A Prefeitura de Vitorino Freire (MA) terá de arcar com prejuízo detectado em obra de pavimentação bancada por emenda do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA).
A cidade é comandada por Luanna Rezende, irmã do ministro. Ambos estão entre os suspeitos em apuração da Polícia Federal sobre desvios de recursos de emendas parlamentares feitos em conluio com Eduardo José Barros Costa, o Eduardo DP, empresário que é sócio oculto da Construservice.
Em abril passado, a estatal federal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) publicou um “extrato de confissão e parcelamento de dívida”.
No documento, a prefeitura reconhece que deve R$ 802,7 mil à estatal federal por causa de convênio de R$ 5,2 milhões, firmado em 2017 com verba indicada por Juscelino, quando ainda exercia o mandato de deputado federal.
A mesma obra foi citada pela Polícia Federal na representação entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) e que originou a segunda fase da operação Odoacro, realizada em outubro de 2023, com Juscelino e Luanna entre os alvos.
Em nota, Juscelino disse que as suspeitas são injustas e infundadas. Afirmou ainda que a destinação das emendas é transparente e que cabe ao órgão público executar a obra.
“O papel de Juscelino Filho, como deputado federal, se limita à indicação desses recursos. A execução e a fiscalização técnica de obras são competências exclusivas dos órgãos designados para tal fim, aos quais cabe prestar os devidos esclarecimentos”, disse o ministro.
Juscelino também declarou que a estrada que recebeu a obra é importante para os moradores de Vitorino Freire. “Esta via é o elo que permite o acesso dessas pessoas ao trabalho, escolas, hospitais e postos de saúde. Durante os períodos chuvosos, a situação se agrava, tornando a estrada intransitável, isolando a comunidade e impedindo o acesso a serviços essenciais.”
A PF chegou a visitar o trecho de cerca de 15,3 km que recebeu o asfalto. “Grande parte das ruas está tomada por buracos e o asfalto já é quase inexistente”, afirmam os investigadores.
Em nota, a Codevasf disse que 85% da obra havia sido finalizada, mesmo com a liberação de todo o valor do convênio. Por isso, a estatal calculou “pendências” e cobrou da prefeitura a devolução de parte da verba. A gestão da irmã do ministro conseguiu parcelar a dívida em 10 vezes.
A companhia não deu detalhes sobre o estado da obra e por qual razão o convênio não foi concluído. O fiscal original dos serviços era Julimar Alves da Silva Filho, funcionário que foi demitido da Codevasf sob suspeita de ter recebido propina da Construservice.
A PF ainda encontrou diálogos entre Juscelino e Eduardo DP supostamente relacionados ao convênio.
Em junho de 2019, o então deputado federal escreveu ao empresário: “Precisamos sentar pra ajustar as coisas de lá parente…tem aquela obra da Codevasf também que já da pra da ordem de serviço”.
“Já venho há quase um mês tentando sentar com você e não consigo, sempre desencontrando”, disse ainda Juscelino, na mesma conversa. Os diálogos foram encontrados no celular de Eduardo DP, apreendido em fase anterior da operação Odoacro.
Os investigadores também suspeitam de fraude em licitação da Prefeitura de Vitorino Freire para beneficiar a Construservice no mesmo convênio.
A PF localizou conversas entre representantes da construtora e uma funcionária da consultoria contratada pela gestão de Luanna para elaborar a seleção de empresas para a obra.
Nos diálogos, o suposto laranja de Eduardo DP indica que recebeu 23 planilhas relacionadas ao edital, mesmo antes de a prefeitura formalizar a disputa.
As conversas ainda mostrariam acertos para permitir no edital a subcontratação de empresas. Em abril de 2019 a prefeitura publicou a contratação da Construservice e a subcontratção da Topázio, empresa que, para os investigadores, também pertence a Eduardo DP.
Ao permitir a operação contra Juscelino e Luanna, o ministro Luís Roberto Barroso (STF) disse que os diálogos reforçaram a “hipótese de existência de conluio para direcionamento em favor da empresa Construservice”.
O convênio de R$ 5,2 milhões ainda chamou a atenção da CGU (Controladoria-Geral da União).
O órgão federal afirma que a prefeitura não apresentou prestação de contas da pavimentação asfáltica. Além disso, não há documentos sobre o convênio na “Plataforma+Brasil”, que serve justamente para dar transparência a este tipo de acordo do governo federal.
A Codevasf cobrou em janeiro de 2023 a prestação de contas. Meses mais tarde, recusou os documentos apresentados pela prefeitura e cobrou, em novembro, a devolução de parte da verba.
A estatal federal também cobra da Prefeitura de Lima Campos (MA) a devolução de R$ 167,2 mil por outra obra feita com verba de emenda de Juscelino. Neste caso, a companhia também considerou que parte de um convênio de R$ 955 mil não foi executada corretamente.
Em nota, o ministro disse que as investigações ainda estão em andamento e que é preciso respeitar o processo legal.
“Juscelino Filho entende que os questionamentos são elementos intrínsecos à transparência inerente aos cargos públicos”, afirma a nota divulgada pela pasta das Comunicações. “É com veemência, que Juscelino Filho reitera sua completa inocência e reafirma que é o maior interessado no esclarecimento rápido do assunto”, diz ainda.