Jean Paul Prates dá seus últimos suspiros como presidente da Petrobras, mas jamais poderá dizer que deixou de ajudar petistas, sindicalistas, amigos e sua família. Dentre os parentes, auxiliou seu cunhado, Antônio Medeiros, no Serviço Nacional de Aprendizagem e Industrial do Rio Grande do Norte.
A ajuda de Prates a Medeiros se deu no Instituto Senai-RN de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER). Como senador, Prates despejou 1 milhão de reais em emendas parlamentares de julho a novembro de 2022. Também prometeu, já como presidente da Petrobras, outros R$ 90 milhões para desenvolvimento e pesquisa sobre energia eólica.
Não é possível saber quaisquer detalhes dos projetos. O serviço potiguar de aprendizagem disse ao Bastidor que há sigilo sobre a documentação. A comunicação da companhia não respondeu aos pedidos de acesso. A um um pedido via Lei de Acesso à Informação, o Senai respondeu apenas com uma planilha que não dirimia as dúvidas.
Outros 4,8 milhões de reais foram repassados ao ISI-ER por meio de emendas de relator, transferências usadas por parlamentares para esconder quem pediu o pagamento – a prática, conhecida como orçamento secreto, foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal no fim de 2022.
O Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis recebeu ainda, em janeiro deste ano, 8 mil reais da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia. O dinheiro foi pago para capacitação de servidores.
Quase todos os montantes, sejam do orçamento da União ou da Petrobras, foram pagos sem licitação, sempre via convênios ou dispensa de concorrência pública.
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O único montante repassado ao ISI-ER por meio de licitação foram 2,8 milhões que estão sendo pagos por serviços relacionados ao controle de emissões fugitivas – a poluição que escapa das fontes geradoras de energia. Iniciado em janeiro de 2023, o contrato vai até março de 2027 (veja abaixo).
Mesmo tendo sido fundado em 2018 e começado a atuar efetivamente em 2021, o ISI-ER já recebeu da União quase tanto dinheiro quanto o Senai-RN nos últimos 24 anos. O centro de pesquisa recebeu 5,8 milhões de reais nos últimos três anos, enquanto o serviço potiguar de aprendizagem recebeu 8,8 milhões de reais desde 2000, segundo o Portal da Transparência.
E não foi só o ISI-ER que recebeu aportes diretos para pesquisar sobre energia eólica para a Petrobras. O Senai-RN firmou parceria de quase 12 milhões de reais com a Aneel para o desenvolvimento de uma boia usada pela empresa para medir a velocidade dos ventos em alto mar.
Cunhado é parente
Antônio Medeiros é irmão da esposa de Prates, Muriele Medeiros, e próximo do presidente da Petrobras. Esteve na posse do parente no Senado, em 2019, quando este assumiu o posto deixado por Fátima Bezerra, por conta da vitória na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, em 2018.
A proximidade com a política potiguar rendeu frutos a Medeiros, que integrou grupo de trabalho da gestão de Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte para desenvolver projetos de energia eólica. A partir de 2019, o funcionário de carreira passou a conselheiro suplente do Senai-RN.
Em 2021, Medeiros tornou-se diretor do ISI-ER. O posto e a proximidade com Prates lhe garantiram, em 2022, um convite para falar no Senado sobre energia renovável. Sentou na primeira fileira da Comissão de Infraestrutura, em frente ao cunhado.
Apoio na política e na Petrobras
Os projetos do ISI-ER contam ainda com apoio de Davi Alcolumbre. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado é um entusiasta declarado do projeto. Apoiou Prates em vários momentos e direcionou 5 milhões de reais para o início de um estudo similar no Amapá.
O apoio às empreitadas da Petrobras no ISI-ER não se restringem a Prates. Clovis Correa da Silva Neto, contratado como consultor especial da presidência da companhia após ter sido demitido durante a privatização da BR Distribuidora, é um dos entusiastas. Já esteve, ao lado de Medeiros, em reuniões do instituto com o governo federal.
Outro funcionário da Petrobras que torce pelo projeto é Carlos Augusto Barreto, gerente executivo de tecnologia da companhia, que também participou de reuniões com o ISI-ER. É amigo de escola de Prates, dos tempos do colégio São Bento, no Rio.
O Bastidor questionou a Petrobras, em dois momentos, sobre as informações apresentadas nesta reportagem. O primeiro foi em 6 de março; o segundo, nesta sexta-feira (5). A companhia não respondeu nas duas ocasiões.
Em março, a reportagem pediu acesso aos documentos do contrato de 2,8 milhões de reais firmados com o ISI-ER em janeiro deste ano, assim como uma lista com todos os convênios que a Petrobras tem com o Senai-RN.
Hoje, um mês depois, encaminhou as seguintes questões:
- Foram anunciados aportes de 90 milhões da estatal no ISI-ER para pesquisa e desenvolvimento em energias renováveis e produção de hidrogênio verde. Quanto já foi pago? Qual a duração da parceria?
- Os contratos estão em sigilo? A empresa pode fornecê-los, assim como os documentos correlatos?
- O ISI-ER recebeu emendas do atual presidente da empresa, Jean Paul Prates, em 2022. Qual o objetivo desses aportes?
- O compliance da empresa não viu conflito no fato de o aporte da Petrobras ter sido direcionado a um instituto que tem entre os diretores o cunhado de Prates, Antônio Medeiros?
- O presidente não viu conflito de interesse no aporte ao ISI-ER?
- Qual o papel de Carlos Augusto Barreto no convênio com o Senai-RN e o ISI-ER?
- Qual o papel de Francisco Alves de Queiroz Neto no convênio com o Senai-RN e o ISI-ER?
A Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte, que responde pelo Senai potiguar, também foi questionada sobre o caso, assim como Antônio Medeiros. Não responderam até a publicação desta notícia.