Um quadro repleto de desenhos, ursinhos acumulados em um pula-pula e brinquedos espalhados pelo chão compõem o ambiente da casa de Waldeleia Souza Chagas, de 39 anos, em Extremoz, na Grande Natal. Mãe da pequena Laura Chagas de Souza, que tem autismo nível 1 de suporte, há seis anos ela enfrenta as mudanças e desafios que vão além da mobília sempre com o propósito de construir um ambiente acolhedor para a filha. Sua história se entrelaça às de outras mães atípicas, unidas por um sentimento: elas não desistem.
Ao falar sobre a maternidade atípica, termo que se refere à experiência de mães que criam filhos com deficiência, neurodivergências ou condições que exigem cuidados e adaptações especiais, Waldeleia transmite a impressão de ter nascido com o dom de cuidar. No entanto, faz questão de frisar que o caminho exige empenho e constância. “Ser mãe atípica é sobre querer. Você tem que buscar e ir atrás. Eu corro e busco. Onde tem terapia de graça, vou atrás, coloco o nome e faço entrevista porque a minha filha é tudo para mim”, relata.
Já faz seis anos, desde que Laura nasceu, em abril de 2019, que as prioridades foram redefinidas na vida da natalense. No entanto, somente após com a descoberta do diagnóstico, em 2022, quando a filha tinha três anos, que a rotina teve mudanças mais significativas. A descoberta para ela ocorreu de forma gradual, o que tornou a chegada do laudo, em 2023, menos impactante.
Inicialmente foi uma professora de Laura quem alertou que não era comum que ela ainda não falasse aos três anos de idade. A partir disso, Waldeleia levou a filha a uma fonoaudióloga e, posteriormente, foi orientada a procurar um médico neurologista. Nesse período, também conheceu o Instituto Olhem Para Mim (IOPM), voltado à inclusão de autistas e pessoas com deficiência (PCDs), onde ficou sabendo sobre a abertura de inscrições para o Grupo Sorriso. Resolveu, então, participar da iniciativa, onde uma psicóloga indicou que a criança é neuroatípica.
Para Waldeleia, a revelação levou mais tempo, pelo fato da filha ser uma criança autista nível 1 de suporte, que necessita de um nível mais baixo de apoio em comparação com outros níveis do espectro que apresentam características neurotípicas mais difíceis de serem identificadas. “Eu chorava e ficava apreensiva. Pensava ‘será que minha filha tem autismo?’ e pedia para Deus “Deus me dê uma resposta. Se ela tiver, que eu consiga ser capaz de ir em frente e ajudar minha filha”, relata.
Com o apoio do esposo, ela tomou a decisão de se dedicar aos cuidados de Laura. Se antes o dia a dia era marcado pela jornada como supervisora de loja, hoje seu tempo é quase exclusivamente dedicado à maternidade. De segunda a sexta-feira, acompanha a filha em terapias, leva para escola e brinca com ela regularmente às 19h com outras crianças na rua de casa.
No meio da rotina acelerada, encontra tempo para atuar como voluntária na comunicação do IOPM e buscar ser um canal de apoio para outras mães: “Quando uma mãe diz que está sofrendo, digo: “me dê seu número, que eu vou lhe ajudar em alguma coisa”.
O tempo que tira para autocuidado é mais pontual quando, por exemplo, tem ações voltadas ao empoderamento de mães no Instituto. Waldeleia sorri ao contar que, sempre que vão sair, arruma a filha para que fique toda “emperiquitada”, mas para si basta um coque no cabelo. “A única coisa que eu faço todo mês é a minha unha do pé. Em relação a outras coisas, como se divertir, o divertimento é o dela, a felicidade dela é a minha. Assim, a gente vai vivendo”, relata.
Cleia transforma dificuldades em cuidado
A força que move Waldeleia na maternidade atípica é a mesma que impulsiona Maria Cleia, potiguar de 48 anos, ao falar da filha Fernanda Vitória. Com um sorriso no rosto, ela não hesita em compartilhar o sentimento que a define: “Às vezes as pessoas perguntam se Fernanda é especial e digo que não. Quem é especial sou eu, pois Deus me deu ela e, para mim, é um dom ser mãe. Acho a coisa mais linda do mundo você ser mãe e escutar um filho chamando você de mãe.”
Hoje com 17 anos, Fernanda acumula uma trajetória de batalhas que parecem não caber em tão pouca idade. Diagnosticada com neurofibromatose ainda nos primeiros meses de vida, já passou por 12 cirurgias. A condição, considerada rara, é um conjunto de distúrbios genéticos que causam o crescimento de tumores ao longo dos nervos, podendo atingir ossos e o sistema nervoso. Além disso, a jovem enfrenta a neutropenia — uma baixa quantidade de neutrófilos (glóbulos brancos) no sangue — o que a torna mais vulnerável a infecções graves.
