Ministros do STF têm dado péssimo exemplo para os magistrados, diz Carlos Velloso

O advogado e ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Velloso, 82, diz que as recentes polêmicas na corte suprema do país podem ter influenciado a decisão do juiz do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) Rogério Favreto de conceder liberdade ao ex-presidente Lula (PT).

Para Velloso, a postura de ministros do STF de não respeitarem decisões do plenário da corte ao votarem nas turmas do tribunal é um mau exemplo que pode influenciar a atuação de magistrados nas instâncias inferiores.

Segundo o ex-ministro, que presidiu o STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não há irregularidade na conduta do juiz Sergio Moro de dar despacho no caso mesmo estando em férias: “Um juiz vocacionado é juiz 24 horas por dia”.

Velloso qualifica de estranha a insistência de Favreto, juiz plantonista, em determinar a soltura de Lula mesmo após o relator titular do caso, Gebran Neto, ter se manifestado pela manutenção da prisão. Flávio Ferreira – Folha de São Paulo

Como o sr. avalia a decisão do juiz do TRF-4 Rogério Favreto de libertar o ex-presidente Lula? 

Considero essa decisão teratológica. Quem mandou prender Lula? Foi o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Este habeas corpus de agora foi requerido a um juiz do próprio tribunal contra uma decisão do tribunal, portanto foi um pedido incabível. Surpreendentemente, o juiz do TRF, dr. Favreto, concede a liminar, como plantonista. É importante indagar: será que isso não poderia esperar até segunda-feira? O que me parece lamentável é que isso costuma ocorrer na Justiça. Um sujeito espera um juiz plantonista ideal para impetrar um habeas corpus, um mandado de segurança, e ter a certeza da obtenção de uma liminar. Isso é velho e conhecido na Justiça.

O juiz Favreto argumentou que a decisão dele não desrespeitou julgamentos anteriores no caso Lula, pois levou em consideração um fato novo, que é a pré-candidatura do ex-presidente e o direito dele de participar do processo eleitoral. Qual sua opinião sobre esse entendimento? 

Esse é um bom argumento, porém, deve ser levado ao juízo competente. É um bom argumento para ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral. Há momentos próprios para isso. Porém não me parece adequado um juiz do próprio tribunal ser acionado com um argumento desse contra uma decisão do seu próprio tribunal. Esse é um tema interessante, mas não pode ser resolvido pelo juiz de plantão. A jurisdição do TRF já se esgotou. Então um tipo de habeas corpus como esse deveria ser encaminhado ao STF ou ao STJ [Superior Tribunal de Justiça].

Como o sr. vê o fato de o juiz Favreto ter sido filiado ao PT, ter trabalhado em cargo na administração de Lula e ter decidido sobre a liberdade do ex-presidente?

O juiz tem liberdade de atuação e é o primeiro juiz de seus impedimentos e suspeições. Em outras palavras, é o senhor de suas boas condições psicológicas para decidir uma questão com imparcialidade. Pressupõe-se que o juiz é um homem íntegro e honesto, em todos os aspectos.

A decisão do ministro do STF Dias Toffoli de libertar o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu também gerou polêmica pelo fato de Toffoli ter sido assessor de Dirceu no governo. 

Os critérios de impedimento e suspeição para os juízes estão no Código de Processo Civil. Os de impedimento são objetivos, como parentesco ou amizade pessoal com as partes. E há aqueles de suspeição, que são de foro íntimo, que o homem honesto sabe avaliar.

A petição dos aliados do ex-presidente foi protocolada após o fim do horário do expediente normal do TRF-4 na sexta-feira, que ia até as 19h, e acabou indo para o juiz plantonista que já havia se manifestado contra medidas do juiz Sergio Moro. Qual sua avaliação sobre essa conduta? 

A defesa está no seu papel. É preciso indagar se também estaria no seu papel o representante da Justiça. Volto a dizer, o juiz é o primeiro senhor de suas boas condições psicológicas para decidir. Agora, é altamente suspeito impetrar um habeas corpus que não tem tanta urgência assim, a pessoa não acabou de ser presa, justamente no plantão. Não são todos que procedem assim, mas é aquela história da defesa no seu papel de tentar fazer algo pelo seu constituinte.

