Em ano eleitoral, Senado tenta aumentar o alcance e o papel das rádios comunitárias

O senador Hélio Jose durante audiência pública em Brasília

Às vésperas da campanha eleitoral, um pacote de quatro projetos do Senado pode transformar rádios comunitárias em emissoras comerciais ao ampliar o alcance de seus sinais e permitir que negociem anúncios publicitários. Hoje, elas só podem buscar patrocínio para a produção dos programas.

Autor de dois desses projetos e relator de outro, o senador Hélio José (PROS-DF) é o principal defensor das reivindicações da Agência Abraço, associação de rádios comunitárias do país que lidera o lobby no Congresso pelas mudanças.

Conhecido entre os radiodifusores como o “rei das comunitárias”, o senador emprega em seu gabinete Raimundo Ronaldo Martins Pereira, diretor-jurídico da Abraço. Martins é assessor parlamentar e recebe salário líquido de R$ 5.100. Ele é um dos sócios da comunitária Rádio Riacho FM, que cobre a cidade-satélite Riacho Fundo, no Distrito Federal.

“Não sou dono da rádio”, disse Pereira. “É uma rádio comunitária.”

O coordenador-executivo da Abraço, Geremias dos Santos, confirmou à Folha que o assessor parlamentar, conhecido como Ronaldo Martins, é sócio da rádio. “Se não fosse, ele não poderia ser diretor da associação”, afirmou. Julio Wiziack e Bernardo Caram – Folha de São Paulo

Está prevista para esta quarta (20) a votação, no plenário do Senado, do primeiro projeto do pacote. Ele prevê a ampliação da potência dos sinais emitidos pelas emissoras dos atuais 25 Watts, que garante alcance num raio de apenas 1 km da antena, para 300 Watts. Também permite mais de um canal para a mesma associação comunitária.

No fim de abril, a proposta foi aprovada em caráter terminativo por uma comissão da Casa e seguiria direto para a Câmara. Porém, senadores apresentaram recurso pedindo que o projeto passasse por análise do plenário.

Nos bastidores, muitos senadores ficaram constrangidos com o projeto porque boa parte dessas rádios já operam com potência acima do nível permitido pela lei. Seria, portanto, uma forma de legalizá-las.

O projeto despertou reações contrárias da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). A associação defende que é uma tentativa de igualar emissoras comunitárias às comerciais, criando uma concorrência desleal.

O presidente da entidade, Paulo Tonet Camargo, afirma que as pequenas emissoras serão as prejudicadas, e não as grandes, que não sofrem concorrência das rádios comunitárias. Para ele, não há espaço para tanta demanda.

A rápida tramitação foi vista com estranheza por parte dos senadores. Para eles, é temeroso conceder benefícios às rádios comunitárias em ano eleitoral. Consideram que a falta de fiscalização dá margem para que as emissoras virem plataformas de propaganda política.

As comunitárias têm alcance em todo o país e ficam fora do radar da da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que tem dificuldades de chegar nessas localidades.

A senadora Ana Amélia (PP-RS) diz que apresentou um pedido para que o texto fosse analisado por mais comissões, mas as tratativas políticas na Casa impediram a iniciativa. Ao perceber que o projeto seguiria direto para a Câmara, assinou o recurso para que o projeto ao menos fosse analisado no plenário do Senado.

“Já está tendo problemas [de qualidade da transmissão] nas rádios comerciais que estão instaladas e você inclui mais um grupo de emissoras? Se a Anatel vier aqui e mostrar que não tem problema, tudo bem. Mas nós não temos isso”, afirmou ela.

“Não é assim que se faz. Foi apresentado o projeto em um colegiado extremamente pequeno e não se discutiu. Nós consideramos que precisa ser mais discutido e mais aperfeiçoado”, disse a senadora Rose de Freitas (Pode-ES).

Outro texto do senador Hélio José dispensa o pagamento de direitos autorais pela veiculação de músicas nas rádios comunitárias.

A proposta foi aprovada em comissão semana passada e pode ir direto à Câmara após passar por uma segunda comissão.

Hélio José ainda é o relator do projeto que autoriza rádios comunitárias a receberem recursos da Lei Rouanet, que incentiva doações a projetos culturais em troca de abatimentos no Imposto de Renda.

O texto tramita no Senado desde 2011, foi encaminhado à Comissão de Educação, Cultura e Esporte, e pode ser aprovado sem precisar passar pelo plenário.

A quarta proposta que teve andamento no Senado autoriza que rádios comunitárias sejam custeadas por publicidade. A matéria, que estava travada há mais de dois anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), teve andamento neste mês. O texto está agora em outra comissão e não exige análise do plenário.

Na CCJ, a senadora Marta Suplicy (MDB-SP) apresentou um voto em separado pedindo a rejeição da proposta. Ela argumenta que há entendimentos da Justiça de que a veiculação de propaganda pelas rádios comunitárias fere a Constituição e cria concorrência desleal com as rádios comerciais.

“As rádios comunitárias, para bem cumprir a sua missão e para justificarem a gratuidade de suas outorgas, devem continuar sem finalidade comercial”, afirmou a senadora.

OUTRO LADO

Hélio José confirmou que Raimundo Ronaldo Martins Pereira atua como assessor parlamentar em seu gabinete. “Me atende muito bem e a contento”, disse.

Negou, no entanto, que seu assessor atue na elaboração dos projetos das rádios comunitárias. “O autor das propostas sou eu.”

O senador disse que tem relação com rádios comerciais —ele tem um programa aos sábados na Rádio Atividade, em Brasília— e que o objetivo dos projetos é democratizar os meios de comunicação.

Para ele, a proposta que amplia a potência das emissoras comunitárias foi devidamente discutida e aprovada por unanimidade na comissão.

Raimundo Ronaldo Martins Pereira negou ser dono de emissora e disse que “rádio comunitária não tem dono, não existe proprietário”.

“Estou dentro de um gabinete trabalhando como qualquer pessoa e tenho uma atuação também na questão das rádios comunitárias. Mas não sou senador, não voto, os projetos passaram por todas as comissões”, disse.

O dirigente da Abraço, Geremias de Souza, considerou que a atuação de seu diretor como funcionário do senador Hélio José não compromete os projetos. “Temos vários parlamentares”, disse.

Para ele, a legislação do setor precisa ser revista. “Quando essa lei foi criada, há vinte anos, pedíamos já que as rádios emitissem sinais com potência de 250 Watts. Nos deram 25 Watts. Está na hora de uma revisão”, disse Santos. “Na Amazônia, essas rádios têm muita importância e lá precisa de mais potência porque as distâncias são enormes.”

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