Depoimento de Sérgio Moro na Polícia Federal

Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio ...

O ex-ministro Sérgio Moro afirmou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro insistia, desde janeiro, trocar o comando da corporação no Rio de Janeiro. Em mensagem, afirmou ao ex-ministro que: ‘Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’Leia a íntegra do depoimento abaixo:

Em outro trecho, Moro afirmou que Bolsonaro teria dito que iria interferir em todos os Ministérios e, quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.

Moro alega que conseguiu demover o presidente de substituir a chefia do Rio ‘por algum tempo’, mas o assunto ‘retornou com força’ em janeiro deste ano quando Bolsonaro afirmou que gostaria de colocar Alexandre Ramagem na chefia da Polícia Federal. O então diretor, Maurício Valeixo, indicado por Moro, iria para cargo de adido no exterior. A reunião ocorreu no Palácio do Planalto, com a presença do ministro Augusto Heleno (GSI).

Segundo Moro, a troca de comando da PF era assunto ‘de conhecimento de várias pessoas’. Inicialmente, o ex-juiz afirmou que pensou em concordar com a troca ‘para evitar conflito, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa’, ressaltando também as ligações de Ramagem com a família Bolsonaro.

Moro afirmou que, ainda em janeiro, sugeriu os nomes de Fabiano Bordignon (chefe do Depen) e Disney Rosseti (número dois da PF) para substituir Valeixo, alegando que a troca nestes termos geraria desgastes a ele, mas não abalaria a credibilidade da Polícia Federal. Os outros dois nomes cotados para o cargo eram Anderson Torres (secretário de Segurança Pública) do Distrito Federal e Carrijo – ambos sem história profissional na PF e próximos da família Bolsonaro.

Clique em “Mais” e Leia o documento na íntegra

Leia, abaixo, a íntegra do relatório da Polícia Federal sobre o depoimento prestado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro no sábado:

Na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba no Estado do Paraná, onde presente se encontrava CHRISTIANE CORREA MACHADO, Delegada de Polícia Federal, Matr. 10.568, Chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado – DICOR, e WEDSON CAJÉ LOPES, Delegado de Polícia Federal, lotado no SINQ/DICOR, compareceu Sergio Fernando Moro, sexo masculino, naturalidade brasileira, casado(a), filho(a) de ODETE STARKE MORO e DALTON AUREO MORO, nascido(a) aos 01/08/1972, natural de Maringa/PR, instrução ensino superior – mestrado, documento de identidade nº XXXXXXXX SSP/PR, CPF XXX.XXX.XXX-XX. Cientificado acerca dos seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer em silêncio, inquirido a respeito dos fatos pela Autoridade Policial, RESPONDEU:

QUE tomou conhecimento pela imprensa sobre a determinação do Ministro Celso de Mello sobre a sua oitiva, tendo se colocado à disposição para prestar declarações, informando o fato à Polícia Federal;

QUE perguntado sobre sua definição sobre interferência política do Poder Executivo em cargos de chefia no âmbito da Polícia Judiciária, respondeu que entende que seja uma interferência sem uma causa apontada e portanto arbitrária;

QUE durante o período que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente;

QUE, durante sua gestão, apenas concordou com a primeira substituição, pois, circunstancialmente, o Superintendente do RJ, RICARDO SAAD, havia manifestado interesse de sair, por questões familiares, e a sua troca já estava planejada pelo Diretor Geral, sendo nomeado um nome com autonomia pela própria Polícia Federal, o que garantia a continuidade regular dos serviços de Polícia Judiciária;

QUE na sua gestão preservou a autonomia da Polícia Federal, em relação a interferência política e pediu demissão no dia 24 de abril de 2020, com o mesmo objetivo;

QUE durante a sua coletiva ocorrida em 24 de abril de 2020 narrou fatos verdadeiros, cujo objetivo era esclarecer os motivos de sua saída, preservar autonomia da Polícia Federal, da substituição de Diretor e de Superintendentes, sem causa e com desvio de finalidade, como reconhecimento posteriormente pelo próprio Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no dia 29 de abril que suspendeu a posse do DPF ALEXANDRE RAMAGEM;

QUE perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime;

QUE quem falou em crime foi a Procuradoria Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes;

QUE em agosto de 2019 houve uma solicitação por parte do Exmo. Presidente da República de substituição do Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, RICARDO SAAD;

QUE essa solicitação se deu de forma verbal, no Palácio do Planalto;

QUE não se recorda se houve troca de mensagens sobre esse assunto;

QUE não se recorda se alguém, além do declarante e do Exmo. Presidente da República tenha presenciado essa solicitação;

QUE no entanto, reportou esse fato tanto ao Diretor da Polícia Federal, MAURÍCIO VALEIXO, como ao Dr. SAAD;

QUE os motivos dessa solicitação devem ser indagados ao Presidente da República

QUE, após muita resistência, houve, como dito acima, concordância do Declarante e do Dr. VALEIXO, com a substituição.

