O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, rebateu a narrativa da colunista Miriam Leitão, que, baseada em uma “fonte” com a qual conversou na manhã desta sexta-feira, 25 de abril de 2025, tentou justificar no jornal O Globo o fato de Fernando Collor de Mello ter sido preso, enquanto outros alvos da força-tarefa anticorrupção estão soltos.
“Em primeiro lugar, o caso de Collor não nasce em Curitiba. Portanto, o entendimento do vício identificado pelo Supremo nos processos que envolviam uma relação promíscua entre o Ministério Público e o juiz do caso, o senador Sergio Moro, não se aplica a esse processo”, alegou Leitão.
Moro reagiu no X à matéria:
“Comprovantes de depósito em dinheiro na conta de Collor foram encontrados no escritório de Alberto Youssef em busca por mim autorizada, sendo esta a origem da investigação. Não procede, portanto, sua afirmação de que o caso não tem relação com o trabalho de Curitiba”, comentou o ex-juiz.
Análise
O Antagonista acrescenta que o próprio Globo noticiou, em 22 de maio de 2014, que a “PF encontrou depósitos de Youssef para o senador Collor de Mello”. Como dizia a reportagem, Moro informou o ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no STF, sobre os comprovantes encontrados durante busca e apreensão da força-tarefa feita em março daquele ano no escritório do doleiro. Segundo o relatório da Polícia Federal ao então juiz de Curitiba, R$ 50 mil foram depositados para Collor em oito pagamentos fracionados, realizados em fevereiro, março e maio de 2013.
A “fonte” de Leitão, de acordo com o artigo que omitiu esses fatos, “destacou ainda que no processo do ex-presidente o peso dos delatores foi muito pequeno”, o que “diferencia esse caso dos demais”. Pelo “ainda”, deduz-se que as alegações anteriores contidas na matéria também vieram da “fonte”, o que é bastante curioso: uma “fonte” que emplaca supostas análises de forma anônima e sem cargo identificado, em vez de fornecer informação a ser checada pela colunista, inclusive nos arquivos do jornal.
Na verdade, fingir que os demais casos da Lava Jato são exclusivamente baseados em depoimentos de colaboração premiada foi um dos métodos usados pelo Centrão do STF, com ajuda de seus porta-vozes na imprensa amiga, para blindar políticos e empresários, com frequência sob protestos do relator Luiz Edson Fachin, que apontava as provas de corroboração, além de ter contestado o julgamento de suspeição de Moro, pautado por Gilmar Mendes, e a declaração de parcialidade do ex-juiz. Foi o mesmo Fachin que tocou a ação penal contra Collor, com a diferença – esta, sim, significativa – de que o único indicado para o STF por ele, seu primo Marco Aurélio Mello, já se aposentou.
Além disso, a importância das colaborações premiadas não deve ser minimizada no caso. Quando Collor foi denunciado pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot em 20 de agosto de 2015 (17 meses após a PF ter encontrado os já citados comprovantes), já havia menção à delação de Rafael Ângulo Lopes, empregado do doleiro Alberto Youssef, como noticiou o próprio Jornal Nacional. Lopes disse que foi ao apartamento de Collor em São Paulo e entregou a ele R$ 60 mil em notas de R$ 100.
O depoimento de Ricardo Pessoa, ex-presidente da UTC, como mostramos, também foi crucial para elucidar as formas de pagamento da propina, inclusive por intermédio de Youssef, em troca de contratos com a BR Distribuidora, sob ingerência de Collor e do ex-ministro de Assuntos Estratégicos de seu governo, o operador Pedro Paulo Leoni Ramos.
Ricardo Pessoa contou que acertou “o valor fixo de 20 milhões de reais” com o ex-ministro; que “os valores foram pagos em parcelas mensais ao longo de 2 anos, entre o final de 2010 e 2012”; “QUE PEDRO PAULO saía da UTC levando o dinheiro em sacolas ou mochilas; QUE parte desses pagamentos foi feita por meio de ALBERTO YOUSSEF e seus emissários; QUE a UTC mantinha uma espécie de ‘conta corrente’ com ALBERTO YOUSSEF; QUE ALBERTO YOUSSEF também fazia trabalho de transporte de valores para a UTC ou diretamente para o destinatário, no caso, PEDRO PAULO LEONI RAMOS”.
Pessoa contou também“QUE o levantamento do dinheiro em espécie, para pagamento da propina a LEONI RAMOS, era feito de três formas:
(1) através da empresa ROCKSTAR, que atua na área de Stock Car (comercializando camarotes e outros serviços para corridas de stock car), sendo que UTC firmava contratos com essa empresa em valores superiores aos realmente pagos – ou seja, os serviços eram superfaturados, e o excedente, em dinheiro, era devolvido pela ROCKSTAR para a UTC, para ser utilizado para o pagamento da propina;
(2) através da empresa SM Terraplenagem, por meio de contratos simulados de locação de equipamentos de terraplenagem, e nesse caso não havia qualquer prestação de serviço, sendo o valor contratado devolvido em dinheiro, descontados os tributos e uma ‘taxa’ pelo serviço;
e (3) do escritório do advogado ROBERTO TROMBETA, por meio de contratos superfaturados de serviços de advocacia – ou seja, contratos reais, por serviços que foram prestados, mas em valores superiores aos realmente cobrados, sendo que o excedente era devolvido à UTC, de modo semelhante aos contratos com a empresa ROCKSTAR; QUE não conhecia ninguém nas empresas ROCKSTAR e SM Terraplenagem; QUE os contatos com as empresas ROCKSTAR e SM Terraplenagem eram feitos por WALMIR PINHEIRO; QUE o declarante sabia que, por trás dessas empresas, estava a pessoa de ADIR ASSAD; QUE parou de fazer negócios com ADIR ASSAD depois que o nome dele ficou muito exposto, por estar envolvido em diversas investigações; QUE o escritório do advogado ROBERTO TROMBETA prestava serviços à UTC na área tributária há mais de 15 anos; QUE os contatos para essa questão das notas superfaturadas eram feitos entre ROBERTO TROMBETA e WALMIR PINHEIRO; QUE não sabe dizer se o sócio de ROBERTO TROMBETA sabia desses fatos; QUE acredita que a emissão de notas superfaturadas pelo escritório de ROBERTO TROMBETA, para fins de ‘caixa 2’, começou a partir de 2005 ou 2006, e foi crescendo, com o passar dos anos, especialmente após pararem de trabalhar com ADIR ASSAD”.
O Antagonista tem alguns suspeitos, claro, de serem a “fonte”, digamos, analítica de Leitão, que busca legitimar os métodos e decisões do STF. Esses suspeitos andam muito incomodados com a repercussão negativa do duplo padrão do Supremo, um tribunal que incorre em expedientes antes demonizados, que tem uma “relação promíscua” com outros Poderes e órgãos de fiscalização, e que usa a Lava Jato conforme a conveniência, blindando padrinhos e aliados e só mandando prender quem não é da patota.