“De lá para cá, não paramos mais a vida de hospital”, resume Maria Cleia. Todos os dias, ela se dedica integralmente à filha, desde os cuidados domésticos até as viagens que realiza duas vezes por semana para Natal, onde Fernanda é atendida na Casa Durval Paiva. As duas vivem em Riachuelo, a cerca de 74 quilômetros da capital potiguar, com os outros dois filhos da dona de casa: um adolescente de 12 anos e um jovem de 20.
A rotina dentro de casa é moldada às necessidades da filha. Fernanda precisou amputar as duas pernas e, há quatro anos, usa cadeira de rodas para se locomover. Com isso, toda a estrutura da residência passou por adaptações. “Ter uma cadeirante dentro de casa muda tudo. O quarto dela e tudo dela precisou mudar. Os meus outros filhos entendem que ela precisa saber como vai se deslocar dentro de casa. Imagine você andar e depois passar a precisar de uma cadeira de rodas em casa?”, comenta Maria Cleia.
A adaptação também se estendeu à vida profissional. Ela deixou o trabalho em uma pousada e o serviço de cuidadora de crianças para se dedicar exclusivamente à filha. Na luta por direitos e dignidade, não se cala diante das dificuldades: “Meu desafio é com a secretaria [estadual de saúde], porque eu chego a brigar com eles mesmo. Tem vezes que os exames saem, mas tem vezes que não. Então temos que brigar”, aponta.
Nem a distância geográfica é obstáculo. Recentemente, mãe e filha passaram cinco meses em Minas Gerais em busca de uma prótese para Fernanda por meio da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). A tentativa, no entanto, não teve sucesso. Agora, Maria Cleia alimenta a esperança de conseguir o equipamento pelo Centro de Reabilitação Infantil e Adulto (CRI/RN).
Quando questionada sobre de onde vem tanta força, a resposta é simples e direta: “Tem dias que eu acordo e…só Jesus! Mas quando escuto Fernanda chamar ‘mãe’, levanto, pois sei que ela precisa de mim.” É também na fé que encontra suporte: “Deus sabe de tudo e a gente não pode desistir jamais.”
Envolta em tanto carinho, Fernanda Vitória resume, com doçura e firmeza, o que sente pela mãe: “Ela me dá tudo o que eu quero: amor e carinho.”

Na jornada de Ana, o amor ensina a vencer
O amor materno que supera adversidades também pulsa na história de Artur Sipauba Cavalcanti, de 37 anos, paratleta de natação da Sociedade Amigos do Deficiente Físico (Sadef/RN), que tem deficiência visual. Filho da maranhense Ana Clara Calixto Sipauba, de 68 anos, ele resume em duas palavras o que encontra junto à mãe: “carinho e ajuda”. É com ela que passa a maior parte do tempo — seja nos afazeres domésticos, nas consultas médicas ou nos treinos que visam melhorar seu desempenho na piscina.
Ana lembra que, no início, as expectativas não eram favoráveis. Artur foi diagnosticado ainda recém-nascido com a síndrome de Laurence-Moon-Biedl (SLMBB), também conhecida como síndrome de Bardet-Biedl (SBB), uma condição genética rara caracterizada por múltiplas alterações, como obesidade, deficiência intelectual e problemas renais. “O médico chegou dizendo que ele ia ser ‘uma planta no vaso’, pois não iria andar, falar e seria cego. Então me vi em uma situação que pensei ‘meu Deus, e agora? O que eu vou fazer?’. Já tinha dois filhos e iria começar a vivenciar uma história completamente desconhecida”, relata.
Mas ela não hesitou. Decidiu enfrentar o choro, a angústia e o desconhecido em nome do filho. Os desafios não foram poucos. Em um deles, precisou levar Artur até Cuba para realizar um tratamento que buscava retardar a perda da visão. Na época, ele tinha sete anos e apresentava baixa visão. Para viabilizar a viagem, Ana entrou com um pedido de recurso junto ao Governo Federal. “Houve várias negativas, mas pensei ‘não vou desistir’ e vamos insistir até dar certo”, conta.
A insistência deu resultado, e Artur conseguiu realizar o tratamento. No entanto, aos 18 anos, perdeu completamente a visão. Mesmo após 37 anos de dedicação ao filho — tempo em que deixou de lado a atividade como comerciante para cuidar dele em tempo integral — Ana afirma que ainda está em constante aprendizado com a maternidade. “Toda conquista com o Artur, pra mim, é um aprendizado. Ele supera as barreiras dele e eu conquisto aprendendo a ensinar ele a fazer isso. A minha luta é essa e sou feliz porque todos os dias estou aprendendo com ele.”