PF diz ter indícios de corrupção de Temer no caso dos R$ 10 milhões da Odebrecht

No relatório final do inquérito aberto para apurar propinas de R$ 14 milhões da Odebrecht para a cúpula do MDB, a Polícia Federal concluiu pela existência de indícios de que o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, de Minas e Energia, cometeram os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O documento foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira, 5. A PF também apontou indícios de prática de caixa 2 pelo candidato ao governo de São Paulo pelo MDB, Paulo Skaf. O relatório será enviado à Procuradoria-Geral da República, a quem cabe a função de apresentar denúncia ou pedir arquivamento da investigação.

A abertura do inquérito, revelada pelo Estado, se deu em abril de 2014, após delatores do grupo relatarem um pedido de R$ 10 milhões durante um jantar no Palácio do Jaburu — residência do então vice-presidente Michel Temer — e de outros R$ 4 milhões que teriam sido solicitados por Moreira Franco em outra ocasião.

No caso de Temer, a PF mapeou a entrega de R$ 1,4 milhão para João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, amigo do presidente. Para sustentar a tese, a PF ouviu o doleiro Alvaro Novis, responsável pelos repasses, e anexou uma conversa de telefone de Lima para a empresa de Novis no dia da entrega dos valores.  Fabio Serapião, Breno Pires e Teo Cury / O Estado de São Paulo

Conversas. “Pelo teor da conversa, resta inconteste que, ao ser informado sobre a chegada da encomenda, João Baptista Lima Filho informou que estava distante do local, solicitando que o horário fosse remarcado para as 15h, informação essa que acabou se refletindo nos diálogos mantidos via Skype”, diz trecho do relatório sobre a conversa.

A ligação para a empresa do doleiro se deu às 10h25 de 19 de março de 2014. Cerca de uma hora depois, às 11h35, Lima ligou para um celular em nome de Temer e, dois minutos depois de falar com presidente, às 11h37, o amigo do emedebista recebeu outra ligação da empresa do doleiro.

Segundo a PF, esta última ligação teve a “finalidade de confirmar a alteração do horário daquele dia, assim como de ajustar os horários das entregas subsequentes, restando estabelecido o intervalo entre 12h e 13h”. Logo após esta conversa, às 11h51, Lima voltou a ligar para Temer, com quem falou cerca de cinco minutos.

“Tais evidências indicam fortemente que, no episódio, os valores foram recebidos pessoalmente por João Baptista Lima Filho, na sede de sua empresa, a Argeplan”, diz a PF. Além na entrega no dia 19, a PF rastreou outras duas realizadas nos dias 20 e 21. Em todas, os investigadores confrontaram a versão de Novis com as ligações do coronel Lima para a empresa do doleiro.

A PF ainda encontrou uma outra ligação entre Lima e um funcionário da empresa de Novis. Na conversa, o funcionário questiona Lima se as três “reuniões” haviam ocorrido. “Tudo bem, tudo bem. A última, a da sexta-feira, em que foi entregue aí ao Silva as atas, elas não foram iguais às atas anteriores, né? Ficou um pouco abaixo”, respondeu Lima.

“A eloquência dos indícios torna impositiva a conclusão de que João Baptista Lima Filho, no interesse do Exmo. sr. presidente da República, Michel Temer, recebeu os valores encaminhados pela Odebrecht em atenção à solicitação do ministro Moreira Franco”, afirma a PF.

Em relação a Skaf, o relatório da PF aponta que o candidato ao governo de São Paulo recebeu R$ 5.169.160 entre agosto e outubro de 2014 por meio de Duda Mendonça como forma de custear gastos de sua campanha eleitoral. De acordo com a PF, os valores foram omitidos na prestação de contas à Justiça Eleitoral, o que configuraria crime de caixa 2, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral.

Em depoimento, Skaf negou ter recebido qualquer suporte financeiro extraoficial do grupo, admitindo o recebimento apenas de R$ 200 mil como doação oficial da Braskem à sua campanha ao governo do Estado. Os valores foram solicitados a Marcelo Odebrecht, sem envolver qualquer hipótese de contrapartida, afirmou à época.

Doleiro. Em relação aos R$ 4 milhões da Odebrecht que teriam sido solicitados por Moreira Franco, enquanto ministro da Aviação Civil, e tornado disponíveis a Eliseu Padilha, que lhe sucedeu no cargo, a PF identificou, nos sistemas de contabilidade paralela da empresa, que os pagamentos teriam sido feitos em três etapas, nos valores de R$ 1.062.000, R$ 1.438.000 e R$ 1.500.000.

Sobre a primeira destas entregas, de R$ 1,062 milhão, o doleiro Claudio Fernando Barboza de Souza, conhecido como Tony — delator da Operação Câmbio, Desligo —, disse em depoimento ter participado da operação que teria resultado na entrega de valores em um endereço em Porto Alegre, na Rua Siqueira Campos, onde funcionava um escritório de Padilha.

Para a PF, “os valores supostamente endereçados a Eliseu Padilha foram, de fato, transportados até Porto Alegre, o que reforça sobremaneira a narrativa inicial apresentada por executivos da Odebrecht”. Neste caso, policiais utilizaram um mapeamento nos sinais de geolocalização emitidos pelo telefone por meio de ERBs (Estação Rádio Base) para afirmar que Luciano Celaro Begni, ligado a Padilha, estava no endereço onde os valores teriam sido entregues.

Luciano Celaro Begni é identificado como o nome verdadeiro de Luciano Pavão, que era a alcunha descrita na planilha da Odebrecht como recebedor em nome de Padilha. O mapeamento apontou que Luciano Begni estava na Rua Siqueira Campos nos dois dias em que os valores da Odebrecht teriam sido levados a Padilha.

“Os diversos fatos praticados claramente em cadeia, desde a solicitação do ministro Moreira Franco até a chegada dos valores ao destinatário, em Porto Alegre, com estrita dependência lógica e conformidade cronológica, moldam circunstâncias que, forte nas disposições do artigo 239 do Código de Processo Penal, autorizam a presunção de que o dinheiro tenha sido encaminhado no interesse do ministro Eliseu Padilha e recebido por alguém à sua ordem”, diz o delegado Thiago Machado Delabary.

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