Lei prevê que CBF e Flamengo podem ser responsabilizados por incêndio

Incêndio no Flamengo matou 10 pessoas

A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e o Flamengo podem ser responsabilizados pelo incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do clube na sexta-feira (8) que matou dez pessoas. 

A confederação é, segundo a Lei 9.615, chamada de Lei Pelé, obrigada a certificar clubes formadores de atletas. A mesma legislação prevê responsabilidade ao Flamengo.

Advogados ouvidos pela Folha analisaram e detectaram omissão da CBF no caso. A confederação concedeu ao Flamengo o certificado de clube formador, garantindo assim o funcionamento de seu CT, que não possuía permissão da prefeitura para ter alojamentos no local incendiado, previsto para funcionar como estacionamento.

À Folha, a CBF disse que emitiu certificado de clube formador à agremiação em 2017 e confirmou que não fiscalizou o local, passando essa responsabilidade para a FERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro). Na Lei Pelé está escrito que essa responsabilidade é da “entidade nacional”. 

“Cabe à federação estadual a qual o clube é filiado elaborar parecer conclusivo acerca do preenchimento dos requisitos para obtenção do Certificado, após verificação, análise documental e avaliação in loco. À CBF, cabe a revisão de conformidade da documentação enviada pela federação estadual com as normas referidas, podendo, caso necessário, solicitar à federação a complementação ou correção de documentos”, afirmou a CBF. 

A federação do Rio, por sua vez, disse que “não tem a função e a competência inerente aos órgãos públicos e, em relação ao processo de certificação de clube formador, esclarece que recebe a solicitação das agremiações, acompanhada da respectiva documentação comprobatória do cumprimento da Lei Pelé, do cumprimento Resolução da Presidência da CBF e seus anexos I e II, bem como do cumprimento da Resolução da Presidência da FERJ”.

O certificado do CT do Flamengo é de março de 2017 e tem validade de dois anos—até março de 2019.

A resolução da presidência da CBF estabelece os requisitos que o clube precisa demonstrar e que a confederação precisa averiguar, para conquistar o título de clube formador, segundo prevê a Lei Pelé. Entre as exigências, são abordadas as questões dos alojamentos dos atletas e da segurança envolvida. 

Já a resolução da presidência da FERJ também estabelece inspeção nos locais de moradia. Para advogados que conversaram com a Folha, CBF e Flamengo pode ser responsabilizada pelo ocorrido.

“É possível se cogitar em responsabilidade do Flamengo, e até mesmo da CBF, por não ter cumprido seu dever de fiscalização, pela violação ao disposto na Lei Pelé, que determina que o clube formador está obrigado a ‘manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade’”, afirmou o advogado Bruno Fagali, mestre em direito pela USP.

A Lei Pelé prevê que o clube formador é obrigado a indenizar a família de atletas. 

“Independentemente do motivo, eles vão ter que indenizar pelo seguro obrigatório do artigo 45 da lei Pelé. Caso seja apurado responsabilização do Flamengo na causa do acidente ai já partimos para responsabilidade civil”, afirmou o advogado Leonardo Laporta, especialista em direito esportivo.

O artigo 45 da Lei Pelé fala que as entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

Para o advogado João Henrique Chiminazzo, mestre em direito desportivo pela Universidade de Lleida, os diretores e o clube podem ser responsabilizados pelo incêndio. 

“Se ficar comprovado, o Flamengo pode ser responsabilizado civilmente com pagamento de indenização para as famílias das vítimas, e seus diretores também pode ser responsabilizados criminalmente”, afirmou Chiminazzo.

Já o especialista em direito desportivo Márcio Cruz também acredita que o clube pode ser responsabilizado, se comprovada a negligência.

“Primeiramente é importante se ter cautela ao apontar ao clube responsabilidades sem a devida investigação e, de acordo com o que for apurado, aí sim atribuir a devida responsabilização. Na legislação civil está previsto que quem causar dano ao outro, mediante ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violando seus direitos comete ato ilícito, no artigo 186 do Código Civil, e terá o dever de indenizar, pelo artigo 927 do Código Civil)”, analisou o advogado.

“E, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 5º,  prevê que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, havendo punição na forma da lei para quem atentar, por ação ou omissão os seus direitos fundamentais. Assim, uma vez apurado mediante provas e perícias técnicas que o clube agiu de forma negligente, extrapolando os conceitos do ‘homem médio’, poderá ser responsabilizado civil e criminalmente, devendo reparar os danos causados”, disse Cruz.

A área em que o Flamengo construiu o alojamento de suas categorias de base tinha permissão da prefeitura para funcionar apenas como estacionamento. O Flamengo ainda não se manifestou sobre o assunto. A Prefeitura do Rio divulgou em nota que a atual licença do CT tem validade até oito de março de 2019.

O Ninho do Urubu fica localizado no bairro de Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e é utilizado para treinamentos do elenco profissional e das categorias de base.


Alex Sabino Catia Seabra e Diego GarciaFolha de São Paulo

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