O STF e o equilíbrio fiscal

Antonio Delfim NettoNos últimos 25 anos, depois da execução do Plano Real que garantiu a estabilidade monetária pela supervalorização cambial sustentada, por muito tempo, pela maior taxa de juros real do Universo, o Poder Executivo entregou-se à fuzarca fiscal (às vezes interrompida, brevemente, pela intervenção do FMI).

E, pior do que isso. Com a cumplicidade do Legislativo Federal, ajudou a multiplicar o número de municípios que não geram receita suficiente para pagar os seus péssimos simulacros locais.

Fingiu não ver o que acontecia. Deu avais a duvidosos projetos das subunidades da Federação para que elas se endividassem para realizar “investimentos” produtivos.

Pela falta de fiscalização, elas se destinaram, principalmente, a pagar aumentos do funcionalismo muito acima do crescimento do PIB e dos déficits previdenciários.

Violaram, alegre e conscientemente, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esta, quando acionada pelo Tesouro Nacional, foi suspensa por decisões monocráticas do Supremo.

Diante do “estado de necessidade” (produzido pelo próprio recorrente!) que levaria ao “caos” social, não tinham outra saída que não a paralisação monocrática da dívida com o Tesouro Nacional.

O ministro Guedes deu o nome de Plano Mansueto (de Mansueto Almeida, um dos mais competentes economistas em matéria fiscal) a mais um programa de assistência financeira às entidades subnacionais.

Não há nenhuma garantia de que seja aprovado no Congresso. E, se aprovado, não há nenhuma garantia de que seja o último. Na hora de cumprir seus compromissos, os beneficiários poderão alegar, de novo, como sempre fizeram, outro “estado de necessidade” e, mais uma vez, contar com a leniência de um despacho monocrático de um membro do STF.

O governo tem insistido no curtoprazismo e vive perigosamente, pois não há espaço para aumento da carga tributária. Nos 20 anos antes de 1988, ela foi, em média, de 24% e crescemos 6% ao ano. Nos últimos 25, desde o plano Real, ela foi de 33% e crescemos pouco mais de 2% ao ano. O problema não é procurar mais receita, mas procurar uma melhor qualidade para os gastos!

Voltamos sempre ao mesmo ponto. Enquanto os Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) e o Ministério Público não deixarem de disputar “mais poder” e não encerrarem a insana corrida entre “judicialização da política” e a simétrica “politização da justiça”, a ausência de segurança jurídica vai impedir a retomada de um desenvolvimento social e econômico robusto, equânime e sustentável.

Só a colegialidade das decisões do Supremo Tribunal Federal pode garantir nossa segurança jurídica.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”. – Folha de São Paulo

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