QUE o presidente, após a concordância, declarou publicamente que havia mandado trocar o SR/RJ por motivo de produtividade;

QUE para o Declarante não havia esse motivo e a própria Polícia Federal emitiu nota pública, informando a qualidade do serviço da SR/RJ, o que também pode ser verificado por dados objetivos de produtividade;

QUE só concordou com a substituição porque o novo SR, CARLOS HENRIQUE foi uma escolha da PF e isso garantia a continuidade regular dos serviços da SR/RJ e a própria Polícia Federal informou na nota acima que ele seria o substituto;

QUE o Presidente, contrariado, deu nova declaração pública afirmando que era ele quem mandava e que o novo Superintendente seria ALEXANDRE SARAIVA;

QUE o Diretor da Polícia Federal ameaçou se demitir e que o Declarante conseguiu demover o Presidente;

QUE tem presente que ALEXANDRE SARAIVA é um bom profissional, no entanto não era o nome escolhido pela Polícia Federal;

QUE o presidente já havia indicado ao Declarante a intenção de indicar ALEXANDRE SARAIVA, mas que da sua parte entendia que a escolha deveria ser da Polícia Federal;

QUE mesmo antes, mas, principalmente, a partir dessa época o Presidente passou a insistir na substituição do Diretor da PF, MAURÍCIO VALEIXO;

QUE essa pressão foi, inclusive, objeto de diversas matérias na imprensa;

QUE conseguiu demover o presidente dessa substituição por algum tempo;

QUE o assunto retornou com força em janeiro de 2020, quando o Presidente disse ao Declarante que gostaria de nomear ALEXANDRE RAMAGEM no cargo de Diretor Geral da Polícia Federal e VALEIXO iria, então, para uma Adidância;

QUE isso foi dito verbalmente no Palácio do Planalto;

QUE, eventualmente o General Heleno se fazia presente;

QUE esse assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas;

QUE pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o Diretor Geral sem que houvesse uma causa e que como RAMAGEM tinha ligações próximas com a família do Presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente;

QUE essas ligações são notórias, iniciadas quando RAMAGEM trabalhou na organização da segurança pessoal do presidente durante a campanha eleitoral;

QUE os motivos pelos quais o Presidente queria substituir VALEIXO por RAMAGEM devem ser indagados ao Presidente;

QUE RAMAGEM, pela questão da proximidade, o Declarante afirma que o presidente, nessa época, lhe dizia que era uma questão de confiança;

QUE o presidente chegou a sugerir dois outros nomes para Diretor Geral da Polícia Federal, ao invés de RAMAGEM, mas que os nomes não tinham a qualificação necessária, segundo a opinião do Declarante;

QUE, ainda em janeiro, o Declarante sugeriu dois nomes para o Presidente, FABIANO BORDIGNON e DISNEY ROSSETI para substituir VALEIXO;

QUE a troca geraria desgaste para o Declarante, mas, pelo menos, não abalaria a credibilidade da Polícia Federal ou do Governo;

QUE a substituição sem causa do DG e a indicação de uma pessoa ligada ao Presidente e a sua família seriam uma interferência política na PF;

QUE os dois outros nomes eram ANDERSON TORRES e CARRIJO e ambos não tinham história profissional na Polícia Federal que os habilitassem ao cargo, além de também serem próximos à família do presidente;

QUE no começo de março de 2020, estava em Washington, em missão oficial com o Dr. VALEIXO;

QUE recebeu mensagem pelo aplicativo Whatsapp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora CARLOS HENRIQUE;

QUE a mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”;

QUE esclarece que não nomeou e não era consultado sobre as escolhas dos Superintendentes; QUE essa escolha cabia, exclusivamente, à Direção Geral da Polícia Federal;

QUE nem mesmo indicou o Superintendente da Polícia Federal do Paraná;

QUE os motivos para essa solicitação entende que devem ser indagados ao Presidente da República; QUE falou sobre a solicitação de troca do Diretor VALEIXO, ainda em Washington;

QUE até aventaram a possibilidade de atender ao Presidente para evitar uma crise;

QUE, no entanto, o Diretor VALEIXO afirmou que não poderia ficar no cargo se houvesse uma nova substituição sem causa do SR/RJ por um nome indicado pelo Presidente da República;

QUE o Diretor VALEIXO declarou que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do SR/RJ; QUE por esse motivo e também para evitar conflito entre o Presidente e o Ministro o Diretor VALEIXO disse que concordaria em sair;

QUE nesse momento não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro;

QUE, por esse motivo, o Declarante, apesar da resistência, cogitou aceitar as trocas, desde que o substituto do Diretor Geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não tão próxima ao presidente;

QUE depois, porém, entendeu que também não poderia aceitar a troca do SR/RJ sem causa;

QUE a partir de então cresceram as insistências do PR para a substituição tanto do Diretor Geral quanto do SR/RJ;

QUE, certa feita, provavelmente, no mês de março o PR passou a reclamar da indicação da Superintendente de Pernambuco;

QUE essas reclamações sobre o superintendente no Estado de Pernambuco não ocorreram anteriormente;

QUE entende que os motivos da reclamação devem ser indagados ao Presidente da República;

QUE é oportuno destacar que as indicações para Superintendentes vêm da Direção Geral, mas passam pelo crivo da Casa Civil e que não houve nenhum óbice apontado em relação a esses nomes;

QUE o Presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras Secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, DEPEN, Força Nacional;

QUE o presidente, apenas uma vez, solicitou a revogação da nomeação de Ilona Szabo para o Conselho Nacional de Política Criminal do Ministério da Justiça, órgão consultivo, e que o Declarante, após relutar, concordou em aceitar a solicitação;

QUE o Declarante perguntado se as trocas solicitadas estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao Presidente ou ao seu grupo político disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto ainda evoluíam;

