Há cem anos, as diferentes gerações da família Brasão vivem sob um expediente criminoso que mantém milhares de extrativistas de origem indígena no alto e médio rio Negro, no Amazonas. Eles vivem na comunidade Malalahá, a 12 horas de lancha rápida de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Até Manaus, a capital do Estado, são mais duas horas de voo.
Como no romance “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, a vida dos piaçabeiros se repete em ciclos. Eles são submetidos a um modo de exploração em que o trabalho se confunde com pagamento de dívida.
A relação se baseia em um sistema de empréstimos fornecidos pelos patrões, nome dado aos comerciantes que controlam a produção. Pela comida suficiente para um mês de atividade, o patrão cobra cerca de R$ 1.500 –alguns itens sofrem ágio de até 300% em relação a produtos similares vendidos na cidade. Já o quilo da piaçaba vale cerca de R$ 2.
O trabalhador recebe apenas o que sobra (quando sobra), descontados os empréstimos para transporte, itens básicos de trabalho e o rancho (nome dado pela população local à alimentação).
Do total pago no final do mês, o empregador ainda desconta 20% por possíveis impurezas na palha. E, em alguns casos, pode tirar 10% pelo “aluguel” do local de trabalho, no caso daqueles que se declaram como donos da área.
“O objetivo é manter o piaçabeiro endividado e subordinado a vida inteira”, afirma o pesquisador Márcio Meira, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), que estudou o ciclo da servidão amazonense.
Os habitantes do rio Negro chamam esse sistema de aviamento. Servidão por dívida é o nome oficial, segundo o Código Penal Brasileiro, de uma das formas de trabalho escravo contemporâneo. Leia Mais aqui na Folha de São Paulo.