Papa aceita demissão de bispo de Limeira, suspeito de acobertar abusos de menores

O papa Francisco e dom Vilson de Oliveira, em foto sem data

O papa Francisco aceitou a renúncia do bispo brasileiro de Limeira (SP), monsenhor Vilson Dias de Oliveira, informou nesta sexta-feira (17) a Santa Sé em um comunicado.

Dom Vilson é suspeito de tentar extorquir dinheiro de membros do clero (teria pedido, por exemplo, R$ 50 mil a um padre para colocar armários em casa), de aumentar seu patrimônio com recursos desviados da igreja e de acobertar o padre Pedro Leandro Ricardo, afastado da Basílica de Santo Antônio, em Americana (SP), após a Folha revelar denúncias de abuso contra menores, em janeiro.

Suspeita-se que dom Vilson tenha feito vista grossa para os crimes do padre, que, em troca, silenciaria sobre as infrações do superior. Os dois negam as acusações.

Em carta de despedida, o bispo reconheceu suas “limitações”, apontando que que “nesses últimos meses enfrentamos todo tipo de cruzes, por meio de ataques à nossa Igreja Particular de Limeira, a mim e a vários presbíteros”.

“Hoje me despeço de vocês como bispo diocesano e peço minha renúncia por amor à Igreja de Cristo e pelo bem desta diocese”, escreveu.

Marcelo Toledo – Folha de São Paulo

Ao deixar de ser bispo diocesano de Limeira, dom Vilson não terá direito a moradia na diocese, mas seguirá recebendo um auxílio financeiro da Igreja, cujo valor ainda será definido nos próximos dias.

Ele, de acordo com a Igreja, passou a ser bispo emérito pela diocese de Limeira, como se fosse aposentado —situação semelhante à do papa Bento 16, que renunciou em 2013.

Dom Vilson, com isso, não perde a ordenação e poderá ser convidado por bispos para a celebração em quaisquer dioceses do país e participar de Crisma, por exemplo.

Como agora é bispo emérito vinculado à diocese em que atuava, é Limeira quem terá de pagar a “aposentadoria” do religioso, chamada de côngrua.

Dom Vilson é de Guaíra, município na região de Barretos, para onde já se deslocou, de acordo com a igreja. Futuramente serão estudadas eventuais atividades religiosas a serem desenvolvidas por ele.

Como bispo diocesano, o religioso foi o quinto a ocupar o cargo em Limeira —região composta por 16 municípios—, função que desempenhou nos últimos 12 anos.

Seu substituto interinamente, dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, já assumiu as funções administrativas na diocese, mas não pastorais. Ele também é o novo morador da residência episcopal, deixada pelo antecessor.

O padre Júlio Barbado, vigário geral da diocese de Limeira, publicou mensagem de acolhida a dom Orlando, em que diz que os fiéis precisam das orientações de um “bom pastor”, para que não se esqueçam que a igreja necessita ser “orante, acolhedora, testemunha de fé, de esperança, de caridade e alegria”.

Dom Orlando ficará no cargo até que o papa Francisco nomeie um novo bispo, o que a igreja estima que deve ocorrer em ao menos seis meses.

Em mensagem de despedida, nesta sexta-feira (17), dom Vilson disse que nos últimos meses enfrentou “todo tipo de cruzes, por meio de ataques à nossa igreja particular de Limeira, a mim e a vários presbíteros”.

“Reconheço minhas limitações, mas também levo no coração todo amor que aqui recebi do bom povo de Deus presente nos 16 municípios que compreendem esta igreja particular de Limeira […] Hoje me despeço de vocês como bispo diocesano e peço minha renúncia por amor à Igreja de Cristo e pelo bem desta diocese, para que os trabalhos pastorais possam continuar crescendo e se fortalecendo com a doação incansável de cada um de vocês que se dedicam ao Reino de Deus”, disse o agora bispo emérito.

Ele afirmou que foram quase 12 anos desde sua nomeação e que enfrentou com alegria cada desafio, mas que agora sente-se “pequeno frente à grandeza da missionariedade que esta igreja particular tomou em suas proporções”.

Dom Vilson e o padre Leandro Ricardi também são alvo de ação do Ministério Público. A pedido da Promotoria, a Polícia Civil de Americana abriu um inquérito para investigar acusações contra os sacerdotes católicos.

Em janeiro, a Folha conversou com quatro pessoas citadas no inquérito, entre supostas vítimas e seus parentes. Elas citaram cinco garotos que teriam sido alvo de Leandro em paróquias por que passou —entre avanços que não prosperaram e casos consentidos.

As quatro pessoas com quem a Folha conversou pediram anonimato —os nomes dos menores foram trocados para preservar suas identidades.

O pai de Alexandre, hoje com 17 anos, fala pelo filho. Segundo ele, a rotina do padre com o menor de idade, iniciada em torno de 2015, incluía abraços apertados e carícias indevidas. Alexandre era um dos meninos que ajudavam o clérigo na missa, chamados de coroinhas e acólitos.

O pai afirma que, traumatizado, o rapaz criou aversão àquela paróquia e sua depressão foi tamanha que a família se preocupou que ele pudesse se matar —chegaram a trancar um aposento onde armazenavam produtos para o orquidário da casa, como agrotóxicos, com medo que o garoto pudesse tomá-los.

Rodolfo, 34, disse à Folha que seu caso foi mais antigo, no começo dos anos 2000 —era então adolescente.

O comportamento do padre Leandro extrapolava e muito o campo do afeto inocente, afirmou o ex-acólito. “Passava a mão, fazia piadinha.”

Às vezes acontecia de ele e outros rapazes viajarem com o padre, diz. Uma vez, de Kombi, foram todos para um convento de freiras. As investidas podiam começar no carro, afirma. “Isso de apalpar, deslizava a mão ‘sem querer’ na troca da marcha.”

Em 2013, uma moradora de Araras acusou a relação de Leandro com meninos da paróquia local numa carta com firma reconhecida em cartório.

Disse que foi procurada cinco anos antes pela mãe de um jovem que havia saído de casa em 2002 para “morar e ser namorado do padre Leandro”. Teria, ao menos no começo da relação, cerca de 14 anos.

Dom Vilson, disse ela, ficou a par da situação, mas nada fez.

Em uma carta enviada por denunciantes à Cúria Romana, Dom Vilson é acusado de ser complacente com Leandro e remover padres que não estiverem dispostos a compactuar com seus pedidos de dinheiro para causas próprias.

Após as denúncias, padre Leandro foi suspenso “para dar continuidade ao processo de investigação”, afirmou o advogado da Diocese de Limeira, Virgílio Ribeiro, em janeiro.

O processo está sob sigilo e corre “há algum tempo” internamente, afirma. “O bispo de Limeira jamais pactuou ou pactuaria com qualquer ato que confronta as leis que regem a Igreja”, disse Ribeiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.