QUE crescendo as pressões para as substituições, o Presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência;

QUE perguntado se havia desconfiança em relação ao Diretor VALEIXO, o Declarante respondeu que isso deve ser indagado ao Presidente; QUE o próprio Presidente cobrou em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020, quando foi apresentado o PRÓ-BRASIL, a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal;

QUE o presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP, se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça;

QUE ressalta que essas reuniões eram gravadas, como regra, e o próprio Presidente, na corrente semana, ameaçou divulgar um vídeo contra o Declarante de uma dessas reuniões;

QUE nessas reuniões de conselho de ministros participavam todos os ministros e servidores da assessoria do Planalto;

QUE a afirmação do Presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal não era verdadeira;

QUE o Declarante, em relação ao trabalho da Polícia Federal, informava as ações realizadas, resguardado o sigilo das investigações;

QUE o Declarante, por exemplo, fazia como ministros do passado e comunicava operações sensíveis da Polícia Federal, após a deflagração das operações com buscas e prisões;

QUE o Declarante fez isso inúmeras vezes e há mensagens de Whatsapp a esse respeito ora disponibilizadas;

QUE ilustrativamente, isso aconteceu após as buscas e prisões envolvendo o atual Ministro do Turismo e o Senador Fernando Bezerra, mas que essas informações não abrangiam dados sigilosos dos inquéritos;

QUE pontualmente comunicou essas operações antecipadamente, em casos sensíveis e que demandavam um apoio do presidente, como na expulsão do integrante do PCC, vulgo “FUMINHO” de Moçambique;

QUE quanto a relatórios de inteligência, esclarece que a PF não é órgão de produção direta de inteligência para a Presidência da República;

QUE os relatórios de inteligência da Polícia Federal sobre assuntos estratégicos e de Segurança Nacional são inseridos pela sua diretoria de Inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações de inteligência, juntamente, com dados de outros órgãos e as apresenta ao Presidente da República;

QUE o próprio Declarante já recebeu relatórios de inteligência da ABIN que continham dados certamente produzidos pela inteligência da Polícia Federal;

QUE o próprio Presidente da República em seu pronunciamento na sexta-feira, dia 24 de abril de 2020, declarou que um dos motivos para a a demissão do Diretor Geral da PF seria a falta de recebimento de relatórios de inteligência de fatos nas últimas 24 horas;

QUE o argumento não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN;

QUE também não justificaria a demissão do Diretor VALEIXO a suposta falta de disponibilização dessa inteligência, já que cobrada pelo Presidente ao Declarante dois dias anteriores à exoneração do Diretor;

QUE o presidente nunca solicitou ao Declarante a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo da demissão do Diretor Geral da PF;

QUE perguntado se o presidente da República, em algum momento lhe solicitou relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais, o Declarante respondeu que o Presidente nunca lhe pediu até porque o Declarante ou o Diretor VALEIXO jamais violariam sigilo de investigação policial;

QUE na quinta-feira, dia 23 de abril de 2020, o Presidente enviou ao Declarante por mensagem de Whatsapp um link de notícia do site “oantagonista” informando que a PF estaria no encalço de Deputados Bolsonaristas, QUE antes que o Declarante pudesse responder, o Presidente mandou outra mensagem afirmando que este seria mais um motivo para a troca da PF;

QUE o Declarante ficou apreensivo com a mensagem;

QUE o Declarante reuniu-se com o Presidente às 9h do dia 23 de abril de 2020, e trataram da substituição do Diretor Geral da Polícia Federal;

QUE o Presidente lhe disse que VALEIXO seria exonerado, a pedido, ou de ofício, e que nomearia o DPF ALEXANDRE RAMAGEM, porque seria uma pessoa de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir;

QUE o Declarante informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia;

QUE o Declarante também disse poderia trocar o Diretor VALEIXO desde que houvesse uma causa, como uma insuficiência de desempenho ou erro grave, mas não havia nada disso;

QUE o Declarante pediu ao Presidente que reconsiderasse, mas que se isso não ocorresse o Declarante seria obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição;

QUE o Presidente lamentou, mas disse que a decisão estava tomada;

QUE o Declarante reuniu-se em seguida com os ministros militares do Palácio do Planalto e relatou a reunião com o Presidente;

QUE a reunião foi com os Ministros Generais RAMOS, HELENO e BRAGA NETTO;

QUE o Declarante informou os motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade;

QUE na ocasião o Declarante falou dos pedidos do Presidente de obtenção de Relatórios de Inteligência da PF, que inclusive havia sido objeto de cobrança pelo Presidente na reunião de conselho de ministros, oportunidade na qual o Ministro HELENO afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido;

QUE os Ministros se comprometeram a tentar demover o Presidente,

QUE o Declarante retornou ao MJSP na esperança de a questão ser solucionada;

QUE logo depois vazou na imprensa que o Planalto substituiria VALEIXO e que, em decorrência, o Declarante sairia do governo;

QUE o MJSP foi contatado por muitos jornalistas e políticos querendo confirmar, mas que o Declarante entendia que não poderia confirmar, já que tinha esperança de que o Presidente mudaria de idéia;

QUE à tarde do dia 23 de abril de 2020, recebeu uma ligação do Ministro RAMOS indagando se seria possível uma solução intermediária, com a saída de VALEIXO, mas a nomeação de um dos nomes que o Declarante já havia informado antes, a saber: FABIANO BORDIGNON ou DISNEY ROSSETI;

