Cidades como Rio e São Paulo criaram megaferiados para tentar conter a propagação do novo coronavírus e o número crescente de casos, que estão levando ao colapso hospitalar. Mas, para muitos, feriado é sinônimo de passeio, festa e viagem. A infectologista e superintendente da Associação Saúde da Família, Maria Eugênia Fernandes Pedroso de Lima, alerta que esses dias podem ter profundo impacto na sociedade, agravando ou aliviando a pandemia.

Por que criar feriados para conter a pandemia?

O feriado é um mecanismo que o setor público e o governo encontraram para fazer com que as pessoas permaneçam em casa. E para que com isso a gente consiga, à semelhança do que ocorreu em Portugal ou Araraquara (interior de São Paulo), que as pessoas não precisem circular. Mas o que a gente tem verificado, não sei se por cultura local, é que esses feriados são interpretados pela população como uma oportunidade de se divertir. Muitas pessoas, especialmente jovens, aproveitam esses feriados, seja quais forem, para viajar para resorts, ir à praia, fazer churrasco, juntar a turma e se aglomerar.

A população entende o objetivo dessas ações?

Sou infectologista e venho da equipe que trabalhava com Aids em São Paulo, e nas pesquisas a gente constatava que as pessoas tinham informação sobre a doença e sua transmissão. Tenho certeza de que, se fizermos um estudo agora sobre Covid, como é transmitida, o que precisa fazer e a situação dos hospitais, as pessoas vão saber, mas nem sempre essa informação é introjetada para refletir em mudança de comportamento.

Por que a população não adere a essas ações de proteção?

Quando se fala de mudança de comportamento, complica. Por vários fatores, um deles é a percepção de risco: acontece com outro, não comigo. É o outro que não pode sair. Outra mentalidade equivocada é aquela fatalista: “Ah, se é para morrer prefiro ver minha família”, ou “se tiver que acontecer, vai acontecer”. Mas o destino depende das escolhas que a gente faz. O que a gente também ouvia na época da Aids era que o parceiro, aquele que se ama e confia, não precisava de preservativo. Da mesma forma, pensam que com as pessoas de que gostam não é preciso usar máscara. A riqueza, a beleza, o vínculo afetivo, o físico dão falsa percepção de proteção.

As pessoas precisam pensar qual é o papel delas, não adianta as autoridades e a mídia bombardearem de informação se não é usada para seguir as medidas de prevenção, que são distanciamento social, uso de máscara (trocando e lavando) e higienização constante das mãos. É preciso entender que esses dias podem ser a diferença entre viver ou morrer, você, seu familiar, seu amigo ou um conhecido.

Como fazer as pessoas aderirem? É uma questão de punição?

As estratégias de medo afastam, fazem as pessoas recuar. Aí a adesão pode ser ainda mais comprometida. Na minha opinião, a gente tem que pegar essas pessoas em quem o povo confia para promover o uso de máscara e isolamento social. No passado, vimos que as pessoas confiavam no Padre Marcelo Rossi. E hoje? Vamos buscar essas pessoas. Pegar alguém que todos consideram “chique” e pedir para dizer nas mídias sociais que usa máscara, está fazendo distanciamento, que se preocupa em proteger sua família.

O que esses dez dias podem representar, epidemiologicamente?

Se esses dias forem de isolamento e distanciamento, eles vão interromper a transmissibilidade do vírus. Assim, num período de 14 dias, haverá uma diminuição substancial no número de novos casos. Vai dar tempo de vacinar mais gente, ter um maior contingente de doses. Precisamos dar tempo também para o sistema de saúde. Não vamos corrigir a resposta tardia, apontar os erros do passado. E agora? Agora é questão de sobrevivência. Precisa saber que esse tempo pode ser a diferença entre viver ou morrer, você, um familiar, um amigo ou conhecido.

O que pode acontecer se as pessoas aproveitarem o feriado para viajar?

Pode acontecer uma mortandade sem precedentes. As taxas de transmissão vão aumentar, vai haver um agravamento do número de casos em que nós médicos e o sistema de saúde ficaremos totalmente impotentes. Por isso estamos pedindo, pelo amor de Deus, para que as pessoas, com seu comportamento, nos ajudem.

O governo parece só ter conseguido um consenso sobre a importância da vacinação, mas não sobre a necessidade de um lockdown.

A resposta para a Covid tem apenas dois caminhos, os dois de prevenção: um é a vacina, e o outro é o comportamento da população. O sistema de saúde está colapsado, e se as pessoas não entenderem que esses feriados são para ficar em casa, vai ter gente morrendo na rua.