Marina aposta que rejeição à corrupção norteará campanha

Marina: “Espero que estas eleições não sejam marcadas pelo ódio e pela mentira. Precisamos do candidato do Brasil”

A ex-senadora Marina Silva, pré-candidata pelo Rede à Presidência da República, dá sinais de que irá estruturar sua campanha na vertente da rejeição e do combate à corrupção. Na próxima eleição, acredita, é possível promover uma faxina ética no Congresso.

“Este é o momento da hora da verdade. Existem mais de 200 deputados e senadores sendo investigados na Lava-Jato. É a grande oportunidade de se demitir, pelo menos, estes 200. Se fizermos isso teremos uma enorme renovação no Congresso”, disse em entrevista exclusiva ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.

A ex-ministra do Meio Ambiente lembra que “estes mais de 200 deputados e senadores deveriam estar sendo investigados e julgados” e estão “escondidos atrás do foro privilegiado”. Ela segue: “Não vamos ter mudança de estrutura se não mudarmos de postura”.

Sobre o crescimento das candidaturas do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula, Marina tangencia: “Ainda estamos no início do processo e temos muito tempo pela frente.”

Marina acredita que o governo Temer inviabilizou a reforma da Previdência ao deixar de dialogar com os diversos segmentos impactados e sinalizando “não se dispor a combater privilégios”. A seguir, trechos da entrevista a jornalista Daniela Chiaretti:

Valor: Sua estratégia de campanha é a da rejeição à corrupção ou a do crescimento econômico?

Marina Silva: Vou continuar como tem sido o percurso desde 2010, apresentando um programa de desenvolvimento sustentável para o Brasil. A ética não pode ser bandeira de ninguém, mas condição sine qua non para qualquer atitude na vida. Tem que ter políticas públicas voltadas para prevenir e combater a corrupção e promover uma gestão pública republicana. Não podemos ter supervalorização de uma coisa em detrimento da outra. É fundamental que a política se recupere e também a economia do país. Mas dentro de critérios que não negligenciem políticas sociais que são estratégicas.

Valor: Como quais, por exemplo? Pode detalhar?

Marina: A segurança pública virou um caos e é uma prioridade. A recuperação do emprego é prioridade, temos 12 milhões de pessoas desempregadas e mesmo com o que já foi recuperado, ainda há muitos em empregos precários. A sociedade foi encontrando meios de sobreviver, não é porque temos uma recuperação mais estruturada da nossa economia. Saúde é um caos no nossos país, a educação também. Qual é o Brasil dos próximos 20 anos? Qual o Brasil que queremos? É como está fazendo a China, investindo altíssimo em energia eólica e mexendo com a matriz energética global, ou perderemos até o que ganhamos? Tínhamos 45% de matriz energética limpa, hoje regredimos e estamos em 43%. Qual o novo ciclo de prosperidade econômica, tecnológica, de conhecimento, social e cultural que queremos para o país?

Valor: Como vê a eleição?

Marina: Não vamos ter mudança nenhuma de estrutura se não mudarmos de postura. Este é o momento da hora da verdade, a eleição vai ser a eleição da verdade. Tem mais de 200 deputados e senadores sendo investigados na Lava-Jato. Esta é a grande oportunidade de se demitir pelo menos estes 200. Se fizermos isso teremos uma enorme renovação no Congresso.

Valor: Como a senhora explica o crescimento das candidaturas do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula?

Marina: Ainda estamos no início do processo e temos muito tempo pela frente. A gente vem de uma tradição da polarização e esses grupos são perspicazes em se proteger. O maior fundo é para eles, assim como o maior tempo de tevê. No entanto, no decorrer do processo, sabendo quem é quem, o eleitor pode se deparar com a própria verdade: quer mudar ou não quer mudar? Acredito que o nosso grande desafio é o de refundar a República.

Valor: Mas tem gente que quer refundar a República votando no deputado Bolsonaro.

Marina: Não acredito que seja uma característica da República o autoritarismo, o preconceito ou a exclusão. Na República você age em conformidade com a lei e a nossa lei não permite qualquer tipo de discriminação ou preconceito contra negros, mulheres, pobres, gays, contra quem tem fé e quem não tem.