QUE o Declarante informou que haveria um impacto ao governo e à sua credibilidade, mas que, garantida a nomeação técnica e de pessoa não proximamente ligada à familia do presidente, a solução seria aceitável;

QUE antes de dar a resposta definitiva, disse que teria que falar com o Diretor VALEIXO;

QUE ligou para o Diretor VALEIXO, que concordou com a substituição sugerindo o nome de DISNEY ROSSETI;

QUE o Declarante ligou em seguida ao Ministro RAMOS e então manifestou a sua concordância, mas ressaltou que seria a única mudança e que não concordava com a troca pretendida do superintendente da SR/RJ;

QUE o Ministro RAMOS ficou de levar a questão ao Presidente e de retornar, mas não o fez;

QUE à noite do dia 23 de abril de 2020, recebeu informações não oficiais de que o ato de exoneração do Diretor VALEIXO havia sido encaminhado para publicação;

QUE buscou a confirmação do fato no Planalto com os ministros BRAGA NETTO e RAMOS, tendo o primeiro informado que não sabia e o segundo informado que iria checar e retornar, mas não o fez;

QUE, durante a madrugada do dia 24 de abril de 2020, saiu a publicação, o que tornou irreversível a demissão do Declarante;

QUE o Declarante não assinou o decreto de exoneração de MAURÍCIO VALEIXO e não passou pelo Declarante qualquer pedido escrito ou formal de exoneração do Diretor VALEIXO;

QUE na manhã do dia 24 de abril de 2020, encontrou-se com VALEIXO e ele lhe disse que não teria assinado ou feito qualquer pedido de exoneração;

QUE VALEIXO disse ao Declarante que, na noite do dia 23 de abril de 2020, teria recebido uma ligação do Planalto na qual o Presidente teria lhe dito que ele, VALEIXO, seria exonerado no dia seguinte e lhe perguntado se poderia ser “a pedido”;

QUE VALEIXO disse ao Declarante que como a decisão já estava tomada não poderia fazer nada para impedir, mas reiterou que não houve, nem partiu dele, qualquer pedido de exoneração;

QUE VALEIXO poderá esclarecer melhor o conteúdo dessa conversa;

QUE perguntado em regra, como ocorrem as exonerações no âmbito do Ministério da Justiça e como se dá o processo de assinatura no Diário Oficial da União, respondeu.

QUE pedidos de nomeação e de exoneração são assinados eletronicamente pelo Declarante e enviados ao Palácio do Planalto;

QUE não delegava essa função a subordinados;

QUE decretos assinados pelo Presidente da República e em concurso com o Declarante, quando sua origem era um ato produzido pelo MJSP, o que seria o caso da exoneração do Diretor VALEIXO, sempre eram assinados previamente pelo Declarante, pelo sistema eletrônico SIDOF, antes de encaminhados ao Planalto;

QUE nunca, pelo que se recorda, viu antes um ato do MJSP ser publicado sem a sua assinatura, pelo menos, eletronicamente;

QUE em virtude do ocorrido decidu exonerar-se e informar em pronunciamento coletivo os motivos de sua saída;

QUE o Declarante entendeu que havia desvio de finalidade na exoneração do Diretor MAURÍCIO VALEIXO, à qual se seguiria a provável nomeação do DPF ALEXANDRE RAMAGEM, pessoa próxima à família do presidente, e as substituições de superintendentes, tudo isso sem causa e o que viabilizaria ao Presidente da República interagir diretamente com esses nomeados para colher, como admitido pelo próprio Presidente, o que ele chamava de relatórios de inteligência, como também admitido pelo próprio Presidente;

QUE reitera que prestou as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de sua saída, para expor o desvio de finalidade já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e com o objetivo de proteger a autonomia da Polícia Federal;

QUE reitera que em seu pronunciamento narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes;

QUE posteriormente, no mesmo dia 24 de abril de 2020, o Presidente da República fez um pronunciamento no qual confirmou várias declarações feitas pelo Declarante, como a de que o presidente poderia substituir o Diretor Geral, os superintendentes, qualquer pessoa na pirâmide do Poder Executivo Federal; QUE o Presidente da República, apesar disso, não esclareceu o motivo pelo qual realizaria essas substituições, salvo que o Diretor VALEIXO estaria cansado mas, mais uma vez, o Declarante reitera que o cansaço do diretor VALEIXO era oriundo das pressões por suas substituição e de superintendentes;

QUE o Presidente também reconheceu que uma da causas para a troca seria a falta de acesso a relatórios de inteligência da PF, mas que, como o Declarante já esclareceu acima, o Presidente já detinha esse acesso, do que legalmente poderia ser acessado, via SISBIM e ABIN;

QUE ademais, como dito acima, nunca houve pelo Presidente, um pedido ao Declarante de algum relatório específico de inteligência propriamente dito e que, portanto, não teria sido atendido;

QUE, quanto às informações ou relatórios sobre investigações sigilosas em curso, o Presidente nunca pediu nada da espécie ao Declarante ou ao Diretor VALEIXO, até porque, ele sabe que não seria atendido.;

QUE o Presidente também alegou como motivo da exoneração de VALEIXO uma suposta falta de empenho da Polícia Federal na investigação de possíveis mandantes da tentativa de assassinato perpetrada por ADÉLIO;

