Sem precisar prestar contas, presidenciáveis ocultam gastos com pré-campanhas

Combinadas, as mudanças no calendário eleitoral e nas regras de financiamento de campanhas transformaram a disputa presidencial em 2018. O encurtamento (de 90 para 45 dias) do período quando a propaganda na ruas e na TV é permitida fez alargar no tempo e aumentar a importância da chamada pré-campanha — uma época de “vale-tudo eleitoral”, em que os pré-candidatos não precisam prestar contas à Justiça Eleitoral.

Desde 7 de abril, os presidenciáveis vêm protagonizando uma disputa de instabilidade política e de falta de transparência nos gastos. Nenhum dos quatro mais bem colocados nas pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Lula — Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) — soube ou quis informar quanto já gastou ou quanto estima gastar até 16 de agosto, quando passa a ser obrigatória a prestação de contas à Justiça. Por ora, garantem usar recursos dos partidos, sem dizer quanto já receberam em doações ou convites privados para suas atividades de pré-candidatos.

— A fiscalização do financiamento da pré-campanha vai precisar ser discutida pelo TSE. É a primeira eleição presidenciável após o fim das doações empresariais. Com o fundo eleitoral e partidário não dá para financiar as campanhas em todo o Brasil. Alguns candidatos terão muito dinheiro, mas outros não. Essa será ainda mais a eleição do caixa 2 — avalia o professor de Direito eleitoral na Faculdade do Recife, Walber de Moura Agra.

Ao mesmo tempo, a mudança na interpretação da lei sobre propaganda irregular reduziu drasticamente as denúncias e investigações sobre campanha antecipada. Agora, só é considerado irregular se o pré-candidato pedir explicitamente votos.

— Essa restrição sobre o que é campanha antecipada reduziu o número de representações e o âmbito de atuação do Ministério Público e da Justiça eleitorais. E a mudança no calendário diminuiu ainda mais o tempo que o Ministério Público e a Justiça eleitorais têm para analisar as contas de campanha. É pouco tempo, com pouca estrutura disponível — afirma o ex-procurador eleitoral do Rio Paulo Roberto Berenguer.

Até o início deste ano, Jair Bolsonaro usou sua cota de passagens aéreas como deputado para viajar a eventos de apoio à sua pré-candidatura. Agora, abandonou a prática, e diz que o PSL tem custeado as viagens, sempre em voos de carreira. Ele evita eventos sábado e domingo, dá expediente na Câmara às terças e quartas e faz uma viagem com foco mais eleitoral por semana.

A equipe de assessores é dividida entre o gabinete e o partido. Nas viagens, geralmente são duas pessoas junto com o candidato. A agenda é definida de última hora. Há duas semanas, por exemplo, estava no carro a caminho da Câmara quando decidiu participar de uma feira agropecuária em Planaltina, local distante 60 quilômetros da casa legislativa. As mobilizações nos estados são capitaneadas por alguns deputados de confiança e militantes locais. Uma estratégia recorrente é convocar os apoiadores para receber o pré-candidato no aeroporto. Quando esteve no Rio Grande do Norte, há duas semanas, o MP eleitoral local conseguiu no TRE a suspensão de uma carreata em Goianinhas, a 60 quilômetro de Natal.

— Não faço carreata, não é permitido. Agora, eu desço num aeroporto, tem uma multidão, entro no carro e vou embora, vêm outros carros atrás, como vou impedir? Não desfilo em carro aberto — argumentou Bolsonaro ao GLOBO — Poderia estar usando as verbas da Câmara e não estou. Estou rodando o Brasil com recursos do meu bolso ou do partido. E não entro em avião particular, até porque não tenho dinheiro.

O presidenciável teve de lidar com um baque pessoal: em 2 de abril, morreu seu chefe de gabinete na Câmara, o capitão do Exército Jorge Francisco, que era seu braço direito há duas décadas. Como não tem partidos em sua base, aposta no apoio dos colegas para dar mais capilaridade à sua campanha. Dois deputados se destacam como os principais apoiadores, Fernando Francischini (PSL-PR) e Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O segundo o acompanhou na semana passada ao evento da Marcha dos Prefeitos, em Brasília, e soprava em seu ouvido respostas a perguntas de jornalistas.

PALESTRAS DISFARÇAM COMICÍOS

Marina, Ciro e Alckmin também têm privilegiado o Sudeste nestes primeiros meses de pré-campanha. A ambientalista da Rede é quem tem feito a pré-campanha mais modesta — tanto em recursos gastos quanto nos apoios políticos que reuniu até aqui. Somados os recursos dos fundos partidário e eleitoral, a Rede não alcança a cifra de R$ 15 milhões neste ano, para bancar Marina e demais candidatos.

Ao contrário de 2014, quando assumiu a cabeça de chapa após a morte de Eduardo Campos em um acidente aéreo, Marina retomará hábitos que marcaram sua primeira tentativa de chegar ao Planalto, em 2010. Na sua última viagem ao Rio de Janeiro, em 26 de abril, chegou à cidade antes do nascer do sol. Após o desembarque, “esbanjou” e tomou café no aeroporto e foi direto para a casa de sua coordenadora de campanha, a ex-vereadora carioca Andrea Gouvêia Vieira, onde todos ainda estavam dormindo.

