Pacote de R$ 700 bi em privatizações pode levar anos, avaliam técnicos

Infraero Foto: Reprodução
Programa de desestatização do presidente eleito seria capaz de reduzir o estoque da dívida pública em 20%

O plano do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de reduzir o número de estatais com um amplo programa de privatizações corre o risco de esbarrar em entraves técnicos e jurídicos e frustrar as expectativas da nova equipe econômica. Isso é o que afirmam especialistas e técnicos do governo ouvidos pelo GLOBO.

O programa de Bolsonaro prevê que a desmobilização de ativos poderia resultar numa arrecadação de mais de R$ 700 bilhões, capaz de reduzir o estoque da dívida pública em 20%. No entanto, a modelagem de privatizações costuma demorar meses e precisa passar por avaliação de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), além de sofrer resistência com ações de sindicatos na Justiça.

Das 138 empresas sob comando do governo federal, algumas têm posições estratégicas e não devem ser privatizadas. Elas poderiam, no entanto, diminuir de tamanho e fazer operações como abertura de capital ou parcerias público-privadas. É o caso, por exemplo, da Infraero e dos Correios. Para os técnicos, essas empresas não poderiam ser totalmente entregues nas mãos da iniciativa privada. Também deveriam ser preservadas com estatais a Embrapa (de pesquisa agropecuária) e hospitais públicos federais.

As principais estatais do país — Petrobras, Eletrobras, Caixa, Banco do Brasil e BNDES — são as que têm maior potencial de arrecadação. Elas têm patrimônio líquido elevado, de R$ 545,3 bilhões. No entanto, todas precisam do aval do Congresso para chegar às mãos do setor privado. Manoel Ventura e Martha Beck – O Globo

Subvenção X dividendo

A Eletrobras, que o presidente Michel Temer tenta vender desde o início de seu governo, é o símbolo das dificuldades de privatização. Para técnicos do governo, qualquer processo complexo como a venda da Eletrobras ou a abertura de capital da Caixa Seguradora, por exemplo, levam, pelo menos, dois anos.

Esse, no entanto, é um processo necessário. Embora tenham conseguido melhorar seus resultados e pagar mais dividendos à União em 2017, as empresas estatais continuaram consumindo recursos públicos num patamar bem maior do que o ganho obtido pelo governo. Segundo dados do Tesouro, as estatais pagaram o equivalente a R$ 5,498 bilhões em dividendos em 2017.

No entanto, o valor gasto pela União com subvenções (repasses para o pagamento de despesas com pessoal, custeio ou investimentos) de empresas dependentes do Tesouro atingiu R$ 14,840 bilhões.

A economista Elena Landau, que coordenou o programa de privatizações no governo Fernando Henrique, lembra que o cenário está mais difícil após liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski. Em vigor desde julho, ela exige que qualquer venda do controle de estatais passe pelo Legislativo.

No caso da Petrobras, o governo vê como necessário dar continuidade ao processo de venda de refinarias. Mas, além da pendência com o Congresso, há uma disputa com o TCU. Uma regra criada pelo tribunal neste ano, que passará a valer em 1º de janeiro, altera a sistemática de acompanhamento de desestatizações e concessões. Ela passará a exigir o envio de um extrato com todas as informações relacionadas a qualquer licitação com antecedência mínima de 150 dias da data da publicação do edital.

Enxugamento de pessoal

Landau acrescenta que qualquer processo de desestatização precisa ser feito com cautela, especialmente no caso de empresas de grande porte, como a Petrobras ou bancos:

— Mesmo com autorização, não se vende empresas desse porte sem ajustes. Faz sentido vender Caixa ou BB sem competição no setor bancário? Na Petrobras, quase todo mundo é favorável a ajustes (reestruturação) antes de vender. É preciso fazer cisões, e tudo tem que passar por assembleias de acionistas. Se for para fazer rápido, fica malfeito.

Bernardo Strobel, consultor do escritório LL Advogados, e professor de Direito Administrativo da PUC-PR, concorda com a avaliação que tocar um programa de privatizações é difícil e leva tempo:

— Um projeto sério de privatização precisa de vontade política, consistência técnica, estudos bem feitos, gente qualificada. Entre a vontade do Executivo e a entrega do projeto tem uma série de gargalos. Fazer transferência de ativos públicos à iniciativa privada não é fácil, não tem caneta mágica.

O professor afirma ainda que investidores não concordam com medidas heterodoxas para acelerar os processos. E fazer sem planejamento é transferir problemas para o futuro, diz ele:

— Podemos pagar um custo alto por achar que as coisas são mais fáceis do que são.

Por outro lado, uma decisão recente do Supremo sobre a demissão de servidores dos Correios pode ajudar o novo governo na missão de enxugar as estatais e reduzir gastos. O STF definiu que os Correios precisam apresentar motivação caso a empresa queira demitir funcionários, sem estender a exigência para as demais estatais.

Antes, todas as estatais precisavam fundamentar a decisão, o que foi questionado junto à Corte. A visão no governo é de que o STF acabou reafirmando a tese de que as regras para demissão nas estatais seguem a lógica da iniciativa privada e ainda deu mais flexibilidade para as empresas tomarem essa decisão.


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