QUE a Polícia Federal de Minas Gerais fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto, com a presença do Declarante, do Diretor VALEIXO, do Superintendente de Minas Gerais e com delegados responsáveis pelo caso;

QUE na ocasião, o Presidente não apresentou qualquer contrariedade em relação ao que lhe foi apresentado;

QUE essa apresentação ao Presidente decorreu da sua condição de vítima e ainda por questão de Segurança Nacional, entendendo o Declarante que não havia sigilo legal oponível ao Presidente pelas circunstâncias especiais;

QUE a investigação sobre possíveis mandantes do crime não foi finalizada em razão de decisão judicial contrária ao exame do aparelho celular do advogado de ADÉLIO;

QUE o Presidente tinha e tem pleno conhecimento desse óbice judicial;

QUE o Declarante entende que antes do final das investigações não é possível concluir se ADÉLIO agiu ou não sozinho e que, de todo modo, o Declarante, ao contrário do que afirmado publicamente pelo Presidente da República na data de hoje (02 de maio de 2020) jamais obstruiu essa investigação, ao contrário, solicitou à Polícia Federal o máximo empenho e ainda chegou à informar à AGU, na pessoa do Ministro ANDRÉ MENDONÇA, da importância de que a AGU ingressasse na causa para defender o acesso ao celular, não pelo interesse pessoal do Presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional;

QUE o Presidente, no pronunciamento de sexta-feira 24 de abril, também reclamou da falta de empenho do Declarante e da Polícia Federal para esclarecer as declarações do porteiro de seu condomínio acerca do suposto envolvimento do Presidente no assassinato de MARIELE e ANDERSON;

QUE tal reclamação não procede pois foi o próprio Declarante que solicitou a atuação do MPF e da Polícia Federal na apuração do caso e a Polícia Federal colheu depoimento do porteiro no qual ele se retratou, além de realizar outras diligências;

QUE, após pronunciamento do Presidente da República, no qual este afirmou que o Declarante mentia, e que ainda teria condicionado a troca do Diretor Geral à nomeação do Declarante ao Supremo Tribunal Federal, o Declarante, ao responder consulta do Jornal Nacional sobre o que foi dito pelo Presidente, reputou necessário, para restabelecer a verdade dos fatos encaminhar ao Jornal Nacional as mensagens trocadas com o Presidente na manhã do dia 23 de abril de 2020, e ainda a troca de mensagens com a Deputada Federal, CARLA ZAMBELLI, pessoa muito ligada ao Presidente, a qual, inclusive, estava no pronunciamento do Presidente;

QUE nas mensagens com a Deputada, fica clara a posição do Declarante de rejeitar a possibilidade de aceitar a substituição do Diretor Geral e o nome de ALEXANDRE RAMAGEM como condição para sua indicação ao STF;

QUE de todo modo tal ofensa ao Declarante sequer faz sentido, pois se tivesse interessado na indicação ao STF, teria simplesmente aceito a substituição;

QUE lamenta muito ter repassado as mensagens trocadas em privado, mas que não teria como aceitar as afirmações feitas pelo Presidente no pronunciamento dele, a respeito do Declarante; Perguntado: Como o Presidente da República reagia a respeito de operações da Polícia Federal desencadeadas em razão de mandados deferidos pelo Supremo Tribunal Federal? Havia algum interesse específico do Presidente da República sobre alguma investigação em curso no STF? respondeu QUE no tocante às indagações, o Presidente enviou ao Declarante a mensagem da manhã do dia 23 de abril de 2020 com o link de matéria de jornal a respeito do Inquérito no STF contra deputados bolsonaristas, e agregou que este, seria “mais um motivo para a troca na PF”;

QUE o Declarante esclareceu ao Presidente que a Polícia Federal cumpria ordens nesse inquérito, mas o Declarante entende que o Presidente jamais poderia ter elencado esse Inquérito como motivo para a troca do diretor Geral da PF;

QUE deve ser indagado ao Presidente os motivos dessa mensagem e o que ele queria dizer;

QUE há uma outra mensagem do Presidente sobre esse tema ora disponibilizada;

QUE o Presidente jamais pediria ao Declarante ou Diretor VALEIXO qualquer interferência ou informações desse Inquérito porque sabia que nem o Declarante, nem o Diretor VALEIXO atenderiam uma solicitação dessa natureza;

QUE o Declarante gostaria de sintetizar as provas que pode indicar a respeito do seu relato;

QUE inicialmente indica como elementos de prova o depoimento do Declarante;

QUE, segundo, a mensagem que recebeu do Presidente da República no dia 23 de abril de 2020 e as demais mensagens ora disponibilizadas;

QUE, terceiro, todo o histórico de pressões do presidente de troca do SR/RJ, por duas vezes e do DG e que, inclusive, foram objetos de declarações públicas do próprio Presidente da República, inclusive em uma delas com invocação de motivo inverídico para a substituição do SR/RJ, ou seja, a suposta falta de produtividade;

QUE quarto, as declarações efetuadas pelo Presidente da República em seu pronunciamento, nas quais ele admite a intenção de trocar dois superintendentes, inclusive, novamente o do Rio de Janeiro, sem apresentar motivos, também admite a substituição do Diretor VALEIXO invocando motivo inconsistente, já que o cansaço do Diretor era provocado pelas próprias pressões do Presidente, também admite que um dos motivos para a troca era obter acesso ao que ele denomina relatórios de inteligência quando, na verdade, o Presidente já tinha acesso a informações de inteligência produzidos pela PF através da SISBIN e da ABIN, ou seja, já tinha ele acesso à toda informação de inteligência da PF à qual ele tinha legalmente acesso;

