Em apenas 45 dias, 18 mil venezuelanos pedem para ficar no Brasil

Fugindo da fome, da escassez de medicamentos e do desemprego no país comandado por Nicolas Maduro, 18 mil venezuelanos buscaram atendimento na Superintendência da Polícia Federal de Boa Vista, em Roraima, nos primeiros 45 dias de 2018, em busca de refúgio ou autorização temporária de residência no Brasil. Apenas na manhã de ontem, uma fila quilométrica, formada por 1,2 mil imigrantes, aguardava atendimento na porta da PF assim que o dia amanheceu.

O número de solicitações de refúgio em Boa Vista nos primeiros 45 dias deste ano já é maior que todos os pedidos feitos no país (17,8 mil) durante o ano de 2017. Uma média de 600 venezuelanos tem buscado atendimento a cada dia na PF de Boa Vista. O crescimento é exponencial. Em 2014, apenas 207 venezuelanos pediram refúgio. O montante cresceu em 2015 (821) e disparou a partir de 2016 (3.354).

Nas ruas da capital de Roraima, onde a reportagem do GLOBO circulou durante todo o dia de ontem, os grupos de imigrantes estão em cada esquina, pedindo esmola ou em busca de qualquer trabalho que lhes renda uns trocados. As praças públicas estão lotadas de refugiados vivendo sob barracos improvisados, com lona ou papelão. As informações são de PATRIK CAMPOREZ –  O Globo.

Os sinais de pobreza e miséria estão presentes até nos acampamentos públicos, onde voluntários e agentes sociais se queixam de que a ajuda do Estado não chegou efetivamente. No maior acampamento de refugiados de Roraima, um ginásio de esportes localizado na região central de Boa Vista, 700 imigrantes vivem sob lonas improvisadas e cozinham em fogareiros precários montados no chão. Para evitar brigas por alimentos e entrada de drogas no acampamento, a Polícia Militar mantém um contêiner no local. A Defesa Civil e dezenas de voluntários também se revezam no atendimento às famílias que não param de chegar do país vizinho.

Apesar do esforço, o controle de quem entra e sai dos alojamentos é precário. Na tarde de ontem, voluntários da Organização das Nações Unidas (ONU) tentavam fazer esse levantamento em alguns pontos de concentração de imigrantes, mas não se sabia nem ao menos a quantidade de crianças que tem atravessado a fronteira.

Por volta das 19h de ontem, dois padres celebraram uma missa para dezenas de fiéis em um dos acampamentos. Rezavam principalmente pelas crianças, as maiores vítimas dessa tragédia social.

No último sábado, a confirmação de um caso de sarampo provocou alarde no governo local, que desde então vacinou mais de 500 venezuelanos. Na tarde de ontem, mais um caso suspeito, de uma criança de três anos, estava sob análise.

Pelo menos outros três acampamentos de refugiados — dois públicos e um mantido por instituições não governamentais — também têm acolhido os imigrantes. Um desses acampamentos foi montado em Pacaraima, município na fronteira com a Venezuela por onde entra a maior parte dos imigrantes.

Quem não consegue vaga em abrigo, depende da ajuda da população de Boa Vista, que costuma entregar pães e água nos pontos de maior concentração de imigrantes. Ruben Pario Gonsales, 57 anos, deixou o estado de Bolívar, na Venezuela, há duas semanas. Veio para a capital de Roraima com a família. São seis filhos e seis netos. Conseguiram chegar a Pacaraima de carona, em cima de caminhões.

Após passar pelo núcleo de migração da PF, a família precisou caminhar por mais quatro dias até chegar a Boa Vista. Desde então, vive na Praça Simon Bolívar, ao lado da rodoviária internacional de Boa Vista, próximo à região central da capital.

— Na cidade de onde eu venho tem muita gente passando fome. Falta comida, não tem emprego. Na Venezuela estamos vivendo uma crise fatal — lamenta Ruben.

Todas as crianças da família têm de 1 a 7 anos. Três delas ficaram doentes na última noite, com febre e tosse. Ruben acredita que as crianças pegaram um resfriado porque, durante a noite, serenou bastante e a família encontrou apenas pedaços de pano e de papelão para se cobrir. As crianças não receberam atendimento médico.

— A gente chega a passar um dia sem comer. O brasileiro tem sido muito solidário com a gente. Mas tem muito companheiro nosso nas ruas. É difícil ajudar todo mundo. O que luto agora é para conseguir um emprego. Só quero uma vida digna para minha família — afirma o patriarca, que pretende trazer três irmãos para Boa Vista assim que conseguir estabilidade no Brasil.

O imigrante tem no currículo a passagem por três petroleiras venezuelanas, da época em que o país era presidido por Hugo Chávez.

— O governo Maduro mente. Diz que está tudo bem, enquanto nossos irmãos morrem de fome. Precisam gastar o salário de um mês se quiserem comprar arroz e um pedaço de carne.

Ontem, o presidente Michel Temer assinou medida provisória para enfrentar a crise migratória de venezuelanos em Roraima. Para a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita, a ajuda oferecida pelo governo federal é um bom início, mas além de ter chegado tarde, não dará conta da crise humanitária. A principal ação anunciada, a interiorização, tem a meta tímida de realocar mil imigrantes em 90 dias. Segundo ela, por dia, chegam a entrar 500 novas pessoas procurando abrigo.

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