Há 50 anos, Roberto Carlos se apresentava em show ‘secreto’ para detentos de presídio em Natal

A apresentação no presídio foi dia 3 de março de 1972 e a história ganhou notoriedade em uma publicação do jornal O Poti na edição do domingo, no dia 5, com o título “Roberto Carlos deu um show de solidariedade”.

Roberto – que já era um dos cantores mais populares do país naquele momento – estava em Natal para apresentação no Palácio dos Esportes.

O fã e colecionador de álbuns e artigos de Roberto Carlos, Chico Popular, dono de um bar temático do cantor em Natal, tem impressa uma fotografia rara deste dia: Roberto no presídio para o show cercado por convidados da Secretaria de Segurança.

“Um amigo meu me deu essa cópia, dizendo que não serviria para ele, mas que me agradaria muito. Inclusive também me deu um papel com as pessoas que estiveram com Roberto Carlos naquele dia”, contou Chico.

Imagem de Roberto Carlos com funcionário da Secretaria de Segurança e familiares no João Chaves em Natal — Foto: Chico Popular/Acervo pessoal

Imagem de Roberto Carlos com funcionário da Secretaria de Segurança e familiares no João Chaves em Natal — Foto: Chico Popular/Acervo pessoal

O descobridor da história, segundo a reportagem do jornal, foi o fotógrafo Paulo Saulo. Segundo a publicação, o profissional “chegou à redação com a notícia, exigindo segredo absoluto: Roberto Carlos vai fazer um show para os detentos da Colônia Penal, mas ninguém pode ser informado”.

 

‘Um anti-show’

 

O show foi visto pelos presidiários e por alguns funcionários da Secretaria de Segurança e os familiares. A apresentação estava marcada para 17h e Roberto chegou cerca de 30 minutos depois.

O artista estava vestido com uma camisa de malha azul marinho com uma grande estrela vermelha estampada no peito e com uma calça rosa desbotada, além de sapatos pretos.

A reportagem do jornal O Poti trata o show como um “anti-show”, por ser exatamente o contrário do que se previa de Roberto Carlos naquele momento.

“Primeiro: não precisou de proteção da Polícia para evitar o assédio dos fãs. Depois, falhou a aparelhagem de som; o ensaio foi feito na hora; o espetáculo ainda por cima foi interompido porque seu serviço de amplificação só chegou depois do primeiro número e o cantor ficou parado diante do público bem comportado por mais de 20 minutos, estático, salvando o espetáculo apenas por sua boa vontade”, diz a reportagem.

 

Violão ‘empoeirado’ do presídio

 

Uma das curiosidades desse show é que Roberto Carlos começou a tocar na apresentação com um violão que era do próprio presídio.

Ao perguntar se existia um violão no local, “o diretor do presídio traz um coberto de poeira totalmente desafinado. Depois de afinar o violão, mesmo diante de mais de 20 pessoas, o devolve”, diz a reportagem. Apesar disso, “não faz nenhuma reclamação e submete-se a cantar assim mesmo”.

Roberto Carlos ensaiando com o violão do presídio em Natal — Foto: Biblioteca Nacional

O cantor caminhou pelo presídio até a quadra de futebol, onde os detentos o esperavam sem nenhum grito. Como a aparelhagem de som ainda não havia chegado, Roberto avisou da dificuldade para cantar ao ar livre.

 

Ensaio rápido e problemas com som

 

Antes de começar a tocar, Roberto faz um rápido ensaio com “o violão empoeirado”, enquanto aguardava a instalação do som. Em seguida, entrou no espaço para se apresentar.

“Roberto chega sorrindo. Não há corre-corre. A calçada transformada em palco tem apenas uma cadeira que ele usa. A microfonia impede que ouça sua primeiras palavras”, diz a reportagem

Roberto Carlos canta para presos em Natal — Foto: Biblioteca Nacional

“Finalmente dá para se ouvir alguma coisa e Roberto Carlos pega o microfone. Pede desculpas pelo acompanhamento ao violão: ‘É que não toco bem violão e só sei mesmo enganar’. Diz que gostaria de estar com seu conjunto – o RC 7 – mas o show que realizaria dentro de pouco tempo não permitiu a presença de toda a sua equipe”, continua.

O artista canta Detlahes e “somente o silêncio de todos permite que a música possa ser ouvida até o fim. O som era péssimo. O acompahamento ao violão não era escutado, mas Roberto mantinha a mesma dignidade com que se apresenta para as maiores platéias”, cita a reportagem.

 

Equipamento chega e interção com público

 

O jornal diz que os aplausos são interrompido por “‘ah’ geral”, quando o equipamento do cantor chega – entre eles um violão, amplificadores e microfones.

