GDE é facção criminosa nova, atrai adolescentes e tem ‘crueldade como marca’, diz sociólogo

Forró do Gago

Apontada como responsável pela maior chacina da história do Ceará, a Guardiões do Estado (GDE) se caracteriza por cooptar adolescentes que vêm praticando ataques mais violentos do que tradicionais grupos organizados.

O grupo nasceu em Fortaleza há dois anos e se consolidou em 2017. “Hoje já vemos pichações do GDE nos muros. Antes, víamos só do PCC e do CV (Comando Vermelho)”, explica o sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira.

 Segundo o professor, uma das explicações para o crescimento da GDE é que a facção não cobra mensalidade dos integrantes – prática do CV e do PCC. Também seria por essa razão que o movimento vem atraindo jovens.

“O GDE tem como marca uma forte dose de crueldade. É muito preocupante porque é um grupo que ainda está se sedimentando e as próprias regras de disciplina ainda não são totalmente incorporados como são no CV e no PCC. Quando se conhece as regras e bases de sustentação dessas facções, é mais fácil de combater. Por isso, é uma facção que nos preocupa bastante”, diz Barreira. As informações são de  Juliana Diógenes, O Estado de S.Paulo 

O especialista analisa que, pela definição da estrutura hierárquica, as facções criminosas “antigas” como PCC e CV já não despertam o interesse do jovem, que se atrai pelo “novo”.

“Essa consolidação das bases termina afastando um pouco o integrante novo que também quer participar do estabelecimento dessa facção nos locais. É como se estivesse no bojo da própria criação da facção a questão da consolidação hierárquica”, diz. “O jovem tem essa questão da ousadia e também da adrenalina, participa dessas festas e dos bailres. Acredito que também exista a predominância dos jovens no GDE porque é como se o grupo estivesse casando vários desejos ao mesmo tempo”.

Segundo Barreira, o GDE é forte na periferia, principalmente em bairros classificados como mais violentos. Esses locais já estariam sendo mapeados pela polícia. O professor destaca que, no ano passado, a disputa entre facções por bairros de Fortaleza teria expulsado famílias para outros locais.

“Como hoje é muito inseguro a pessoa que mora na periferia dizer que não faz parte de nenhuma facção, muitos terminam nomeando um grupo mais novo que não tem tantas relações ainda com os principais grupos rivais”, diz.

O secretário de Seguramça Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, nega que o Estado tenha perdido o controle para as facções criminosas. Costa comparou o massacre aos atentados terroristas que ocorrem nos Estados Unidos e disse que é um tipo de crime “difícil de evitar”.

Para Barreira, embora não seja possível dizer que o governo perdeu o controle para as facções, a separação de presos por grupos organizados nos presídios do Ceará já revela a “fragilidade” do Estado.

“Estamos chegando em um ponto muito delicado. Se não forem tomadas determinadas atitudes, a situação ficará ainda mais complicada. Mas me parece que o governo ainda tem algum controle da situação no sentido de evitar mortes diárias nos presídios e de conseguir penetrar em todas as áreas da cidade”, afirma o coordenador do LEV-UFC.

Recorde

A maior chacina do Ceará, que deixou 14 mortos na periferia de Fortaleza, ocorre dias após a divulgação das estatísticas criminais pelo governo estadual. Os dados confirmaram que o Estado atingiu em 2017 um número recorde de homicídios em toda a história.

No ano passado, foram 5.134 assassinatos no ano passado, ante 3.407 em 2016. O crescimento é de 50,7%. O maior aumento ocorreu em Fortaleza, que registrou salto de 96,4% na quantidade de homicídios. No ano passado, foram 1.978 assassinatos; em 2016, houve 1.007 registros.

Um grupo de homens fortemente armados invadiu na madrugada de sábado uma festa no bairro Cajazeiras, na periferia de Fortaleza, e atirou contra os participantes. Até as 12h30, a Polícia Civil falava em 14 mortos – a maioria mulheres – e seis feridos em estado grave, entre eles três adolescentes de 16 anos e um de 12. A chacina, considerada a maior da história do Ceará, teria ligação com a guerra de facções criminosas.

A região metropolitana de Fortaleza também registrou aumento: de 801 assassinatos em 2016 para 1.292 no ano passado. O crescimento foi de 60%. Em outubro do ano passado, o Estado já havia registrado o mês mais violento da história. O ano de 2017 foi o mais violento já registrado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) desde que a pasta alterou a mtedologia de contagem de crimes.

A chacina

A festa acontecia na casa noturna Forró do Gago, localizada na Rua Madre Tereza de Calcutá. De acordo com testemunhas que pediram para não se identificar, por volta de 00h30 de sábado, homens que estavam em três carros pararam em frente ao local, desceram e dispararam a esmo contra as pessoas.

Segundo fontes não oficiais, o evento era promovido por integrantes da facção criminosa Comando Vermelho (CV), que nasceu no Rio de Janeiro, e hoje tem forte presença nos presídios nordestinos e domina o tráfico de drogas no Estado do Ceará.

As execuções, de acordo com informações não oficiais, estão sendo atribuídas à facção rival Guardiões do Estado (GDE). Em entrevista coletiva realizada na tarde deste sábado, o secretário de Segurança Pública do Ceará, André Costa, não confirmou que haja ligação da chacina com o crime organizado.

Pessoas sem ligação com as facções estariam entre as vítimas. Elas estariam apenas se divertindo na festa, que é popular na comunidade.

‘Difícil evitar’

Horas após o massacre, o secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, André Costa, afirmou em coletiva de imprensa que a chacina na festa de forró, na periferia de Fortaleza, foi um evento isolado. “No mundo todo, tem situações em que se matam 50 pessoas, 60 pessoas em boates. É uma situação criminosa que foi organizada, que foi planejada e que veio a ser executada”, disse.

“Não é que haja perda de controle. São ações que acontecem inclusive em outros países, como os Estados Unidos. São situações que pessoas entram em um local, tem tiroteio e se mata dezenas de pessoas. É difícil evitar e a população sabe. Mas também tem situações que a inteligência se antecipa e evita e, como evita, não vira notícia. Mas, infelizmente, veio esse fato hoje, que não se conseguiu evitar”, declarou o secretário.

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