A cada Dia das Mães, há sempre uma dúvida quanto ao presente que daremos a ela?
Temos que pensar no valor, no gosto, na utilidade, na moda, nos hábitos etc. Os presentes são ofertados pelo mercado em grande variedade e as pessoas pedem na internet ou buscam nas lojas algo para surpreender as mães. Alguns até ousam escrever poemas em homenagem a ela. E talvez este seja o objeto mais sincero, mas de pouco valor. Em Pico na Veia”, livro de 2002, o escritor curitibano Dalton Trevisan ironizava esta tendência no fragmento narrativo número 73: “Dia das Mães. Quantos crimes literários, ai, mãe, são cometidos em teu nome”.
Chegamos a uma palavra forte. Crime.
Durante esta pandemia, estive duas vezes rapidamente com minha mãe, que mora a mais de 400 quilômetros de onde vivo, sem dormir na casa dele. Foram pouco mais de quatro horas de convivência em todo o período de ataque do coronavírus. Eu mesmo fui contaminado, estive internado e hoje estou provisoriamente com a imunidade alta.
Mais do que em outros dias das mães, neste gostaria de estar alegremente com ela, sem preocupações. Eu teria que viajar de carro durante meio dia, com os riscos na estrada e o perigo de aglomerar na casa dela. Minha família não está vacinada e estamos expostos em nossos trabalhos. Resolvemos então continuar distantes. Será mais um Dia das Mães em atividades emocionais remotas.
O diferente é que este ano minha mãe já recebeu antecipado o seu presente. Pela idade, acabou de tomar a segunda dose da vacina. Não postamos fotos, não festejamos, por entendermos que a maioria das mães brasileiras não tem acesso ainda a esta proteção. De todas as coisas que a pandemia nos priva, a mais cara delas é a convivência. Seja pela morte de pessoas queridas, seja pela internação ou por precaução, fomos afastados abruptamente de nosso círculo de relações.
Com isso, estamos perdendo o hábito de conviver. De abraçar. Quando nos encontramos com pessoas queridas, vem o desejo de contato físico, logo reprimido. Nós nos tornamos mais solitários e será solitário este Dia das Mães, pois não poderemos nos reunir em torno delas.
Tenho certeza de que, nesta data, se os filhos e as filhas pudessem escolher, eles já saberiam o que dar a suas mães. As doses de vacina. Para garantir a segurança de pessoas amadas e aumentar a proteção da maioria.
Mas este item, infelizmente, graças à ignorância política que tomou conta do país, presidido por um robô descontrolado que repete bobagens bêbadas, não está disponível para muitas mães, impedidas assim de receber o presente que seus filhos mais gostariam de lhes dar.
Miguel Sanches Neto é escritor, autor, entre outros, de Museu da Infância Eterna (Ateliê Editorial, 2020).