‘Envelhecer não significa estar condenado a sofrer de demência’, diz neurocientista da UFRJ

A relevância de suas descobertas sobre demência levou o neurocientista brasileiro Mychael Lourenço a ser considerado pela prestigiosa revista Nature Medicine um dos 11 jovens cientistas mais promissores do mundo em 2023. Lourenço tem 33 anos, é professor adjunto do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Cientista do Nosso Estado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Ele estuda como fatores ambientais, a exemplo do estresse e do sedentarismo, aumentam o risco de desenvolver a doença de Alzheimer. Também investiga os momentos iniciais da degeneração do sistema nervoso. Desdobramentos de seus estudos podem ajudar a combater o Alzheimer, a perda de memória e complicações do envelhecimento.

Como sua carreira evoluiu tão depressa numa área complexa e disputada como a neurociência?

Penso que tenha a ver com o meu imenso interesse em compreender como a vida funciona desde criança. Sempre quis ser professor. Mas, quando entrei na UFRJ para cursar biologia, me apaixonei pela ciência, por produzir conhecimento e quis ser cientista. Sou fascinado por entender a neurodegeneração, o processo pelo qual as células nervosas mudam e deixam de cumprir suas funções e que está diretamente ligado às demências, como o Alzheimer.

Que mudanças são essas?

São alterações na forma como as células se desenvolvem e funcionam. Hoje sabemos que não existe uma causa única para a demência, seja ela o Alzheimer ou qualquer outra. É um processo extremamente complexo, que se desenrola por anos antes do surgimento dos primeiros sintomas. A ideia simplista de que a demência era resultado do ataque aos neurônios de placas de proteínas, como a beta-amiloide, está ultrapassada porque é só parte de um processo muito mais complexo. Quero contribuir para desvendar esses mecanismos e identificar meios de evitar a neurodegeneração.

Mas a degeneração da memória e do cérebro de forma geral não é uma consequência normal do envelhecimento?

Há um momento da vida em que todo mundo começa a ter falhas de memória. Isso é normal. Mas por que algumas pessoas têm apenas falhas esporádicas e se mantêm lúcidas e ativas em idade avançada enquanto outras afundam na demência até perder a própria identidade? Não sabemos. Busco respostas na forma como nossas células reagem a insultos acumulados ao longo da vida, como o estresse, poluição, infecções, obesidade, sedentarismo, tabagismo.

Não há também componentes genéticos?

Certamente. Mas a perda de função do cérebro tem uma natureza complexa e é resultado de interações de fatores genéticos com ambientais. Somente cerca de 1% das demências é de fato preponderantemente ligada a genes específicos.

As demências estão em crescimento no mundo. É uma consequência do aumento da expectativa de vida?

Sim, mas não apenas isso. Sem dúvida, o envelhecimento é um fator essencial e é preciso entender as mudanças que acarreta. Mas envelhecer não significa estar condenado a sofrer demência. Já sabemos que nosso modo de vida influencia a forma como nosso cérebro envelhece. Há fatores de risco, como obesidade, sedentarismo e estresse. Há males da nossa vida contemporânea que causam estresse que não existiam antes e isso afeta o cérebro.

Você destacaria alguns?

A cobrança por aumento da produtividade a qualquer preço, a hiperconectividade, tudo isso gera um estresse permanente para o qual a maioria de nós não tem válvulas de escape.

Você integrou o grupo que identificou que a irisina, uma substância produzida durante o exercício, tem efeito protetor. Se exercitar é uma forma de proteger o cérebro?

Sim. A atividade física é fundamental para a saúde do cérebro. Quando nos exercitamos, uma cascata de substâncias químicas é produzida. A atividade física modula o tipo de substância, a dose, a forma e o momento em que é liberada. Por isso, acredito que nunca haverá uma pílula do exercício. É um processo complexo demais para ser reduzido a um comprimido.

Ainda não há um diagnóstico precoce preciso para o Alzheimer. Estamos perto de encontrar um?

Estou otimista de que sim. Busco os momentos iniciais da demência, que surgem anos antes dos sintomas porque quando eles se manifestam, os danos já são grandes demais. Encontrar esses sinais facilitará o diagnóstico. Mas diagnóstico sem opção de tratamento não resolve. Não adianta muito uma pessoa descobrir que está fadada a um destino que não pode mudar. Porém, acredito que conhecer esses processos levará também a tratamentos mais eficientes.

Na semana passada, os EUA autorizaram uma nova droga contra o Alzheimer. Quão promissora ela é?

Há dois anos havia apenas quatro remédios contra o Alzheimer. E nenhum era eficaz. Amenizavam alguns sintomas e por pouco tempo. Em 2021 uma nova droga (aducanumab) foi aprovada, mas ela é cara (cerca de US$ 56 mil por ano), tóxica e não funciona bem. Semana passada, porém, outro remédio (lecanemab) foi aprovado nos EUA. Ainda é caro (US$ 26 mil por ano), não é o ideal, mas é o primeiro a deter por um tempo a progressão da doença. Não é a solução, mas abre um caminho para medicamentos mais eficientes. Estes serão remédios que atuarão apenas nos processos que impedem a comunicação entre as células, as sinapses, mas não afetarão outras funções do cérebro.

Este mês também foi anunciada a descoberta de uma nova estrutura cerebral. Qual a importância dela?

Primeiro, por si só, a descoberta de uma nova estrutura no cérebro já evidencia como ele é complexo e ainda pouco compreendido. Essa meninge está ligada à eliminação de substâncias tóxicas. Estudos já mostraram que nas demências as meninges não funcionam bem. Então temos mais uma pista, mais um elemento para compreender a perda de memória e de cognição. Há muitas coisas que vem sendo descobertas.

Como o que?

O cérebro tem revelado uma grande plasticidade para reagir e se adaptar a insultos, como pequenas coisas do dia a dia acumuladas por anos —sedentarismo, por exemplo. Além disso, hoje a ciência sabe que nossas memórias são modificadas ao longo de nossa vida. São construídas e reconstruídas. E isso é bom, pois nos ajuda na adaptação a novas situações. Pense num restaurante frequentado por um casal que se separou. A memória inicial do restaurante, como um lugar romântico e agradável, certamente não será mais a mesma após a separação. E mesmo nos casos de Alzheimer, estudos sugerem que, ao menos por um tempo, não há uma erosão total da memória.

Pode explicar?

Algumas pesquisas sugerem que no Alzheimer as memórias não são apagadas. Elas estão lá, em algum lugar. É como se estivessem numa sala fechada cujo acesso fosse bloqueado por uma senha. A pessoa com a doença esqueceu a senha. Ela não consegue mais alcançar suas lembranças. Mas alguns estímulos, vez por outra, trazem momentos de lucidez e de lembranças. Já se sabe que alguns pacientes têm a memória parcialmente ativada por música.

Se há até novas estruturas que desconhecemos, quão longe estamos de avanços significativos contra doenças como o Alzheimer?

Sou otimista que, nos próximos anos, descobriremos mecanismos que ajudarão a diagnosticar os processos que levam às demências cedo, e retardar ou até evitar que se manifestem.

 

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