QUE, quinto, as declarações do Presidente no dia 22 de abril de 2020, na reunião com o conselho de ministros, e que devem ter sido gravadas como é de praxe, nas quais ele admite a intenção de substituir o superintendente do Rio de Janeiro, o Diretor Geral e até o Ministro, ora Declarante, e também admite no mesmo contexto sua insatisfação com a informação e no que ele denomina relatórios de inteligência da PF aos quais afirma que não teria acesso, o que, como já argumentado, não é verdadeiro;

QUE, sexto, podem ser requisitados à ABIN os protocolos de encaminhamento dos relatórios de inteligência produzidos com base em informações a ela repassadas pela PF e que demonstrariam que o Presidente da República já tinha, portanto, acesso às informações de inteligência da PF as quais legalmente tinha direito;

QUE, sétimo, esses protocolos podem ser também solicitados à Diretoria de Inteligência da PF;

QUE, oitavo, as declarações apresentadas pelo Declarante, podem ser confirmadas entre outras pessoas, pelo DPF VALEIXO, pelo DPF SAAD, pelos SRMG, e pelos ministros militares acima mencionados;

QUE, nono, o Declarante disponibiliza, neste ato, seu aparelho celular para extração das mensagens trocadas, via aplicativo Whatsapp, com o Presidente da República (contato “Presidente Novíssimo”) e com a Deputada Federal CARLA ZAMBELLI (contato Carla Zambelli II) e que são as relevantes, no seu entendimento, para o caso,

QUE o Declarante esclarece que não disponibiliza as demais mensagens pois tem caráter privado (inclusive as eventualmente apagadas), ou se tratam de mensagens trocadas com autoridades públicas, mas sem qualquer relevância para o caso, no seu entendimento;

QUE o Declarante esclarece que tem só algumas mensagens trocadas com o Presidente, e mesmo com outras pessoas, já que teve, em 2019, suas mensagens interceptadas ilegalmente por HACKERS, motivo pelo qual passou a apagá-las periodicamente,

QUE o Declarante esclarece que apagava as mensagens não por ilicitude, mas para resguardar privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive, questões de interesse nacional;

QUE, além da mensagem acima mencionada, o Declarante, revendo o chat de conversa com o Presidente identificou várias outras mensagens que podem ser relevantes para a investigação, inclusive outra mensagem sobre o Inquérito no STF e outra com determinação do Presidente de que o Dr. VALEIXO seria “substituído essa semana a pedido ou ex-ofício”, além de outra com indicativo de desejo dele de substituição do SR/PE;

QUE o Declarante destaca ainda mensagens que, de maneira geral, amparam outras declarações prestadas pelo Declarante como a de que comunicava ao Presidente operações sensíveis, após deflagração; Aberta a palavra ao Declarante para esclarecimentos adicionais:

QUE respeitosamente, diante das declarações públicas do Presidente da República, entende que caberia a ele esclarecer os motivos das sucessivas trocas pretendidas do SR/RJ, da troca efetuada do DG da Polícia Federal, bem como que caberia a ele esclarecer que tipo de informação ou relatório de inteligência da PF pretendia obter mediante interação pessoal com o DG ou SR/RJ, além de esclarecer que tipo de conteúdo pretendia nesses relatórios de inteligência, já que já tinha acesso à produção de inteligência da PF via SISBIN e ABIN e igualmente esclarecer porque essa demanda reiterada no dia 23 de abril de 2020 ao Declarante justificaria as substituições do Diretor Geral, de superintendentes e até mesmo do Ministro da Justiça e Segurança Pública;

QUE, por fim esclarece, diante das ofensas realizadas pelo Presidente da República, que o Declarante permanece fiel aos compromissos de integridade e transparência, bem como de autonomia das instituições de controle, superiores a lealdade pessoais;

Consigno a presença dos Procuradores da República ANTÔNIO MORIMOTO JUNIOR, Matrícula 1088, HERBERT REIS MESQUITA, Matrícula 1383 e JOÃO PAULO LORDELO GUIMARÃES TAVARES, Matrícula 1464, os quais foram designados pela Procuradoria Geral da República para este ato, conforme autorizado pelo Ministro Relator, os quais realizaram questionamentos complementares ao longo deste ato. Nada mais disse e nem lhe foi perguntado. Foi então advertido(a) da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço em face das prescrições do Art.224 do CPP.

Encerrado o presente que, lido e achado conforme, assinam com a Autoridade Policial, com o Declarante, com os Advogados, GUILHERME SIQUEIRA VIEIRA, OAB/PR 73938, VITOR AUGUSTO SPRADA ROSSETIM, OAB/PR 70386 e RODRIGO SANCHEZ RIOS, OAB/PR19392, que apresentaram procuração para ser juntada aos autos, e comigo ……………………………… FRANCISCO ANTONIO LIMA DE SOUSA, Escrivã(o) de Polícia Federal, Matr. 17990, lotado(a) e/ou em exercício nesta DICOR/PF, que o lavrei.