Valor: Qual sua estratégia de campanha tendo apenas 10 segundos de tevê?

Marina: Com o diálogo com os partidos e entendendo que não é fácil, porque há uma pulverização muito grande, com muitas candidaturas. Para conversar não é preciso que os partidos abram mão de seus candidatos, até porque é uma eleição em dois turnos e a gente pode se encontrar no segundo turno com homens e mulheres de bem que queiram de fato mudar o Brasil. Eu acredito nisso. Em 2010 eu dizia que queria governar com os melhores, em 2014 eu dizia a mesma coisa e mantenho.

Valor: Como se coligar?

Marina: Candidaturas do respeito à democracia são aquelas com quem se pode dialogar. Não aquelas que vêm ao arrepio, que vem invocando o lado sombra da política. Espero que estas eleições sejam a do debate e não marcadas pelo ódio e pela mentira. A minha será uma campanha para oferecer outra face, o espaço do cidadão. Ficamos nesta disputa – quem vai ser o candidato da direita, da esquerda, do centro. Precisamos do candidato da sociedade, do Brasil.

Valor: Como reverter o retrocesso ambiental com um Congresso tão refratário a estas questões?

Marina: Isso é feito quando se tem governos totalmente desacreditados, impopulares e sem capacidade de articulação e liderança. Porque estes governos, a primeira coisa que usam como moeda de troca é a agenda ambiental e indígena. Um governo que se elege com credibilidade e dizendo claramente o que pensa, será legitimado para fazer aquilo que o mundo está fazendo. Estive agora na Inglaterra e na Holanda e eles estão adaptando políticas públicas, e até mesmo as empresas, aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. No Brasil teremos que fazer a mesma coisa e não termos governos dispostos a trocar votos pelo futuro da Nação. E é isso que tem acontecido. No governo Dilma Rousseff reduziram-se unidades de conservação, no governo Michel Temer, a mesma coisa. No governo Dilma negociou-se a agenda ambiental, da reforma agrária e as terras indígenas, e no governo Temer, a mesma coisa.

Valor: Existem pessoas que gostam da senhora mas se alinham com a crítica feita pelo economista Eduardo Giannetti em 2017, que disse que Marina tem que se decidir se quer ser Gandhi ou presidente da República. A queixa é de que não se coloca claramente em momentos-chave. O que acha desta crítica?

Marina: Deve haver uma dificuldade, talvez, de as pessoas entenderem que eu tenho outro lugar de fala.

Valor: O que quer dizer?

Marina: Eu tenho uma outra fala. Quando PT, PMDB, PSDB, DEM e os satélites destes partidos são contra a Lava-Jato, eu o tempo todo digo que sou favorável à Lava-Jato, e que Justiça é reparação, não é vingança. Quando todos fazem coro a favor do foro privilegiado, que hoje faz com que tenhamos mais de 200 deputados e senadores que deveriam estar sendo investigados e julgados, escondidos atrás do foro privilegiado, eu e meu partido somos contra e entramos com um processo – o próprio Randolfe (senador Randolfe Rodrigues, Rede-AP) foi o relator da proposta para acabar com o foro privilegiado. Quando a maior parte dos partidos estavam contra a cassação da chapa Dilma-Temer, eu o tempo todo estava a favor, por entender que era o melhor caminho para fazer a transição do Brasil, de forma legítima, com a possibilidade de nova eleição.

Valor: Mas esta não é a percepção das pessoas.

Marina: Mas aí o que posso fazer? Eu não vou concordar com o foro privilegiado para que as pessoas achem que estou dizendo alguma coisa. Não vou concordar com a lei do abuso da autoridade, não vou abrir mão de defender a demarcação das terras indígenas. Estou dizendo isso o tempo todo. Se as pessoas acham que esta não é uma fala, não é uma posição… Não sou a favor do mega fundo bilionário. Não sou a favor de uma reforma política que dê mais poder aos partidos, sou a favor de candidaturas independentes.

Valor: Algumas pessoas, depois da última eleição, se afastaram um pouco da senhora. Talvez tenha perdido um pouco a transversalidade que já teve. Há menos gente ao seu lado do que havia antes. Neste sentido, o primeiro desafio da sua candidatura pode ser o de reconquistar seus pares. Como reage a isso?

