Não podemos censurar técnicas, afirma ministro da Saúde sobre eletrochoque

Médico prepara paciente para receber terapia eletroconvulsiva; risco de complicações é baixo, afirmam especialistas

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse à Folha nesta segunda-feira (11) que o documento que dá aval à compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia no SUS ainda será discutido pela nova gestão, mas defendeu que a prática não seja vetada.

“Vai entrar a nova coordenação de saúde mental e eles vão fazer essa discussão. O que eu quero dizer é que eu não vetaria. Não é função do Ministério da Saúde vetar, nem deixar ideologizar essas discussões. A partir do momento em que essas discussões passam a ser bandeira ideológica, passo a ter problemas”, disse.

Ele defendeu que seja seguida a posição do CFM (Conselho Federal de Medicina), que regula o uso da eletroconvulsoterapia (conhecida como eletrochoque) desde 2002. 

“Se o Conselho Federal de Medicina entende que isso beneficia o paciente em determinada situação, não vamos censurar”, afirma. “Se existe essa técnica e ela tem indicações, não posso proibir. Há procedimentos que talvez choquem muito mais se eu começar a ideologizar a história.”

Criticada por entidades, a liberação da compra de aparelhos consta de nota técnica assinada pelo então coordenador nacional de saúde mental do ministério, Quirino Cordeiro, que deixou o Ministério da Saúde na última semana. A previsão é que Cordeiro assuma a gestão de ações antidrogas no Ministério da Cidadania.

No documento, de 32 páginas, o agora ex-coordenador cita as mudanças ocorridas no último ano desde a aprovação da nova política de saúde mental, como a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e o aumento no valor das diárias nestes locais.

Também explicita outros pontos, como o financiamento de vagas em comunidades terapêuticas e a liberação para compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia.

“Quando se trata de oferta de tratamento efetivo aos pacientes com transtornos mentais, há que se buscar oferecer no SUS a disponibilização do melhor aparato terapêutico para a população. Como exemplo, há a eletroconvulsoterapia, cujo aparelho passou a compor a lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais do Fundo Nacional de Saúde”, informa o texto, segundo o qual a compra desse tipo de aparelho deve ser indicada para tratamento de pacientes “que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas”.

Para Rosana Onocko, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o estímulo à compra desse tipo de aparelho preocupa devido ao risco de uso sem controle. “Uma vez que o SUS já dispõe disso, isso levanta a suspeita sobre quem interessa essas compras”, afirma.

Já na visão de Mandetta, a polêmica “não tem razão de ser”. “Disseram que ia voltar à Idade Média. Não sou louco”, afirmou. “Lógico que aquela cena retratada nos filmes da pessoa tomando eletrochoque gritando amarrada não existe mais, graças a Deus. Mas existem situações dentro de protocolos em que se reconhece esses procedimentos como válidos, sob anestesia geral e para algumas indicações.”

Para Mandetta, embora tenha sido positiva ao representar o fim dos manicômios no país, a reforma psiquiátrica também gerou efeitos indesejados. 

“Os serviços de psiquiatria Brasil afora foram desmantelados com a política antimanicomial. Temos muito a comemorar com essa política, que acabou com manicônios. Mas por outro lado também fomos para uma situação de muita vulnerabilidade no que diz respeito a políticas públicas de psiquiatria”, diz. “Precisamos ter uma estrutura adequada. Isso não significa que o grande investimento vai ser comprar aparelhos de eletroconvulsoterapia. Vejo muita forçação de barra.”

O ministro diz ainda que o documento não passou por outras instâncias do ministério e, por isso, não poderia ser visto como uma nota técnica. “Foi um posicionamento no âmbito desse departamento”, disse. Mas defende as medidas. “Mesmo que seja uma nota dele, ciência se entende no campo da ciência. Eu não vejo como condições passíveis de serem censuradas”, diz. 


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