Mesmo sem a certeza absoluta de que o Grupo Caoa comprará a fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP) e, assim, preservará 850 postos de trabalho, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), convocou uma entrevista no último dia 3 para anunciar o “bom entendimento” entre as empresas na negociação. Ao lado de Carlos Alberto de Oliveira Andrade, presidente da Caoa, e Lyle Watters, dirigente da Ford na América Latina, o tucano usou o evento para elevar a pressão pelo fechamento do acordo. Se tudo der certo, o contrato poderá ser assinado nas próximas semanas. Caso isso ocorra, de fato, será um golaço para Doria, que vem reforçando sua imagem como a de um político protetor de empregos. Recentemente, ele conseguiu fazer com que a GM, que havia anunciado o fechamento de suas fábricas em São Paulo, não apenas mantivesse suas unidades abertas mas fizesse novos aportes no estado.
Outra característica notável de sua gestão são as viagens ao exterior em busca de investimentos. Em oito meses de governo, ele perambulou de sacolinha em punho por Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, China e Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial em Davos. Em Londres, arrancou de Lord Bamford, da fábrica inglesa JCB, uma promessa de aplicação de 100 milhões de reais no interior paulista. Em meio a essas andanças, Doria ainda encontrou tempo para inaugurar um escritório comercial em Xangai e anunciar a abertura de outro, em Dubai, para 2020.
O caso da fábrica da Ford e a acelerada agenda internacional unem o útil ao agradável. Com 12,6 milhões de desempregados no país, é louvável que um governador busque preservar empregos e atrair investimentos. Para Doria e suas ambições eleitorais, contudo, a movimentação funciona também como um bom contraponto à gestão de Jair Bolsonaro. O presidente desprezou o dinheiro da Alemanha e da Noruega utilizado em ações para a preservação da Amazônia e, com exceção de Donald Trump, tem praticado com gosto o esporte de dar caneladas em autoridades do exterior (no episódio mais recente, para fustigar Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e atual comissária da ONU, criticou o passado de esquerda do pai dela, morto pela ditadura daquele país). A preocupação permanente com a estagnação econômica é outro foco de Doria para marcar diferença com o presidente. Aliados do tucano afirmam que sua movimentação com vistas à eleição presidencial de 2022 tem como objetivo fazer com que as taxas de crescimento de São Paulo superem, mesmo que ligeiramente, as do país sob Bolsonaro (isso não é tão fácil justamente porque São Paulo puxa os números nacionais). No trimestre encerrado em junho, o PIB paulista cresceu 0,7% em relação aos três meses anteriores, enquanto o nacional avançou 0,4%, após flertar com a recessão técnica.
Graças às ambições políticas de ambos, a lua de mel do “Bolsodoria”, o casamento de conveniência entre o governador e o presidente na campanha do ano passado, acabou mais rápido do que se imaginava. A bandeira de largada para o afastamento foi dada quando Bolsonaro declarou que a Fórmula 1 trocaria São Paulo pelo Rio, reduto eleitoral de sua família. Os dois até chegaram a se encontrar na capital paulista e fizeram flexões lado a lado depois disso, mas a relação entrou em uma escalada de desgaste e, nos últimos meses, degringolou de vez. Em julho, ressaltando ser filho de um exilado pela ditadura, Doria classificou como “infelizes” os ataques de Bolsonaro ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz (o capitão negou que o pai do advogado tivesse sido morto pela repressão do regime militar). Tempos depois, o governador afirmou que “jamais” nomearia um filho embaixador, como o presidente quer fazer com Eduardo Bolsonaro.
Bolsonaro não ficou indiferente aos movimentos de Doria e, bem ao seu estilo, vem mandando chumbo grosso no tucano. Primeiro, divulgou uma lista com empresas que fizeram empréstimos do BNDES durante os governos do PT para comprar jatos executivos, entre as quais a Doria Administração de Bens Ltda., do governador. Ao citar a “galerinha da compra de aviões” em uma transmissão na internet, Bolsonaro se divertiu quando disse que Doria “mamava” no governo e era “amigão do Lula e da Dilma” (o apresentador Luciano Huck, outro potencial presidenciável em 2022, também aparece na lista e foi mencionado no vídeo). Dias atrás, Bolsonaro passou a desdenhar abertamente das pretensões de Doria para 2022, comparando-as a uma “ejaculação precoce”. Doria equiparou as declarações do presidente às de Lula em 2016, quando o petista tratou como piada as chances do tucano de vencer a corrida à prefeitura paulistana. Até a primeira-dama Bia Doria entrou na briga e classificou como “chulas” as declarações do capitão, em postagem curtida pelo marido no Instagram. “Bolsonaro agora ataca o Doria, está incomodado com ele, ficou com fixação”, diz Alexandre Frota.
Antes de chegarem às urnas em 2022, Bolsonaro e Doria terão um ensaio geral, na eleição municipal em 2020. Na capital paulista, o prefeito tucano Bruno Covas tentará a reeleição. Na quarta 4, Doria anunciou investimentos na capital no valor de 550 milhões de reais, entre programas e obras. É uma forma de procurar dar um lustro à apagada gestão de Covas e, de quebra, renovar seu compromisso de apoio ao colega tucano. Entre os adversários, Covas terá pela frente a deputada federal pelo PSL Joice Hasselmann, membro da tropa de choque do governo federal, mas também muito próxima a Doria. “Ela está com um pé em cada canoa”, reclamou Bolsonaro. “O presidente está com ciuminho”, respondeu ela. Enquanto isso, embora não admita em público, Doria tentará se equilibrar entre essas duas possibilidades. Será um desafio a mais em meio às delicadas manobras que vem fazendo na escalada para o Planalto.
*Com informações VEJA