Desembargadores e juízes criticam atos de Gilmar Mendes na Lava Jato

“O Gilmar Mendes está pisando na Constituição do Brasil e nos códigos penal e criminal da nação. Gostaria de ver um cabra muito macho para acabar com essa farra”

POR FREDERICO VASCONCELOS – Folha de São Paulo

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é um juiz muito bem informado. Deve saber o grau de apoio e de resistência dentro da magistratura às suas decisões e declarações.

O que o cidadão comum talvez não saiba é que, nos últimos dias, aumentaram as manifestações de insatisfação –dentro dos tribunais– com o andar da carruagem e o papel exercido por Gilmar Mendes nos julgamentos da Lava Jato.

Gilmar Mendes sempre demonstrou desassombro ao defender suas posições, despreocupado em desagradar juízes ou membros do Ministério Público. Há dez anos, criticou os magistrados pelo que chamou de “covardia institucional” ao receber “denúncias ineptas” oferecidas pelos procuradores.

Não se intimidou quando cerca de 400 juízes assinaram manifesto em apoio ao juiz federal Fausto Martin de Sanctis, que contrariou o ministro ao decretar a prisão do banqueiro Daniel Dantas.

O fato novo é que as críticas a Gilmar nesta semana partiram de desembargadores ponderados, que não costumam jogar lenha na fogueira, e de juízes que refizeram sua avaliação anterior sobre o ministro Edson Fachin.

O Blog preserva as fontes, mas transcreve algumas dessas opiniões:

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– “Estamos diante de um típico caso de impeachment. Acho que nós, juízes de verdade, que trabalhamos de sol a sol, incansavelmente, em prol da Justiça, teríamos de nos mobilizar, exigindo um posicionamento da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)”.

– “Em sala de aula, valendo-me da liberdade de cátedra, há muito, em razão de fatos semelhantes, envolvendo essa mesma figura, já dei início à campanha”.

– “O Gilmar Mendes está pisando na Constituição do Brasil e nos códigos penal e criminal da nação. Gostaria de ver um cabra muito macho para acabar com essa farra”.

– “Sei da história de gente que se suicidou, depois de ter vendido empresa, perdendo tudo no investimento, feito com o dinheiro da venda, no tal Grupo X. Acho que está na hora de lançarmos uma campanha na base do boca a boca”.

– “Quando da indicação do Ministro Fachin, manifestei minhas dúvidas sobre a correção da indicação. Pois bem. Engulo minhas palavras. Eu talvez seja quem tem certezas além do que deveria. Fachin brilha. Além de, corajosamente, mandar o pedido de impeachment de Gilmar Mendes para parecer do Janot, ainda resolveu enviar o pedido de Habeas Corpus de Palocci para o Plenário do STF apreciar”.

– “A decisão colegiada –-principalmente a do Plenário do Supremo-– tem uma legitimidade imensa, e Fachin, também corajosamente, a prestigiou, em detrimento do que outros integrantes da segunda Turma pensariam, isto é certo. Esta é a opinião (sobre enviar ao Plenário) de 90% dos juízes com que falei”.

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É compreensível o pedido de preservação das fontes. Como diz um desembargador, “não poderia assumir publicamente a bandeira do impeachment, nem comentar o caso julgado pelo ministro, porque eu, diferentemente do que ocorre com ele, respeito a Lei Orgânica da Magistratura”.

A propósito, sobre os limites para manifestações públicas de magistrados, continua atual a nota divulgada em dezembro de 2016 pela Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), transcrita a seguir.

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NOTA DA AJUFESP

A Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul vem a público esclarecer que o Estatuto da Magistratura (Lei Complementar 35/1979, aplicável a todos os magistrados do Brasil) proíbe aos magistrados que manifestem “por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, inciso III). Além disso, a Lei Complementar 35/1979 exige que todos os magistrados mantenham “conduta irrepreensível na vida pública e particular” (art. 35, inciso VIII).

Também assim o Código de Ética da Magistratura Nacional, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2008, quando o órgão e o STF eram presididos pelo Ministro Gilmar Mendes.

Nesse contexto, causa espécie a sem-cerimônia com que o próprio Ministro Gilmar Mendes, magistrado do Supremo Tribunal Federal, vem reiteradamente violando as leis da magistratura e os deveres éticos impostos a todos os juízes do país, valendo-se da imprensa para tecer juízos depreciativos sobre decisões tomadas no âmbito da Operação Lava Jato e mesmo sobre decisões de colegas seus, também Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Nada impede que o Ministro Gilmar Mendes, preferindo a função de comentarista à de magistrado, renuncie à toga e vá exercer livremente sua liberdade de expressão, como cidadão, em qualquer dos veículos da imprensa, comentando – aí já sem as restrições que o cargo de juiz necessariamente lhe impõe – o acerto ou desacerto de toda e qualquer decisão judicial.

Enquanto permanecer magistrado da mais alta Corte do país, porém, a sociedade brasileira espera que ele se comporte como tal, dando o exemplo de irrestrito cumprimento das leis do país e dos deveres ético-disciplinares impostos a todos os juízes. 

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