Além de auxiliar na comunicação dos indivíduos, a voz também detém identidade e, nessa perspectiva, surge o projeto de extensão Assistência vocal e comunicativa em indivíduos transgêneros, realizado no Laboratório de Funções Laríngeas e Voz (LaVoz), localizado no Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRN.
Segundo a coordenadora do projeto e também professora adjunta do departamento de Fonoaudiologia, Juliana Godoy, o trabalho inicial foi no sentido de compreender melhor as necessidades das pessoas trans em relação à sua voz. “É importante ressaltar que a voz, por vezes, é uma das características que mais afeta a autoestima e segurança da pessoa trans e/ ou travesti e a intervenção fonoaudiológica voltada a esse segmento é a primeira indicação de tratamento para melhorar os aspectos vocais e comunicativos nestes casos”.
Juliana destaca que o projeto visa capacitar discentes em fonoaudiologia para o atendimento dessa comunidade, já que no Rio Grande do Norte, segundo ela, não existem fonoaudiólogos contratados nos serviços de saúde que prestam atendimento específico para a população LGBTQPIA+. Conforme ela explica, anualmente, 10 a 20 pessoas transmasculinas e transfemininas passam pelo laboratório.
Os estudantes de fonoaudiologia guiam os atendimentos no laboratório de forma semanal e o tratamento ofertado é um processo que envolve exercícios específicos, adaptados conforme as necessidades pessoais dos pacientes e com os resultados da avaliação inicial realizada no LaVoz. “O trabalho direcionado à melhora de ajustes vocais e comunicativos visa oferecer segurança e o direito da pessoa trans e/ou travesti se comunicarem e se expressarem nos diversos ambientes e contextos que desejarem, o que melhora a qualidade de vida dessas pessoas. E aos desejos do cliente, uma vez que a expressão comunicativa vai além da frequência vocal e é capaz de exprimir diversas características do indivíduo”.
Juliana Godoy ressalta que é importante dar visibilidade à causa e que o tratamento hormonal pode ser indicado para a pessoa trans e que existem médicos qualificados para isso. Porém, no caso de pessoas transfemininas, a terapia hormonal não trará efeitos na voz. Por outro lado, ela destaca que no caso de pessoas transmasculinas, apesar dos hormônios terem a possibilidade de modificar a frequência vocal para um padrão mais grave, outras características da comunicação podem ser trabalhadas, para um padrão mais ajustado, de acordo com preferências.
A voz como ferramenta para aceitação identitária
Akira Lima, 21, está no 6° período de Fonoaudiologia na UFRN e faz parte do projeto há 2 anos, segundo ela, o projeto é de extrema importância, pois valoriza também a identidade e pluralidade de cada pessoa trans. “A voz faz parte de quem somos e quando tratamos de pessoas trans, a voz pode ser uma questão que gere desconforto por uma não identificação. Não é toda pessoa trans que vai não se identificar com sua voz, porém, isso acontece com muitas pessoas, e essa identificação pode gerar inclusive disforia nesses indivíduos. Outra questão também é que a voz pode ser um indicativo de transgeneridade, o que pode levar a possíveis episódios de preconceito e discriminação”.
Conforme Akira explica, o aperfeiçoamento vocal ajuda na identificação do indivíduo com sua voz e também com o seu gênero, ela destaca que a voz pode ser um indicativo de transgeneridade, estar seguro e com uma voz que lhe represente em sua totalidade só gera mais confiança para esses indivíduos.
“O aperfeiçoamento vocal ajuda, sim, nos processos vividos por uma pessoa trans. Particularmente para mim, um novo ajuste vocal foi de extrema importância para a minha expressão e identificação de gênero. A minha voz hoje me representa totalmente, e expressa muito do meu gênero, o mesmo pode acontecer com outras pessoas trans. Cada pessoa é única, cada processo é único e com o nosso projeto nós podemos ajudar a várias pessoas, para se sentirem bem e representados por sua voz”.
Atendimento especializado na voz
A coordenadora Juliana Godoy enfatiza que os atendimentos são para qualquer pessoa trans ou travesti que possa comparecer às sessões na clínica escola de fonoaudiologia da UFRN. “Podem participar do projeto como extensionistas: discentes em fonoaudiologia da UFRN ou fonoaudiólogos formados que tenham interesse em contribuir e aprimorar as habilidades no atendimento fonoaudiológico voltado para a especialidade de voz, nesta população em específico”. Os interessados em participar do projeto podem entrar em contato pelo e-mail: [email protected].
*Diário no RN