Outro debate que surgiu no domingo foi em razão de o juiz Sergio Moro estar em seu período de férias mas ter se posicionado prontamente contra a decisão de Favreto. Como o sr. avalia essa situação? 

O juiz não é servidor comum que trabalha tantas horas por dia e fecha a gaveta de seu gabinete na sexta-feira e vai para casa passar o fim de semana tranquilamente. O juiz é juiz 24 horas por dia. É assim mesmo que se portam os juízes vocacionados. É possível verificar que Sergio Moro é um juiz vocacionado. Ele procedeu muito bem.

Qual sua opinião sobre a postura do juiz Favreto de insistir na libertação de Lula mesmo após o relator titular do caso no TRF ter decidido pela manutenção da prisão do ex-presidente? 

Acho estranho. É estranhável essa atitude depois de o relator ter se manifestado. E o relator reassumiu a questão. Repito: o juiz está em exercício 24 horas por dia, ele pode estar em um dia de folga e reassume
se entender necessário.

Nos últimos meses vimos muitas decisões polêmicas de libertação tomadas principalmente pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Como avalia o quadro atual no STF? 

O foro privilegiado levou a um número inusitado de ações penais que desfigurou o tribunal. O STF é uma corte constitucional, mas está aparecendo aos olhos da sociedade como um tribunal criminal de segundo grau. É nesse sentido que eu digo que ela passa a ser uma corte de segunda classe.

Têm sido frequentes discussões acaloradas entre ministros do STF e decisões que acabam dependendo das composições de cada turma do tribunal. 

Isso é horrível e é um péssimo exemplo para os tribunais e juízes hierarquicamente inferiores. O plenário estabeleceu em repercussão geral uma tese que precisa ser respeitada por todos os tribunais inferiores, porém turmas ou ministros individualmente não respeitam. Isso é horrível e nunca aconteceu no Supremo Tribunal Federal. Na corte, quando um ministro era vencido e se convencia de que o voto dele era correto, o que ele fazia? Eu fiz isso mais de uma vez: votava adotando o entendimento da maioria, ressalvando o meu ponto de vista em sentido contrário.

O que deve ser feito para reverter esse quadro? 

É preciso ter segurança jurídica. É claro que qualquer jurisprudência não deve criar mofo, deve evoluir, mas com observância de valores e do processo histórico, e não de súbito, de acordo com a vontade de um ou outro ministro ou juiz que se considere mais bem preparado intelectualmente.

Como o sr. vê a divisão do STF em duas turmas, e uma delas ser conhecida como “Jardim do Éden”? 

É horrível, vira uma loteria. Se cair em uma turma ganha, se cair na outra perde. Meu Deus do céu, isso não é papel da suprema corte. Ela precisa estar dividida em turmas, é necessário para dar conta do trabalho. A divisão em turmas já ocorre há anos. Mas, se a turma acha que é hora de reexaminar uma questão, pode remeter ao plenário. Porém, isso não pode ocorrer se a decisão do plenário sobre o tema ocorreu há um ou dois anos.

O que pode ser feito para mudar essa situação de loteria? 

É preciso cada juiz do STF compenetrar-se de que é juiz do STF e que a corte deve ditar a última palavra, mas não poderá dar a última palavra se estiver divergindo entre si. Não devemos ter 11 supremos tribunais federais. O STF é a corte que faz a segurança jurídica realidade, e o prestígio do tribunal decorre do colegiado.

O sr. avalia que as polêmicas recentes no STF possam ter influenciado a decisão deste domingo?

Acho que sim, porque há exemplos que não são bons. É o caso desse de ministros reagirem em relação ao entendimento do plenário, de aplicar um entendimento pessoal seu, que eventualmente tem o concurso de mais um ou dois juízes.

RAIO X

Carlos Velloso, 82

Nasceu em Entre Rios de Minas, em 1936, e se formou em filosofia e em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal por Fernando Collor, em 1990, atuou no STF até 2006, tendo o presidido entre 1999 e 2001; é sócio do escritório Advocacia Velloso e professor emérito da UnB e da PUC de Minas

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