‘Sem imprensa livre, a Justiça não funciona bem’, diz presidente do STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, afirmou na abertura de um seminário sobre os 30 anos da Constituição e a liberdade de imprensa nesta segunda-feira que o Estado e a Justiça não funcionam bem se a imprensa não for livre.

Ela destacou a importância da Constituição de 1988 para garantir o funcionamento democrático da sociedade. O seminário tem como mote “30 anos sem censura”.

— Sem a imprensa livre, a Justiça não funciona bem, o Estado não funciona bem — afirmou Cármen.

Cármen afirmou ainda que “todo censor é um pequeno ditador” e destacou que quem não é livre para se expressar não pode ser considerado livre.

— Quem não tem direito livre à própria liberdade de expressão não tem garantia de qualquer outro direito, porque palavra é a expressão da sua alma, do seu pensamento — afirmou a presidente do STF.  EDUARDO BRESCIANI – O Globo

Cármen destacou uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por ela, como o motivador do evento.

O estudo do CNJ tratou de ações judiciais vinculadas à liberdade de imprensa. Feito por amostragem em um universo de 2,3 mil processos, o estudo mostra que quase 60% dos casos tratam de acusações por difamação. Na sequência aparecem violação à legislação eleitoral (19,4%), violação à privacidade (10,9%) e violação a direitos autorais (6,1%).

De acordo com o levantamento, o Grupo GLOBO é o que mais responde a esse tipo de processo, com 34,2% das ações pesquisadas. O site UOL aparece na sequência, com 12,7%, seguido do grupo A Gazeta, com 5,6%. A maior incidência de processos, proporcionalmente, está no Rio de Janeiro. No estado, são 2,6 processos sobre o tema para cada 100 mil habitantes. Aparecem na sequência Distrito Federal (1,9), Paraná (1,9) e Amapá (1,8).

O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) destacou no evento decisões do poder Judiciário que ajudaram a garantir mais liberdade para a imprensa. E defendeu que um novo passo seja dado com a equiparação de jornalistas a advogados no sentido de não poderem ser alvo de processos que requerem indenização por atividade relativa ao trabalho deles. Sugeriu como alternativa para implementar a medida algum julgamento no Supremo de recurso extraordinário que trate do tema. A mesma estratégia foi utilizada para pôr fim ao nepotismo no serviço público por decisão do ministro Ricardo Lewandowski.

— Esse caminho do recurso extraordinário pode ser usado para, de certa maneira, pacificar essa interpretação de que não cabe indenização contra meios de comunicação. Aos jornalistas devem ser estendidas as mesmas franquias dos advogados — defendeu Miro.

A jornalista Rosiska Darcy, membro da Academia Brasileia de Letras (ABL), destacou a importância da liberdade de imprensa para a democracia e observou que, atualmente, os pedidos de censura vem de alguns setores da própria sociedade.

— No tempo da ditadura, a censura era exercida pelo estado. Nos tempos de polarização e agudização das divergências, como o nosso, os pedidos de censura vêm da sociedade, ou melhor, de setores pouco afeitos a pluralidade de ideias — afirmou Darcy.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, defendeu o direito dos jornalistas ao sigilo de fonte, previsto na Constituição.

— Se o jornalista não tiver garantido seu sigilo de fonte e se a própria fonte não tiver essa garantia, sabemos todos que o jornalismo investigativo vai perder sua essência — afirmou o presidente da OAB.

Representante da Associação Nacional de Jornais (ANJ) no evento, a administradora Judith Brito destacou que a censura prévia promovida por decisões judiciais provoca um dano coletivo maior do que a publicação de uma notícia errada pode ser capaz de gerar.

— Erros e injustiças podem ocorrer, mas é um mal menor diante do grande equívoco de se institucionalizar a censura prévia, mesmo que apenas por via judicial — afirmou Judith.

Ela destacou ainda a existência de 14 projetos em tramitação no Congresso relativo às chamadas “fake news”. A representante da ANJ afirmou não ver necessidade de mudanças legislativas para combater esse fenômeno. Ressaltou ainda o temor de que se use o tema para praticar censura.

— Notícias falsas devem ser rebatidas com mais e não com menos informação — disse Judith.

No discurso de encerramento, Cármen Lúcia disse que as notícias falsas prosperam justamente porque dizem o que o destinatário quer ouvir. Ela defendeu que as pessoas tenham mais capacidade crítica para discernir entre as notícias falsas e as verdadeiras.

— A gente tende a querer que alguém nos entregue aquilo que é a ilusão da segurança de alguma possibilidade concreta e imediata de ser feliz. Talvez a fake news prospere porque alguém te diz o que você queria ouvir e você ouve sem criticar. Quem abre mão da sua liberdade não tem segurança, não tem capacidade crítica e está fadado ao efeito manada. Você deixa de ser o indivíduo pelo qual tanto lutamos pela sua dignidade, para ser apenas alguém que entra numa massa e, portanto, perde a sua individualidade, que é a grande conquista da humanidade e do direito constitucional contemporâneo — disse a ministra.

(Colaborou Carolina Brígido)

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