Marina: São três eleições e as pessoas que caminharam comigo têm uma importância significativa para a sociedade brasileira, nos lugares em que elas estejam. Não entendo a contribuição política das pessoas como algo estanque. Estou aqui graças ao trabalho e apoio político de muitos que, por um direito seu, avaliaram que não é o momento de estarem envolvidos com política. Mas nem por isso perdemos a capacidade de diálogo. Continuam meus amigos. Querer que as pessoas continuem no mesmo lugar ad infinitum é não estar atento para a dinâmica da vida. E estando em suas organizações, defendendo as ideias que defendem, eu me sinto inteiramente integrada a elas. Política não se faz apenas com as pessoas estando ao seu lado, mas também com você se colocando ao lado delas, das suas causas e daquilo que representam.

Valor: Mesmo não estando próximas ou no Rede?

Marina: Não preciso que determinadas figuras que fazem trabalhos relevantes para a sociedade estejam dentro do meu partido para que eu me sinta integrada a elas. E é aquela coisa, tem determinados momentos em que você tem que fazer papel de arco e outros, de flecha. E agora é um caminho difícil, porque é o da verdade. Agora as pessoas já sabem quais lideranças estão na Lava-Jato e quem não está. Quando fundamos a Rede não era para ser um partido que todos se filiassem, mas era para ser um partido-movimento.

Valor: Como ficaram as conversas com os ex-ministros Joaquim Barbosa e Ayres Britto? Elas não avançaram?

Marina: Eu nunca conversei com o ministro Joaquim sobre candidatura, estou repetindo isso pela vigésima vez. Com o ministro Ayres Britto converso sempre, somos amigos. Com o ministro Joaquim teria o maior prazer de conversar. Sei que está no movimento de tomar a decisão ser será ou não candidato pelo PSB, eu respeito. É uma pessoa relevante para a política brasileira, é bem-vindo que faça parte da política. Acho que a renovação política se faz com ideias, propostas, posturas, trajetórias de vida. Defendo que quanto mais estrelas no céu, mais claro é o caminho.

Valor: Mudando de tema, que tipo de politica econômica recomendaria à sua equipe? Acha correta a política de juros altos adotada nos últimos anos?

Marina: Gosto de trabalhar com a ideia de diretrizes. Estamos em uma crise econômica, saímos agora de uma recessão de três anos, mas não estamos vivendo uma recuperação em função de investimentos. E neste contexto temos de ter medidas para que a economia possa se recuperar de forma sustentável. Para isso, algumas questões são preliminares.

Valor: Quais questões?

Marina: Temos que pensar uma recuperação econômica que não tenha que abrir mão da ética pública. Como por exemplo, o apoio ao trabalho de combate à corrupção, criando medidas que nos levem a ter mais mecanismos de transparência e controle social. E ter foco em políticas públicas que não prejudiquem cada vez mais os mais vulneráveis. O foco na recuperação econômica não pode abrir mão dos recursos para saúde, educação, segurança pública, transferência de renda.

Valor: Quer dizer seguir com o Bolsa Família?

Marina: Sim, e a construção da base política para um modelo de desenvolvimento que seja justo e sustentável, com proteção dos recursos naturais e previsão de recursos para que a gente possa fazer a distribuição de renda e combater as desigualdades sociais. Quando penso uma política voltada para a economia, seria a reestruturação da dívida pública. Não se pode gastar mais do que se arrecada. Em 2010 fui eu quem propôs que o aumento do gasto público só poderia crescer a metade do crescimento do PIB. Se o PIB cresce 4% só se poderia aumentar o gasto em 2%.

Valor: E a política de juros?

