Pastora doa a marido pastor chácaras compradas pelos fiéis de igreja em SP

Franco da Rocha, SP, Brasil - 23/08/2017: Imagem de terrenos de pastores da igreja rhema, envolvida em suspeita de trabalho escravo nos eua, passaram para o nome deles dois terrenos que eram da comunidade de fieis. Sao chacaras grandes, com casa, piscina e tudo o mais. Foto: Fernando Brisolla/Folhapress

A transferência para o nome do pastor de duas chácaras compradas por fiéis provocou uma segunda cisão no Ministério Evangélico Comunidade Rhema, igreja envolvida em suspeita de maus-tratos e trabalho escravo nos EUA.

Descoberta por acaso, a doação levou ao desligamento de ex-fiéis, que denunciaram a operação ao Ministério Público de Franco da Rocha.

A Promotoria confirmou que investiga o caso.

Cada chácara tem cerca de 6.500 metros quadrados (somadas, superam o tamanho de um quarteirão). Nesse local e com essa área, imóveis são vendidos por R$ 400 mil. As informações são de ANA ESTELA DE SOUSA PINTO, Folha de São Paulo.

A transferência foi decidida em uma reunião de diretoria com 7 participantes, dos quais 6 tinham laços de família com o casal de pastores Juarez e Solange Oliveira, mostra ata obtida pela Folha.

Solange representou a igreja ao transferir as propriedades a seu marido, Juarez, em escritura lavrada em 2006.

Questionados na quarta (24) e na quinta-feira (25) passadas sobre o motivo da doação, eles não quiseram falar (leia mais abaixo).

DESAVENÇAS

Embora seja uma frente de conflito diferente, a discórdia sobre a doação dos terrenos se conecta com as queixas sobre maus-tratos recebidos por ex-fiéis desde que a Rhema se aproximou da Word of Faith, de Spindale, EUA.

Em julho, reportagem da Associated Press ouviu 14 brasileiros que disseram ter sido forçados a trabalhar pela Word of Faith.

Outros 13 membros relataram tapas, socos e sufocamento, entre outros castigos.

Em Franco da Rocha, ex-fiéis dizem que, após a ligação com os americanos, os pastores passaram a humilhar os membros da igreja em cerimônias de “correção” e incentivavam os pais a enviarem seus filhos a Spindale ao término do ensino médio.

Foi nos preparativos para uma dessas viagens que a prova da transferência foi parar nas mãos de um membro da igreja, segundo ex-fiéis que falaram à Folha sob a condição de anonimato.

Ele precisava de documentos da Rhema para pleitear visto para seus filhos, e recebeu por engano o comprovante da doação, entre os papeis enviados pela igreja.

EM FAMÍLIA

A matrícula dos imóveis, também obtida pela Folha, mostra que após a doação os terrenos foram hipotecados pelo casal de pastores para levantar R$ 50.292, quitados em abril deste ano.

A transferência da posse foi possível porque os membros da Rhema não estabeleceram cláusula de inalienabilidade quando se reuniram para comprar os terrenos.

Bastou, assim, a ata da diretoria da igreja. O documento, escrito em 5 de julho de 2005, é assinado por Solange e por Alzira de Oliveira Rizzo, irmã de Juarez.

Como testemunhas estão ainda o próprio pastor, sua irmã Ana Maria do Prado e o marido dela, Elivelte Sizino do Prado, e o cunhado, Eduardo Rizzo.

ARTESANATO

A Rhema foi fundada em 1986 pelo casal Oliveira, no bairro Morro Grande, na região de Pirituba, zona norte de São Paulo. No início, eles alugaram para o culto um teatro antigo, depois substituído por uma fábrica vazia.

Em meados dos anos 1990, a igreja decidiu ser dona da própria sede. Os pastores sugeriram a compra de lotes no Jardim dos Lagos, região de chácaras a 10 km do centro de Franco da Rocha.

O acesso era difícil, por estrada de terra, mas os fiéis seguiram a orientação de formar uma comunidade isolada. “O que a gente procurava era ficar distante. Queríamos ter tranquilidade, uma escola para nossos filhos”, afirmou Solange em entrevista no começo deste mês.

A Rhema tinha na época cerca de 300 membros, que ao longo de três anos contribuíram para quitar a compra, realizada em 1998.

“Toda a comunidade ajudou. Fizemos bazares e artesanato para arrecadar fundos”, disse Solange.

Na ocasião, foram comprados quatro chácaras, lote do qual fazem parte os dois terrenos que hoje são propriedade dos pastores. Nos dois restantes, estão instalados o templo e o colégio onde estudam cerca de 60 filhos de membros da Rhema.

OUTRO LADO

Procurados para explicar a doação para si próprios dos terrenos que eram da igreja, os pastores Juarez e Solange Oliveira não quiseram falar.

“Agradecemos a oportunidade, mas no momento optamos por não nos pronunciar até tomarmos conhecimento do teor da matéria publicada. Só então, caso julguemos necessário, nos manifestaremos”, escreveu o filho do casal de pastores, o advogado Jônatas Granieri Oliveira.

Contatado após a publicação da reportagem, ele não havia se manifestado até a tarde deste sábado (26)

No começo do mês, os pastores e membros da Rhema defenderam a igreja das acusações de maus-tratos e conexão com trabalho escravo nos Estados Unidos.

No começo de agosto, o Ministério Público do Trabalho fez uma blitz no templo e no colégio de Franco da Rocha. A investigação partiu de uma ligação, em março deste ano, ao Disque 100, que recebe denúncias de violações a direitos humanos, e ainda está em curso.

“Nós não toleramos e não permitimos nenhuma forma de abuso em nosso ministério. Os relatos publicados são porções de mentiras e fatos distorcidos”, escreveram em nota divulgada à imprensa.

Sobre a influência da Word of Faith, o casal Oliveira diz que há entre as igrejas apenas “laços de amizade”.

Embora a seita americana relacione a Rhema como uma de suas “missões”, Juarez afirmou que não há relação de hierarquia nem ajuda financeira vinda dos EUA.

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