“O espetáculo é novamente interrompido e Roberto fica respondendo às perguntinhas que lhe são feitas pelas mocinhas que conseguiram chegar à Colônia para vê-lo. Ele não se altera. Continua sentado, rindo”.

Depois de mais dez minutos, o show é retomado com “Amada Amante”.

Roberto Carlos no pátio do presídio João Chaves, em Natal, em 1971 — Foto: Biblioteca Nacional

“Canta mais dois números na mesma linha e diz que a hora é de se afugentar tristezas e por isso vai apresentar uma ‘musiquinha alegre'”. Em seguida, canta “Vista a roupa meu bem”.

“Faz piadas bastante diferentes daquelas que apresenta normalmente nos seus shows, e vira-se para um auxiliar para dizer baixinho: ‘Estou improvisando, bicho'”, relata o jornal.

 

Comportamento diferente

 

A reportagem diz que “nenhuma vez Roberto Carlos falou em prisão, tentou fazer demagogia, disse que estava cantando de graça ou procurou ser piegas”.

Após cantar “Jesus Cristo”, música com a qual encerrava suas apresentações, dessa vez “não necessitou de sair correndo ou da proteção dos cordões de isolamento”.

“Terminou de cantar e permaneceu no seu lugar, quando teve um contato mais direto com os presos. Recebeu uma segunda talha (a primeira, do ex-detento Enock, que falava em ‘paz, amor e alegria’, lhe foi entregue na chegada pela esposa do secretário de segurança), um Cristo, de Manoel, um homem de meia idade, pálido e já careca”.

O “espetáculo improvisado”, como define a reportagem de O Poti, terminou por volta das 19h. “Roberto volta ao microfone para agradecer aos presentes e dizer que cantando mandou sua mensagem”, cita.

“Apesar da falta de organização e da improvisação (para alguns o segredo do seu sucesso está no ‘planejamento e numa organização realmente empresarial’) o anti-show foi um sucesso. Sucesso pela sua boa vontade e autenticidade, uma vez que os jornalistas presentes não souberam dessa apresentação por pessoas do seu staff. Era alguém que queria dar alguma coisa a alguém que necessita. Alegria e amor para quem vive por trás das grades”, conclui.

Reportagem completa do O Poti de domingo, 5 de março de 1972 — Foto: Biblioteca Nacional

 

Veja a reportagem completa da época

 

“Participando de um anti-show, Roberto Carlos negou tudo o que conseguiu construir em quase 10 anos de sucesso: primeiro, não precisou de proteção da Polícia para evitar o assédio dos fãs: depois falhou a aparelhagem de som; o ensaio foi feito na hora; o espetáculo ainda por cima foi interompido porque seu serviço de amplificação só chegou depois do primeiro número e o cantor ficou parado diante do público bem comportado por mais de 20 minutos, estático, salvando o espetáculo apenas por sua boa vontade.

A apresentação estava prevista para as 17 horas, mas somente 30 minutos depois chegava o cantor, usando uma camisa de malha azul marinho com uma grande estrela vermelha, calça rosa desbotada e sapatos pretos, cantando normalmente, sem proteção policial, atendendo as mocinhas que depois dos primeiros impulsos pararam as gritarias e o acompanharam normalmente para o interior da Colônia Penal João Chaves, onde realizou – de graça – uma apresentação para os 217 detentos que ali cumprem pena, além de alguns funcionários da Secretaria de Segurança e seus familiares.

O fotógrafo Paulo Saulo chegou à redação com a notícia, exigindo segredo absoluto: Roberto Carlos vai fazer um show para os detentos da Colônia Penal, mas ninguém pode ser informado. O show vai começar às 17 horas.

Um bom assunto para reportagem, além do show em si, havia um outro ângulo a ser explorado: o comportamento da plateia.

Na Colônia, o movimento era desusado. Alguns radialistas, fotógrafos, funcionários de Secretaria e seus familiares. Alguns não acreditavam na ida do cantor, principalmente quando o tempo passava da hora prevista. Os detentos, entretanto, estavam certos da presença de Roberto. “Foi o coronel Rubens que prometeu”, afirmava um homem de meia idade, barba por fazer, carrancudo, que usava a farda de mescla azul dos que cumprem pena.

De perto, Roberto Carlos desarma qualquer um pela sua simplicidade. Pergunta logo se a aparelhagem de som havia chegado. Não havia. Pergunta se existe um violão e o diretor do presídio traz um coberto de poeira totalmente desafinado. Depois de afinar o violão, mesmo diante de mais de 20 pessoas, o devolve depois de fazer um ligeiro co-que seu pessoal chegasse para instalar a aparelhagem de som, mas não faz nenhuma reclamação e submete-se a cantar assim mesmo.

