Governo mantém sob sigilo condições de acordos com empresas na Lava Jato

Operação Lava Jato, 5 anos

O governo Jair Bolsonaro (PSL) decidiu manter sob sigilo partes essenciais dos acordos fechados nos últimos anos com empresas investigadas pela Lava Jato, ocultando do público as revelações que elas fizeram às autoridades e os critérios adotados para fixar as multas que receberam.

Desde o início da Lava Jato, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) assinaram acordos de leniência com seis empresas, incluindo as duas maiores empreiteiras brasileiras, Odebrecht e Andrade Gutierrez.

Todas reconheceram ter corrompido políticos e funcionários públicos para fazer negócios com estatais como a Petrobras e se comprometeram a cooperar com as investigações, em troca de benefícios como a redução das multas previstas pela legislação e a possibilidade de voltar a contratar com o setor público.

As multas que as seis empresas deverão pagar somam mais de R$ 6 bilhões. As empreiteiras terão até duas décadas para quitá-las e poderão descontar os valores das multas fixadas em acordos semelhantes que assinaram antes com o Ministério Público Federal, para não pagar duas vezes pelos mesmos crimes.

Ricardo Balthazar – Folha de São Paulo

As regras que a AGU e a CGU devem seguir no cálculo das multas estão definidas na legislação, mas os dois órgãos têm mantido em segredo os anexos dos acordos de leniência que detalham as condições em que elas foram aplicadas em cada caso.

Por isso, é impossível saber como foram avaliadas as informações das empresas e qual o peso conferido a circunstâncias atenuantes e agravantes que deveriam ser consideradas. O sigilo também impede a comparação dos benefícios alcançados pelas empresas nas negociações.

O governo decidiu manter em segredo detalhes sobre as irregularidades reveladas pelas empreiteiras e os contratos associados às infrações, mesmo nos casos em que essas informações já se tornaram públicas nos processos a que executivos das empresas e ex-funcionários públicos respondem na Justiça.

Lei Anticorrupção, que criou os acordos de leniência, permite que sejam mantidas sob sigilo informações cuja divulgação possa prejudicar investigações em andamento, mas a AGU e a CGU optaram por preservar também informações sobre estratégias de negociação e dados considerados de interesse comercial pelas empresas.

Com base nesse entendimento, os órgãos divulgaram há duas semanas os termos dos seis acordos de leniência assinados até agora ocultando vários trechos com tarjas pretas, e sem nenhum dos anexos detalhados que acompanham os documentos.

Em nota, a CGU afirmou à Folha que a decisão é amparada pela legislação e não há prazo para levantar o sigilo das informações. “É natural que, na medida em que as investigações sejam concluídas, as informações tarjadas para preservar tais investigações sejam divulgadas”, disse. “Não é possível prever quando isso ocorrerá.”

Questionada sobre a justificativa para manter em segredo informações específicas, como o detalhamento do cálculo das multas e os cronogramas de pagamentos que as empresas devem cumprir, a CGU afirmou que não se manifestaria.

EVITAR DISCUSSÃO PÚBLICA

Cláusulas que regulam o compartilhamento de informações da Odebrecht com outros países em que ela admite ter praticado crimes foram mantidas em sigilo. O valor e a natureza das garantias oferecidas para assegurar o pagamento das multas também. No caso da empreiteira UTC, até o título de um dos anexos virou segredo.

Os seis acordos de leniência concluídos pela AGU e pela CGU foram assinados no governo Michel Temer (MDB), mas só agora foi tomada uma decisão sobre a divulgação dos documentos que fazem parte dos acordos.

O advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, e o ministro Wagner Rosário, que Bolsonaro manteve à frente da CGU, são funcionários de carreira e acompanharam de perto as negociações no governo anterior.

Para advogados que representaram as empresas nas negociações, o objetivo da AGU e da CGU ao manter as informações sob sigilo é evitar que uma discussão pública dos critérios adotados nos acordos reduza a flexibilidade que os dois órgãos têm para negociar com as empresas.

Mas os advogados acham também que o segredo alimenta insegurança jurídica e pode inibir outros interessados em colaborar com o governo. A CGU diz que as próprias empresas pediram que alguns dados fossem preservados, mas não indicou quais.

“O sigilo pode ser importante para investigações em andamento, mas é necessário que esses processos sejam transparentes para que não criem oportunidades para achaques e se transformem eles mesmos em focos de corrupção”, diz o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão.

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