Ministros de cortes superiores calam sobre palestras pagas

Ministros durante sessão do Supremo Tribunal Federal, em Brasília (DF).

Pagamentos de palestras a ministros dos tribunais superiores são segredos bem guardados em Brasília com a ajuda do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que deixou uma porta aberta para potenciais conflitos de interesses.

Os magistrados não são obrigados a informar publicamente se receberam de empresa ou órgão público para proferir palestras. No ano passado, o CNJ baixou portaria que orienta os juízes a divulgarem suas palestras, mas não se houve remuneração pelas apresentações.

Sem a imposição legal, o silêncio é a tônica. Nos últimos dez dias, a Folha procurou os 87 ministros dos cinco principais tribunais em Brasília: mais de três quartos dos magistrados (76%) preferiram não informar se receberam ou não pagamentos por palestras de empresas e órgãos públicos nos últimos quatro anos (2014-2017).

Apenas 20 ministros responderam que não fizeram palestras pagas. Uma ministra admitiu pagamento simbólico. As informações são de RUBENS VALENTE, Folha de São Paulo.

No Supremo Tribunal Federal, só quatro dos 11 ministros se manifestaram. Todos disseram que não receberam por palestras: Cármen Lúcia, presidente do tribunal, Celso de Mello, o decano da corte, Rosa Weber e Edson Fachin, o relator da Lava Jato.

Preferiram não se pronunciar Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

A assessoria do Tribunal Superior Eleitoral encaminhou à reportagem currículos de Gilmar e Fux com informações sobre palestras proferidas. Contudo, não indica se os eventos foram ou não remunerados.

Palestras de ministros de tribunais superiores têm sido realizadas em escolas particulares e caracterizadas como “aulas magnas”.

No Rio, uma ex-funcionária do grupo educacional Galileo afirmou ao Ministério Público Federal, em acordo de delação, que o ministro Dias Toffoli recebeu R$ 350 mil da empresa por aulas, segundo o site BuzzFeed Brasil.

Na internet há fotos de pelo menos uma “aula magna” proferida por Toffoli em 2012 na Universidade Gama Filho, na época mantida pela Galileo. O ministro não é alvo de investigação.

Palestras pagas a magistrados foram autorizadas pelo CNJ em 2016 por meio de portaria assinada pelo então presidente, Ricardo Lewandowski. Elas foram qualificadas como “atividade docente”.

Tais atividades, porém, não estão listadas textualmente na Constituição ou na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), de 1979, como permitidas a um magistrado.

A Loman fala em “cargo de magistério” e estabelece que o juiz poderá ser punido se for detectado o “exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função”.

Em 2008, como relatora de mandado de segurança, Cármen Lúcia decidiu que o texto da Constituição “vinculou-se a uma proibição geral de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou feição, salvo uma de magistério”.

No TST houve um único caso de ministro que aceitou divulgar à reportagem ter recebido, mas em valores simbólicos e em eventos promovidos pelo Judiciário. Maria de Assis Calsing diz que recebeu pequenos cachês, que oscilaram de R$ 300 a R$ 880, para três apresentações em 2016.

Os valores praticados no mercado são muito mais elevados. Em 2011, por exemplo, Folha revelou que o então presidente do Tribunal de Contas da União, Benjamin Zymler, recebeu R$ 59 mil por um curso de dois dias promovido pela Universidade Federal do ABC.

De lá para cá, em vez de ser reduzida, a prática se propagou no tribunal, alcançando a área técnica.

Uma firma que trabalha com palestras e “produção de eventos”, a Elo Consultoria, divulga em seu site uma listagem de “palestrantes e instrutores” com três ministros do TCU (Zymler, Augusto Sherman e André Luís de Carvalho), um ministro-substituto (Weder de Oliveira) e outros 14 servidores, a maior parte identificada como auditor de controle externo.

Embora braço do Legislativo, o TCU reconhece que segue as diretrizes da Loman.

MAGISTRADOS RESPONDEM

Alguns dos 20 ministros que não foram remunerados acrescentaram comentários sobre o tema. Edson Fachin observou: “Desde sua posse no STF, não aceita, por razões pessoais, receber pagamento por palestra. Os eventos nos quais proferiu palestra constam de agenda pública do ministro e são abertos ao conhecimento público”.

Cármen Lúcia acrescentou que “não cobra e nem nunca cobrou qualquer valor nas palestras que realiza”. Celso de Mello também disse que nunca cobrou por palestras.

No TST, onde 8 de 27 ministros se manifestaram, Maria Helena Mallmann explicou que “não faz palestras ou eventos remunerados ou com ônus de voos, hospedagens etc”.

Maria Cristina Peduzzi, do TST, que não fez palestras remuneradas de 2014 a 2017 (período indicado pela Folha), explicou que “só aceita palestras de ordem institucional (tribunais, escolas, organizações de finalidade acadêmica) e o faz em atenção a compromissos institucionais”.

Dora Maria da Costa disse só ter feito “palestras institucionais em escolas judiciais dos TRTs ou no próprio TST”.

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