‘Moro, Você tem 27 superintendentes, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’

Em março, durante viagem aos Estados Unidos junto de Valeixo, Moro afirmou ter recebido mensagem de Bolsonaro solicitando, novamente, a substituição da superintendência do Rio de Janeiro, então comandada pelo delegado Carlos Henrique. Segundo o ministro, a mensagem tinha o teor: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

Moro disse ter esclarecido Bolsonaro que não nomeia e nem é consultado sobre as escolhas de superintendentes, que tal prerrogativa é de competência do diretor-geral da PF. Ainda na viagem, a troca de Valeixo do comando voltou a ser mencionada e Moro alega que até aventou a ‘possibilidade de atender o presidente para evitar uma crise’.

Porém, Moro relatou que ‘não poderia aceitar a troca da Superintendência Regional do Rio de Janeiro’. “A partir de então, cresceram as insistências do presidente para a substituição tanto do diretor-geral quanto do superintendente”, disse o ex-ministro.

Valeixo então declarou a Moro que ‘estava cansado’ da pressão que sofria para a sua substituição e para a troca de comando da PF no Rio e que por esse motivo que concordaria em sair. O ex-juiz afirma que não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro. Por essa razão, apesar das resistência, Moro concordou em trocar o comando da PF desde que o novo diretor-geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não próxima do presidente.

Ao ser questionado se as trocas solicitadas por Bolsonaro estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente ou seu grupo político, Moro disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto elas evoluíam.

O ex-ministro disse que, à medida que cresciam as pressões para trocar os comandos da Polícia Federal, Bolsonaro lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que ‘precisava de pessoas de sua confiança para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência’. Questionado se haviam desconfianças do Planalto em relação a Valeixo, Moro disse que isso deve ser indagado diretamente ao presidente.

‘O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios’

Moro relatou à PF que o presidente retomou a cobrança pela troca de comando da PF em reunião ministerial no dia 22 de abril – dois dias antes do ex-juiz anunciar sua demissão.

“O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça”, relatou Moro.

As reuniões foram gravadas e o próprio Bolsonaro ameaçou divulgar as gravações, mas recuou. O encontro contou com a presença de todo o primeiro escalão do governo e servidores da assessoria do Planalto.

Segundo Moro, as alegações de Bolsonaro de não receber informações da PF não é verdadeira. O ex-ministro alega que informava as ações realizadas pela PF, resguardando o sigilo das informações e comunicando operações sensíveis após deflagração das operações de buscas e prisões.

Isso ocorreu, por exemplo, durante operações que miraram o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, indiciado no esquema do Laranjal do PSL, e o senador Fernando Bezerra, ‘mas que essa informações não abrangiam dados sigilosos’.

Quanto a relatórios de inteligência de assuntos estratégicos e de segurança nacional são inseridas pela diretoria de inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações juntamente com dados de outros órgãos e as apresenta ao presidente da República.

Segundo Moro, a acusação de Bolsonaro que não tinha acesso a relatórios da PF ‘não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN’.

Segundo Moro, Bolsonaro nunca solicitou a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo de demissão de Maurício Valeixo na chefia da PF. Moro diz que o presidente nunca pediu relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais porque ele e Valeixo ‘jamais violariam o sigilo de investigação policial’.

‘Mais um motivo para a troca’

No dia seguinte à reunião ministerial, Bolsonaro enviou a Moro mensagem pelo WhatsApp com um link de notícia do portal O Antagonista sobre inquérito que mirava aliados políticos do Planalto.

Acompanhado do link, a mensagem: ‘Mais um motivo para a troca’. Moro disse que ficou ‘apreensivo’ com a mensagem e que se reuniu com Bolsonaro no mesmo dia, às 9h, e que neste encontro o presidente afirmou que demitira Valeixo a pedido ou por ofício, e que Ramagem seria indicado por ‘uma pessoa de confiança do presidente, com o qual ele poderia interagir’.

Moro disse que informou ao presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia. O ex-ministro disse que poderia trocar Valeixo, ‘desde que houvesse uma causa’, mas não havia nada disso.

Bolsonaro teria lamentado, mas disse que ‘a decisão estava tomada’.

Moro afirmou que se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Walter Braga Netto (Casa Civil) e informou que os motivos pelos quais não aceitaria a substituição de Valeixo, também declarou que deixaria o governo e seria obrigado a falar a verdade

Na ocasião, Moro também falou dos pedidos de relatórios de inteligência da PF e que inclusive teria sido objeto de cobrança de Bolsonaro nas reuniões do conselho ministerial, ocasião na qual o ministro Augusto Heleno informou que o relatório que o presidente queria não tinha como ser fornecido.

Os ministros se comprometeram a demover o presidente da ideia e que retornou ao Ministério da Justiça ‘na esperança da questão ser solucionada’. À tarde, após a imprensa noticiar o atrito entre Moro e Bolsonaro e seu ultimato ao governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos ligou para saber ‘se seria possível uma solução intermediária’, citando os nomes de Fabiano Bordignon ou Disney Rosseti.

Antes de dar uma resposta definitiva, Moro disse que procuraria Valeixo, que concordou com o nome de seu número dois, Disney Rosseti, para assumir o cargo. Moro então retornou a Ramos, afirmando que essa seria a única mudança e que não concordava com trocas no comando da PF do Rio. O ministro palaciano ‘ficou de levar a questão para o presidente’ e dar um retorno, que não veio.

