A empresa americana de combustíveis Gulf, que pretende aumentar sua participação no mercado de abastecimento do Brasil com até 200 postos de gasolina ainda este ano, ofereceu um jantar para autoridades brasileiras durante a Semana do Brasil em Nova York, em maio.
O jantar ocorreu no badalado restaurante Cipriani, em Manhattan, e contou com a presença do senador Ciro Nogueira, do PP do Piauí. Nogueira é presidente nacional do seu partido e um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, de quem foi ministro da Casa Civil.
Anfitriã do evento, a Gulf revende no Rio de Janeiro e em São Paulo combustível da distribuidora Fit Combustíveis, com quem assinou uma parceria em 31 de maio de 2023.
A Fit pertence ao grupo Refit (antiga Refinaria de Manguinhos), o maior devedor contumaz do Brasil, com dívidas bilionárias de ICMS, sobretudo em São Paulo e no Rio. O montante é cerca de R$ 20 bilhões somados, valor que o grupo não reconhece (veja posicionamento abaixo).
Ciro Nogueira, um dos convivas no jantar, curiosamente, tem sido um dos principais articuladores de mudanças no projeto de lei que cria a figura do devedor contumaz, tema discutido no Congresso desde 2017.
Há duas semanas, Nogueira apresentou duas emendas que, particularmente, chamaram a atenção do setor de distribuidores de combustíveis. As propostas foram incluídas no Projeto de Lei Complementar 125/2022, em tramitação no Senado.
Relatado pelo senador Efraim Filho, o texto considera “inadimplência reiterada e substancial” de tributos federais dívidas de valor igual ou maior a R$ 15 milhões ou superior a 30% do faturamento do ano anterior. Nos casos de estados e municípios, há previsão de um ano para aprovação de leis próprias que passem a tratar do devedor contumaz. Caso, ao fim do prazo, não tenham sido feitos esses ajustes, o parâmetro federal valerá para estados e municípios.
Uma das emendas de Ciro Nogueira ao projeto de lei propôs excluir da possibilidade de caracterização de devedor contumaz empresas que atuem em setores nos quais há “forte influência estatal” sobre a formação de preços — no caso dos combustíveis, a Petrobras seria esse fator.
A outra emenda de Nogueira tratou de propor que, em setores fiscalizados por agências reguladoras, como o de combustíveis, por exemplo, as agências façam uma avaliação da qualidade do serviço das empresas. Conforme a proposta, além do aspecto tributário, essa avaliação pelas agências reguladoras seria levada em conta para caracterizar um devedor contumaz, “especialmente nos setores essenciais”.
Assim, mesmo uma empresa com dívidas bilionárias poderia ficar fora do enquadramento pela lei e da aplicação das penas, contanto que uma agência reguladora avalie bem seus serviços — tudo em nome do “compromisso com a proteção ao consumidor”, como justificou o senador.
Entre as punições previstas no projeto de lei a devedores contumazes estão impedimentos a acessar qualquer benefício fiscal para quitar os tributos; formalizar vínculos com a administração pública; e pedir recuperação judicial. As empresas enquadradas também poderão ter pedidas intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.
A coluna tentou contato com o senador Ciro Nogueira, mas não teve retorno.
Por meio de nota, o Grupo Fit disse acreditar que “matérias tributárias complexas devem ter seu devido processo de discussão e apreciação, evitando açodamento e equívocos”.
“Em relação aos supostos valores das dívidas da Refit, o Grupo Fit não reconhece esses valores. Os valores alegados pelo repórter não possuem qualquer relação com a realidade. Para além disso, há discussões que impactam significativamente os montantes apontados por entes federativos. É importante esclarecer que a mera inclusão em lista de procuradoria não significa que efetivamente haja uma dívida, uma vez que a palavra final é da Justiça, e não de procuradores”, afirmou a empresa.
“Essa é uma situação que afeta todo o setor de Óleo & Gás, ilustrada pela própria Petrobrás, que se encontra entre os maiores “devedores” do país e, por exemplo, no Rio de Janeiro encabeça a lista”, concluiu a nota do Grupo Fit.
A coluna enviou questionamentos à assessoria de imprensa da Gulf, mas não teve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto a manifestações.