Mais de 50% das leis contra a violência doméstica não saem do papel no RN

Relatório de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE/RN) apontou que mais da metade das leis aprovadas para o combate à violência contra a mulher que necessitam de ações por parte do Estado para sua implementação ou acompanhamento, não estão implementados ou não possuem medidas efetivas de monitoramento e fiscalização para garantir sua execução adequada. Como consequência, a auditoria avaliou que isso compromete a política de combate à violência contra as mulheres e provoca a perda de credibilidade da legislação.

Para combater a violência de gênero, são adotadas diversas medidas legais e de proteção, tais como a implementação de leis específicas de proteção à mulher, a criação de abrigos para vítimas de violência doméstica, a disponibilização de linhas diretas de emergência, além da realização de programas de conscientização e educação.

A fiscalização do TCE foi realizada com o objetivo de avaliar a eficácia e a eficiência das ações governamentais, seja em planos ou programas, em prol da erradicação dessa violência durante o período 2019-2021, incluindo o impacto da pandemia. Para este recorte, encontrou 12 normas sem implementação identificadas e 5 com necessidade de monitoramento e fiscalização.

No atual cenário do RN, as ações de combate à violência contra a mulher são respaldadas por um conjunto de leis elaboradas com o objetivo de proteger as vítimas e promover a igualdade de gênero além de uma rede de serviços especializados e instrumentos de proteção, sendo estas coordenadas pela Secretaria de Estado da Mulher, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH). A maioria dessas normas foi criada após o estabelecimento da secretaria.

“Ao analisar os normativos relacionados ao enfrentamento da violência contra as mulheres no Estado, identificamos um aspecto importante: a maioria dessas normas foi criada após o estabelecimento da SEMJIDH, ou seja, após 2019. Contudo, em resposta ao questionário eletrônico (B7), a SEMJIDH destacou que existem leis e regulamentos que não estão sendo efetivamente implementados devido à necessidade de ações governamentais”, diz o relatório.

Entre as leis não implementadas, estão a que cria o aplicativo (APP) “SOS Mulher”; a que garante a gratuidade de novas vias de documentos que indica e a prioridade no atendimento às vítimas e seus filhos; a que cria o Dossiê da Mulher Potiguar; a que prevê reserva de vagas para mulheres vítimas nas empresas contratadas pelo Estado. Além disso, também é cobrada a efetivação das leis que criam Fórum Estadual de Enfrentamento, o Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres (CEDIM) e o Programa Estadual de Enfrentamento da Violência Doméstica e Familiar, que também institui um Centro de Apoio às Vítimas (CEAV).

Já as que necessitam de monitoramento compreendem a lei que obriga condomínios residenciais informarem casos de violência doméstica em suas dependências aos órgãos de segurança pública; a que obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotarem medidas de auxílio e segurança à mulher que se sinta em risco; e leis que instituem campanhas de prevenção e de informação sobre os tipos de violência, canais de denúncias e leis que versam sobre o tema.

Além da falta de efetivação de programas e medidas estabelecidas em leis e regulamentos, o TCE também apontou a deficiência na territorialização das ações, ausência de atuação efetiva dos mecanismos estabelecidos com a sociedade civil, a fragilidade na articulação entre os diferentes atores envolvidos, a falta de uma base de dados integrada e acessível, a fragilidade nos mecanismos de acompanhamento e assistência às vítimas, a ausência de informações sobre recursos de forma desagregada para avaliação da efetividade das ações, a falta de um planejamento em nível estadual para o combate à violência contra as mulheres e a insuficiência de ações de formação e capacitação continuada dos profissionais envolvidos nos programas fiscalizados.

É importante apontar que um dos achados na auditoria do TCE compreende o número de Boletins de Ocorrências registrados sobre mulheres que foram violentadas. Em 2019 foram 1.920 e, desde então, a quantidade subiu de forma expressiva, passando para 4.159 em 2020; depois 6.541 no ano seguinte e chegando aos 8.640 em 2022.