Caminha pelo grande corredor do presídio e chega até a quadra de futebol de salão onde os detentos, disciplinadamente, o esperavam, sem nenhum grito. Diz que sem som não dá para cantar ao ar livre e o pessoal da administração vai providenciar a instalação de sua aparelhagem.

Roberto percebe então que não havia feito nenhum ensaio e resolve ensaiar, levando debaixo do braço o violão empoeirado. Na quadra, a dificuldade era ligar o amplificador “Delta” de um só alto-falante, de “corneta”.

Como acontece nos shows improvisados, alguém tem que encher o tempo e o Cel Rubens Pereira aproveita a oportunidade para falar aos detentos e agradecer a presença de Roberto Carlos para quem pede uma salva de palmas. Nesta oportunidade chega o fotógrafo Dany Cooper pela porta onde devia entrar Roberto, e percebe a maior ovação de sua vida.

Ninguém notava o crepúsculo pela boa iluminação oferecida pelos nove potentes refletores que iluminam a quadra, e quando o amplificador finalmente (depois de 20 minutos) funciona, todos aplaudem.

Roberto chega sorrindo. Não há corre-corre. A calçada transformada em palco tem apenas uma cadeira que ele usa. A microfonia impede que ouça sua primeiras palavras. Um funcionário da Secretaria resolve dar uma de apresentador e, para não fugir à regra, começa a dizer bobagens, mas o público gosta.

Finalmente dá para se ouvir alguma coisa e Roberto Carlos pega o microfone. Pede desculpas pelo acompanhamento ao violão: “é que não toco bem violão e só sei mesmo enganar”. Diz que gostaria de estar com seu conjunto – o RC 7 – mas o show que realizaria dentro de pouco tempo não permitiu a presença de toda a sua equipe.

Canta “Detalhes” e somente o silêncio de todos permite que a música possa ser ouvida até o fim. O som era péssimo. O acompahamento ao violão não era escutado, mas Roberto mantinha a mesma dignidade com que se apresenta para as maiores platéias.

Os aplausos são interrompidos por um “ah” geral, quando o equipamento (apenas uma pequena parte) de som do cantor chega – seu violão, uma bateria de oito amplificadores de som “Semprini”, duas caixas sonoras e dois microfones.

O espetáculo é novamente interrompido e Roberto fica respondendo às perguntinhas que lhe são feitas pelas mocinhas que conseguiram chegar à Colônia para vê-lo. Ele não se altera. Continua sentado, rindo.

Depois de mais dez minutos se volta a ouvir o Roberto Carlos consagrado: o mesmo timbre de voz suave cantando “Amada Amante”.

Canta mais dois números na mesma linha e diz que a hora é de se afugentar tristezas e por isso vai apresentar uma “musiquinha alegre”. É “Vista a roupa meu bem”.

Faz piadas bastante diferentes daquelas que apresenta normalmente nos seus shows, e vira-se para um auxiliar para dizer baixinho: “Estou improvisando, bicho”.

Para um cantor que tem um público delirante que muitas vezes o impede a cantar sozinho, o bom comportamento do público parece afetá-lo e Roberto ensaia um corinho para acompanhá-lo numa valsinha. Os rostos marcados pela dureza do cárcere, uniformizados nos mesmos uniformes de um azul desbotado se suas fardas, atendem ao seu apelo e pela primeira vez suas bocas se abrem.

Nenhuma vez Roberto Carlos falou em prisão, tentou fazer demagogia, disse que estava cantando de graça ou procurou ser piegas. Entrava para o seu oitavo número, “Jesus Cristo”, música com a qual sempre encerra suas apresentações. Só que dessa vez não necessitou de sair correndo ou da proteção dos cordões de isolamento.

Terminou de cantar e permaneceu no seu lugar, quando teve um contato mais direto com os presos. Recbeu uma segunda talha (a primeira, do ex-detento Enock, que falava em “paz, amor e alegria”, lhe foi entregue na chegada pela esposa do secretário de segurança), um Cristo de Manoel, um homem de meia idade, pálido e já careca.

Já são 19h. O espetáculo improvisado terminou. Roberto volta ao microfone para agradecer aos presentes e dizer que cantando mandou sua mensagem. Apesar da falta de organização e da improvisação (para alguns o segredo do seu sucesso está no “planejamento e numa organização realmente empresarial”) o anti-show foi um sucesso. Sucesso pela sua boa vontade e autenticidade, uma vez que os jornalistas presentes não souberam dessa apresentação por pessoas do seu staff. Era alguém que queria dar alguma coisa a alguém que necessita. Alegria e amor para quem vive por trás das grades”

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