Quando a notícia da exoneração de Valeixo foi publicada na noite do dia 23 de abril, Moro questionou Ramos sobre o caso, que alegou não ter informações oficiais. A saída de Valeixo foi confirmada durante a madrugada, quando da publicação da exoneração no Diário Oficial da União – ‘o que tornou irreversível’ a demissão de Moro.

Moro frisou, à PF, que não assinou o decreto que exonera Valeixo e que não passou por ele nenhum pedido escrito ou formal do ex-diretor-geral pedindo demissão. Segundo Moro, Valeixo o contou que teria recebido ligação do Planalto informando que ele seria demitido no dia seguinte, e foi perguntado se poderia ser ‘a pedido’.

Avaliação de crimes de Bolsonaro ‘cabe às instituições competentes’, afirmou Moro

Durante o depoimento, Moro explicou que após o decreto com a exoneração de Valeixo tornar ‘irreversível’ sua permanência no governo, decidiu prestar as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de seu pedido de demissão.

O ex-ministro disse à PF que ‘narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes’.

No entendimento do ex-juiz da Lava Jato, havia ‘desvio de finalidade’ na demissão de Valeixo, seguida posteriormente pela nomeação de Alexandre Ramagem, pessoa próxima à família Bolsonaro, e as trocas de superintendentes regionais da PF.

“Tudo isso sem causa e que viabilizaria ao Presidente da República interagir diretamente com esses nomeados para colher, como admitido pelo próprio presidente, o que ele chamava de relatórios de inteligência, como também admitido pelo próprio presidente”, disse Moro.

O ex-ministro afirmou que Bolsonaro, em pronunciamento na tarde do dia 24 de abril, após seu anuncio de demissão, ‘não esclareceu o motivo pelo qual realizaria essas substituições’.

Caso Adélio: ‘Polícia Federal fez amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente

Sérgio Moro rebateu as acusações de que teria ‘obstruído’ as apurações do caso Adélio Bispo, que ainda investigam se houve suposto mandante do atentado contra o presidente, em setembro de 2018. O primeiro inquérito apontou que o esfaqueador agiu sozinho. Um segundo está travado na Justiça devido à liminar que impede a análise do advogado Zanone Oliveira, que defendeu Adélio no caso.

Segundo Moro, a Polícia Federal de Minas fez ‘um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019’. As informações foram repassadas em reunião no Palácio do Planalto com a presença do ex-ministro, Maurício Valeixo, o superintendente da PF em Minas e delegados responsáveis pelo caso.

As informações deste caso, excepcionalmente, foram repassadas à Bolsonaro devido à sua condição de vítima e por ser um caso de Segurança Nacional. Moro relatou que o presidente tinha ‘pleno conhecimento’ que as investigações sobre supostos mandantes do crime estavam travadas por ‘óbice judicial’ e que, sem a conclusão das apurações, ‘não é possível concluir se Adélio agiu ou não sozinho’.

Ao contrário do que acusou Bolsonaro, Moro disse que ‘jamais obstruiu essa investigação’. Ao contrário, o ex-ministro alega que pediu ‘máximo empenho’ da Polícia Federal na investigação e informou a Advocacia-Geral da União, então chefiada por André Mendonça, que ingressasse na ação judicial que bloqueia a quebra do sigilo do ex-advogado de Adélio. O caso está no STF.

Segundo Moro, as requisições foram feitas ‘não pelo interesse pessoal do presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional’.

Em relação ao caso do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, ouvido nas investigações do assassinato de Marielle Franco e que implicou Bolsonaro, Moro afirmou que as acusações de ‘falta de empenho’ feitas pelo presidente não são verdadeiras. O ex-ministro relembrou que foi ele mesmo quem pediu, pelo procurador-geral da República, que oitivas fossem conduzidas com o porteiro, que acabou se retratando.

As nove provas de Moro contra Bolsonaro

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública relatou à Polícia Federal que tem nove provas que confirmariam as suas acusações de ‘interferências políticas’ do presidente Jair Bolsonaro no comando da corporação.

Entre as provas indicadas por Moro, além do seu próprio depoimento, estão as mensagens trocadas com Bolsonaro, na qual o presidente encaminha notícia do portal O Antagonista sobre inquérito da PF mirar aliados políticos do Planalto e diz: ‘Mais um motivo para troca’. Segundo Moro, outras mensagens também foram disponibilizadas à PF.

Moro cita protocolos de relatórios de inteligência produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), produzidos com base em informações repassadas pela Polícia Federal e que eram entregues ao presidente, que provariam que Bolsonaro já tinha acesso a informações de inteligência que legalmente tinha direito.

Os depoimentos futuros do ex-diretor-geral Maurício Valeixo e do ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, poderiam provar as acusações de Moro sobre a insistência de Bolsonaro em trocar o comando da corporação fluminense. No ano passado, Saadi foi exonerado do cargo por motivo familiar e o presidente tentou emplacar um nome de sua confiança alegando que a exoneração era por ‘falta de produtividade’, justificativa rechaçada pela cúpula da PF.

Moro também lista ‘todo o histórico’ de declarações públicas de Bolsonaro em que pressionava a troca de comando da PF Rio, desde agosto do ano passado, e as recentes, sobre as mudanças na direção-geral da corporação.

O ex-juiz afirmou à Polícia Federal que deletou mensagens antigas do seu aparelho após sofrer uma invasão hacker, em 2019. Segundo Moro, a atitude ocorre ‘não por ilicitude, mas para resguardar privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive questões de interesse nacional’.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.