deva reduzir crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 2020 para 5%. Em 2019, o país asiático cresceu 6,1%, o pior índice em 29 anos. Em 20 de janeiro, o FMI previu que a China cresceria 6% em 2020.
De acordo com a Bloomberg, pelo menos dois terços da economia chinesa devem permanecer paralisados até a próxima semana, já que mais que uma dezena de províncias chinesas anunciaram extensão do feriado do Ano Novo Lunar em uma tentativa de conter a contaminação do vírus. Tais regiões corresponderam a quase 70% do PIB (Produto Interno Bruto) chinês em 2019.
Até o momento, 213 pessoas infectadas pelo coronavírus morreram —todas na China— e mais de 9.700 tiveram confirmação da infecção em diversos países.
Economistas avaliam que o Brasil deva ter algum impacto econômico derivado do coronavírus no primeiro trimestre, com redução das exportações de matéria-prima. No entanto, a previsão é de uma rápida recuperação chinesa ao longo do ano, impulsionada por estímulos do governo com redução de juros e incentivos fiscais.
“A China corresponde a cerca de 28% das exportações brasileiras. Como o mercado chinês vai crescer menos, a demanda por commodity cai e os preços caem. Nisso, o Brasil deve vender menos e mais barato”, diz Antonio Lanzana, professor de economia da USP e copresidente do conselho da FecomercioSP.
Com a possível desaceleração econômica global e sem saber ao certo a dimensão do impacto do coronavírus, investidores se desfazem de ativos de risco, como ações, e migram para ativos mais seguros como títulos do Tesouro, dólar e ouro. Neste movimento, estrangeiros retiram seus investimentos de países emergentes, como o Brasil.
Segundo José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o real tende a ser uma das moedas que mais sofre em períodos de aversão a risco pelo Brasil ter um mercado de dólar muito líquido, o que facilita sua saída. Outro motivo é a fraca atividade econômica brasileira.
“O estrangeiro esteve aqui por muito tempo com os juros altos. Com a queda, ele sai da renda fixa e não vai para a Bolsa brasileira porque vê risco na atividade econômica. Não confia no crescimento brasileiro”, diz Gonçalves.
Em 2019, a taxa básica de juros (Selic) caiu 2 pontos percentuais para a mínima histórica de 4,5% ao ano. A previsão do mercado é que o Banco Central promova mais um corte na próxima semana, levando a Selic a 4,25%.
*Folha