Marina: A política econômica teria de combinar o equilíbrio fiscal e o controle da inflação. A gente sabe que quando estas duas coisas se juntam são prejudiciais principalmente para os segmentos mais vulneráveis. Juros baixos são fundamentais. A política de juros altos dificulta o caminho do investimento. Não se deve pensar em controlar a inflação apenas com elevação de juros, é preciso ir à busca de novos mecanismos. O André Lara Resende escreveu sobre isso e deu um debate bem interessante, que quebra um pouco esta ortodoxia. Este é um debate que precisa ser feito na sociedade. E temos que recuperar os fundamentos da política macroeconômica. Não precisamos tirar nenhum coelho da cartola, já foi tirado com o Plano Real. É preciso ter controle do gasto público, déficit primário, câmbio flutuante, meta de inflação. No investimento, por sua vez, é fundamental a credibilidade. Hoje a maior parte dos problemas de investimentos no Brasil vem da falta de credibilidade em função da crise política e dos movimentos erráticos que temos desse 2014, envolvendo Dilma [ex-presidente Dilma Rousseff] e Temer [atual presidente Michel Temer].

Valor: Acha que a reforma da Previdência é assim tão urgente?

Marina: O próprio presidente Temer inviabilizou a reforma da Previdência quando mandou o projeto. Não havia espaço de diálogo com os diferentes segmentos que seriam atingidos por ela. Ainda que seja necessário fazer reforma por uma série de razões, pelo próprio rombo da Previdência – que, independentemente do tamanho, a gente sabe que tem -, o governo a inviabilizou.

Valor: Por quê?

Marina: Porque fazer uma reforma no fim de governo, sem popularidade, sem credibilidade, sem legitimidade, sinceramente não sei como isso pode acontecer. E ainda mais conversando apenas com um setor, que é o lado do empresariado. Era fundamental conversar com os diferentes setores. E quando ele sinaliza grandes injustiças, não se dispõe a combater privilégios. Teria que fazer um processo que não levasse a grandes injustiças como, naquele momento, ter que contribuir 49 anos para poder fazer jus à aposentadoria integral ou ter 25 anos de contribuição para receber 75% do benefício. Não tem trabalhador que fica nessa vida sazonal de carteira e não-carteira que consiga somar os 25 anos.

Valor: Já que a reforma da Previdência tem efeitos a longo prazo, não seria o caso de deixar para o próximo presidente?

Marina: É melhor que seja feita com legitimidade e credibilidade. Nem Temer nem Dilma disseram que iam fazer reforma. Os candidatos agora terão que dar, pelo menos, as diretrizes gerais da reforma tributária e da previdência. Estas diretrizes precisam ser colocadas para que a sociedade possa fazer suas escolhas.

Valor: Como a senhora enxerga a economia de modo geral? Defende manter o caminho atual ou não? Mais pró-Estado ou não?

Marina: Em 2010 eu tinha a crença que era preciso fazer a reforma da Previdência e que precisávamos alcançar o regime de capitalização. Hoje este processo está bem comprometido. Eu colocava a necessidade de que deveríamos reduzir o tombo do gasto público e estabelecer o limite de que os gastos só seriam a metade do crescimento do PIB. Falava na necessidade de uma reforma tributária que não aumentasse a carga tributária mas criasse critérios de transparência, de justiça tributária, de simplificação. Sempre defendi que o Plano Real era uma conquista da sociedade brasileira e que não poderia ser alterado. Essa discussão que é feita entre o PT e o PSDB, todo ano de eleição, entre Estado máximo e Estado mínimo, não sei como ainda tem gente que vota olhando para isso. As privatização feitas no governo de Fernando Henrique não foram desfeitas no governo Lula. As PPPs [parcerias público-privadas] são dos dois governos.

Valor: O que pensa sobre mais ou menos Estado na economia?

Marina: Eu sou bem transparente. Não defendo a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, mas acho que o Estado não deve fazer coisas que podem ser feitas – desde que com a prestação de serviço e custos adequados inclusive para que o empreendedor tenha uma taxa de retorno adequada. Não vejo problema nas parcerias público-privadas. Esta história de Estado máximo e Estado mínimo é a visão do dono da casa grande e do feitor.

Valor: Como assim?

Marina: O dono da casa grande acha que o Estado tem que ser o provedor, que vai fazer tudo. O feitor acha que o Estado precisa só regular. Eu não acredito nem em um nem em outro. Acredito no Estado necessário, no Estado que é capaz de mobilizar o melhor de si, da iniciativa privada, da sociedade, da Academia.

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