A ex-ministra do Meio Ambiente costuma ficar no jardim da casa de Andrea conversando com o caseiro sobre os animais da propriedade. A rotina se repetiu em quase todas as viagens da pré-candidata: voos de carreira durante a madrugada em busca de bilhetes mais baratos, dormir na casa de amigos e apoiadores e, no máximo, um assessor ao seu lado. Quando o convite é para palestras, o anfitrião paga hotel e passagens. Assim como em 2010, a campanha diz que não tem um marqueteiro tradicional (há oito anos, Paulo de Tarso assumiu o papel, embora de forma informal).

Há quatro anos, auxiliares consideraram que a campanha não levou em conta as características que definiriam Marina na visão dos eleitores, como a história de vida humilde. Um deles afirmou que a campanha de 2014 “não serve de referência para nada” porque tudo estava montado para a campanha de Eduardo Campos e os marqueteiros pouco conheciam a Marina.

— Foi uma campanha tipo faroeste, mundo sem lei — afirmou um dos seus correligionários.

Nesta semana, durante evento em São Paulo, chegou a um prédio na Avenida Faria Lima ainda com sua mala e um assessor de imprensa. A pré-candidata costuma brincar até com sua roupa na campanha que classifica como “franciscana”:

— Chamei minhas amigas para fazer um brechó para renovar meu guarda-roupa — diz.

Em geral, as agendas dos pré-candidatos são compostas por palestras e entrevistas a rádios e televisões locais. Os seminários com a presença dos presidenciáveis, contudo, muitas vezes se revestem de disfarce para pequenos comícios. Em apenas um mês, Ciro Gomes fez dez palestras, e Marina outras nove. As vantagens dos eventos também são econômicas: os anfitriões costumam arcar com passagens aéreas e hospedagem. Em suas viagens, majoritariamente em aviões de carreira, Ciro costuma levar até dois assessores e, em algumas agendas, vai acompanhado de sua mulher.

Nas únicas vezes que foi ao Nordeste desde abril, o pedetista esteve em Fortaleza, seu reduto eleitoral. Somente em São Paulo, maior colégio eleitoral do país e onde seus índices de intenção de voto estão abaixo da sua média nacional, ele já cumpriu agenda quatro vezes.

O PDT terá à disposição um caixa bem mais gordo que o da Rede, somando os recursos partidários (R$ 22,1 milhões em 2018) e do fundo eleitoral (R$ 62,7 milhões). Depois da desistência de Joaquim Barbosa, o partido traçou como prioridade conseguir fechar uma aliança com o PSB, o que aumentaria significativamente o tempo de TV para Ciro. Há também negociações para atrair o PP, atualmente a quarta maior bancada da Câmara dos Deputados – o PDT é apenas o 11º em tamanho.

— A divisão vai ser um terço, um terço e um terço. Para a campanha do Ciro; as de governadores e senadores; e as de deputados federais e estaduais. Por enquanto, o partido está bancando, ainda não dá para saber quanto já foi gasto, mas é pouco — diz o presidente do PDT, Carlos Lupi.

A distribuição dos recursos tem sido recursos mesmo na campanha do pré-candidato mais rico, Geraldo Alckmin. Há duas semanas, o tucano foi alvo de uma ofensiva de correligionários paulistas cobrando mais verbas para a campanha de João Doria ao governo de São Paulo. A cena ilustra o principal problema do ex-governador neste primeiro semestre de 2018: a desconfiança, até mesmo entre aliados, de sua capacidade de conseguir subir nas pesquisas.

Alckmin aposta suas fichas num crescimento após a Copa do Mundo e, principalmente, quando a campanha efetivamente começar. Além de o PSDB somar R$ 247 milhões em recursos partidários e do fundo eleitoral neste ano — atrás apenas de MDB e PT —, as alianças com partidos de centro engordarão o caixa e o tempo de televisão.

Embora mantenha o discurso de ter paciência para esperar prevalecer sua vantagem de estrutura e recursos em relação aos adversários, a demora em decolar tem feito o próprio Alckmin adotar posturas claudicantes na articulação política, que ele não delega a aliados. Pressionado pelo bom desempenho de Joaquim Barbosa nas pesquisas, o tucano ensaiou, no início de maio, aproximação com o MDB, de olho em robustecer ainda mais sua chapa. Após a desistência do ex-ministro do STF, abortou o movimento, buscando se isolar da impopularidade do governo de Michel Temer.

O pré-candidato viaja prioritariamente em aviões de carreira, e o PSDB não informou se tem contratado voos fretados para Alckmin nem deu estimativa de quanto deve gastar até 16 de agosto. O partido afirmou, em nota, que a legislação eleitoral não prevê “uma classificação específica de gastos para este período”, mas que “está fazendo tudo que é possível para dar mais transparência à arrecadação de gastos partidários”.

POR DIMITRIUS DANTAS, EDUARDO BRESCIANI E MIGUEL CABALLERO / ILUSTRAÇÃO: ANDRÉ MELLO E RENATO CARVALHO – O Globo

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