Já o número de feminicídios oscilou. Foram 21 em 2019, mas caiu para 13 em 2020. No ano seguinte, subiu para 20 e reduziu para 16 em 2022.

Secretaria aponta avanços na política

Wanessa Fialho, subsecretária de Políticas para Mulheres do Governo do Estado, diz que o Governo trabalha na perspectiva de minimizar danos e que houve descontinuidade das políticas públicas voltadas às mulheres nos últimos anos em nível nacional. Por essa razão, o trabalho está focado em recuperar o prejuízo. Para tanto, ela conta que algumas iniciativas já tinham sido efetivadas e contemplavam outras semelhantes, o que normalmente não é considerado numa auditoria. Além disso, após a fiscalização do TCE, outras ações foram implementadas.

Algumas dessas o TCE já aponta que foram normatizadas, como o Programa Maria da Penha (Lei nº 10.097/2016), Projeto Casa Abrigo (Lei nº 10.722/2020), campanhas em bares e restaurantes (Lei nº10.986/2021), promoção de ações educativas nas escolas (Lei nº 10.330/2018) e a disponibilidade da Delegacia Virtual, regulamentada pela Lei nº 10.726/2020.

“Temos tentado correr atrás desse prejuízo, visando ampliar serviços e equipamentos de atenção especializada. Devido a toda a questão estrutural, de investimentos, inclusive da própria secretaria que tem apenas 5 anos, precisamos observar leis mais robustas que absorviam outras”, disse ela.

Um exemplo é a campanha nos bares e restaurantes prevista em lei e a ativação do “Ônibus Lilás”, que percorre cidades do estado com a campanha “Maria Vai à Cidade”. Segundo a gestora, essas atendem a questões propostas em outras leis correlatas porque focam em prevenir todas as formas de violência contra as mulheres, além de outros serviços que são oferecidos como Ouvidoria dos Direitos Humanos e serviços visando a empregabilidade das vítimas.

Já para o Dossiê da Mulher Potiguar, ela diz que há umaa dificuldade. “Tem que fazer o cruzamento de dados de violência entre saúde, Assistência Social e Segurança Pública. A gente precisa de investimento em tecnologia para garantir a implementação dessa lei”, afirma Fialho.

Contudo, ressalta que isso já está encaminhado porque a Secretaria de Saúde Pública (SESAP/RN), contratou uma empresa para fazer serviço semelhante parametrizando dados de violência contra mulher. Em diálogo com a secretaria da Mulher, vai incluir dados das outras pastas, cumprindo o que pede a lei.

Outra iniciativa é a destinação de 5% das vagas em empresas contratadas pelo Estado para as vítimas. “Para tanto, precisa de um cadastro de mulheres que ainda não temos. Estamos verificando como garantir uma equipe específica para fazer o cadastramento dessas mulheres através de um Grupo de Trabalho com vários órgãos do Estado”, disse a secretária.

Quanto aos Conselho Estadual de Políticas para as Mulheres, o Comitê de Enfrentamento a Violência Doméstica Familiar (CEAV) e o Fundo de Políticas para as Mulheres, já estão em funcionamento, segundo diz, assim como o Plano de enfrentamento a violência que foi incluído no Plano Plurianual para os próximos 4 anos.

Quanto à interiorização, Wanessa Fialho cita o aumento de sete delegacias especializadas (antes eram 4) em municípios pólo do estado, a ampliação da Patrulha Maria da Penha, para mais quatro regiões do estado, sendo que antes era apenas em Natal e parte da região Metropolitana, além das campanhas já citadas que percorrem o estado.

“Quem vê de fora, observa o que ainda tem que se fazer e tem. Mas também tem avanços importantes que são marcos históricos dentro das políticas para as mulheres no Rio Grande do Norte”, disse ela.

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