Canais na internet ganharam dinheiro com fake news sobre Covid, informa Google à CPI

Canal do jornalista Alexandre Garcia

Natália Portinari

Dados sigilosos enviados pelo Google à CPI da Covid mostram que canais no YouTube, entre eles de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ganharam dinheiro disseminando notícias falsas sobre a pandemia antes que seus vídeos fossem apagados da rede social. A pedido da comissão, a empresa de tecnologia forneceu uma lista de 385 vídeos removidos pelo Youtube ou deletados pelos próprios usuários após serem identificados como disseminadores de desinformação sobre formas de tratamento para a Covid-19 ou a pandemia. A listagem foi acompanhada de quanto cada publicação rendeu aos donos dos canais até saírem do ar.

O jornalista Alexandre Garcia encabeça a relação, com 126 vídeos tirados do ar por ele próprio ou pela plataforma que haviam rendido quase R$ 70 mil em remuneração pela audiência e publicidade. Gustavo Gayer (R$ 40 mil), Notícias Política BR (R$ 20,7 mil), Brasil Notícias (R$ 17,7 mil), completam as primeiras colocações. Ao todo, os usuários ganharam US$ 45 mil, o equivalente a R$ 230 mil.

Desde o início da pandemia, responsáveis por canais que tiveram conteúdo removido pela plataforma refutam ter publicado desinformação de forma deliberada. Em alguns casos, afirmam ser vítima de censura pelas empresas de tecnologia.

O Google forneceu dados sobre 385 vídeos de 34 canais identificados como disseminadores de notícias falsas no Brasil. Destes, 90 publicações não geraram renda aos administradores. A empresa frisou, em sua resposta à CPI, que os vídeos em questão se encontram fora do ar, alguns deles por desrespeitarem os termos de uso da plataforma.

Grande parte é de vídeos com propagandas de drogas comprovadamente ineficazes contra o coronavírus, como a ivermectina e a cloroquina, denunciando um suposto complô contra o uso desses medicamentos da parte de opositores de Jair Bolsonaro.

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Procurado, o Google disse que não pode comentar o que foi enviado à CPI “pois se tratam de dados sujeitos a sigilo, nos termos da lei aplicável”. “O Google apoia consistentemente o trabalho das autoridades, produzindo dados em resposta a pedidos específicos, desde que sejam feitos respeitando os preceitos constitucionais e legais previstos na legislação brasileira.”

“Destacamos, ainda, nosso trabalho contínuo para apoiar a saúde e o bem-estar da comunidade de usuários do YouTube, com especial atenção a nossas políticas de desinformação médica sobre a COVID-19. Desde 2020, fizemos mais de 10 atualizações nessas diretrizes para que se mantivessem alinhadas às orientações atualizadas das autoridades de saúde globais sobre a doença.”

Títulos com disfarce

O canal Aconteceu na Política alegou sem provas, por exemplo, que “governadores estão estocando vacinas e 6 milhões sumiram” e disseminou mentiras sobre a CoronaVac (“A Vacina de Taubaté de Doria — Bolsonaro sai na frente mais uma vez”).

Em um vídeo do Aconteceu na Política, o youtuber afirma que o Brasil havia superado a porcentagem de população vacinada da Europa, o que nunca ocorreu. Um vídeo com título idêntico do canal de Gustavo Gayer continua no ar. Gayer teve 56 publicações deletadas ou removidas.

“Pazuello detona Mandetta e diz que muita gente poderia ter sido salva com tratamento precoce!”, diz o título de um dos 25 vídeos deletados do canal Brasil de Olho. O mesmo canal publicou os vídeos “Pesquisa surpreende ao mostrar quantos brasileiros tomariam hidroxicloroquina” e “REUNIÃO SECRETA DE DORIA É VAZADA E PROVA USO POLÍTICO DA V4C1NA E REVELA PLANO PRA TIRAR B0LS0NAR0”, entre outros.

Em um vídeo do canal Casando o Verbo, havia a alegação de que os registros de 62 mil pessoas que morreram de AVC foram falseados para incluir Covid-19 como causa da morte, sem base em provas. O título fazia referência à morte do ator Tom Veiga, intérprete do Louro José, que morreu após um AVC.

Os youtubers apelavam a título cifrados para impedir que o Google encontrasse o conteúdo, como o uso da palavra “V4C1NA” e “tratamento inicial” em vez de “tratamento precoce”, nome mais comum para se referir ao “kit Covid”, de medicamentos ineficazes contra o coronavírus, defendido em 2020 pelo governo Jair Bolsonaro.

O levantamento contém três vídeos do Foco do Brasil, canal investigado no inquérito dos atos antidemocráticos, aberto pelo STF, pela ligação com o Palácio do Planalto. O assessor do chamado “gabinete do ódio” Tercio Arnaud Tomaz repassou vídeos ao canal e ajudou seu administrador a retransmitir imagens da TV Brasil.

Em depoimento em julho do ano passado, o dono do Foco do Brasil, Anderson Rossi, disse à Polícia Federal ter um faturamento mensal de R$ 50 mil a R$ 140 mil. Nos vídeos citados sobre Covid, porém, a monetização foi baixa, de apenas R$ 368.

Graves consequências

Os dados foram enviados à CPI a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com base em um levantamento da Novelo Data sobre vídeos que “desapareceram” da rede social em 2021.

“A propagação de fake news a respeito da pandemia tem sido uma ação orquestrada e com consequências diretas no agravamento do número de mortes pela covid-19”, frisa o senador em seu pedido.

No mundo todo, o Google removeu mais de um milhão de vídeos desde fevereiro do ano passado por disseminarem desinformação sobre a pandemia.

Folha SP

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